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5 de Novembro de 2018
10h54

 Teixeira havia chegado ao restaurante do Limoeiro alguns minutos antes das onze da manhã. Se identificou, explicou o que estava fazendo ali e ficou aliviada ao perceber que o dono do local iria colaborar, mesmo não tendo uma ordem judicial. Havia pedido o prato do dia para o almoço enquanto esperava, se não comesse naquele momento não saberia quando teria outra oportunidade.

 Estava sentada em uma das mesas externas. O dia não estava quente, mas abafado, com as nuvens tornando o céu meio cinza. Enquanto comia, avaliava o baião de dois com carne assada, comparando ao que a mãe preparava. Como se lesse seus pensamentos, o celular de Teixeira vibrou sobre a mesa, com a identificação "Mãe" na tela. Atendeu.

— Oi, mãe. — falou e tomou um pouco de suco.

— Helena, minha fia, eu não ia te ligar, mas...

— O que foi? É o Léo? A febre voltou?

— Não, não, ele tá bem. É a Bia. — a voz da mãe estava estranha, meio confusa, mas também preocupada.

— O que tem a Bia?

— Ela colocou as roupas dela em uma bolsa de manhã e tá sentada lá na calçada até agora.

 Helena fez um careta.

— Ahn?

— Ela disse que vai esperar o pai dela lá fora.

— O Tiago ligou?

— Não, mas a menina tá crente que ele vem buscar ela pra levar pra Santa Catarina.

 Helena largou a colher e apoiou a cabeça na mão por um instante.

— Tiago não vai largar a vida de solteiro pra cuidar da Bia.

— E eu não sei? A última vez que veio aqui ele tava mostrando a passagem pra Bia, é pra hoje.

— Que passagem? Ele nem mora lá, eu te contei que aquele cretino continuou em São Paulo.

— Se não mora, pelo menos viaja pra lá. A Bia me mostrou no celular. Mas se acalme que ele tava só com a passagem dele. E era pra de manhã, já deve tá no avião hora dessa.

 Helena sentiu o sangue ferver de ódio. Como um pai era capaz de fazer aquilo com sua filha? Enganar, manipular, mentir?

— Coloca ela pra dentro, mãe. Ela vai pegar chuva.

— Minha fia, eu já tentei foi de tudo. Ela não entra.

— Só pode ser brincadeira. — resmungou, amaldiçoando o ex-marido em pensamento. Quando levantou a cabeça, viu o dono do restaurante se aproximando. — Mãe, perai, não desliga.

— Aqui está a relação dos pedidos do dia 7 de Setembro. As imagens estão sendo baixadas. - ele falou, entregando algumas folhas de papel.

— Pode deixar aqui comigo por um tempinho?

— Posso, claro. Qualquer coisa pode chamar.

— Ok, obrigada. — ela forçou um sorriso para o homem e o observou se afastar. — Mãe, tá aí ainda?

— Tô.

— Deixa eu falar com ela.

— Tá certo, perainda.

 Teixeira passou os olhos por cima de uma das folhas que havia recebido, mas precisava de toda sua atenção para aquilo. Suspirou e esperou. Depois de alguns segundos conseguiu ouvir pelo telefone as vozes da mãe e da filha.

— Tua mãe quer falar contigo, Beatriz.

— Eu já disse que não vou falar, vó.

— Bora, Beatriz, é sua mãe. Cuide.

— Não, vó, meu pai já vem me buscar.

— Ô menina, mais teimosa que canto de cerca! Pega esse telefone, Ana Beatriz!

 Houve um pequeno momento, então a voz da filha estava mais próxima.

— Que é, mãe?

— Isso é jeito de falar comigo? — Teixeira conseguia imaginar a filha revirando os olhos. — Que história é essa de você tá esperando seu pai?

— Ele disse que ia me levar.

— Bia, pelo amor de Deus, Tiago falou aquilo na hora da briga.

— Ele não tava mentindo, mãe, ele me prometeu!

— O que ele te prometeu? Hein?

— Que eu ia morar com ele em Florianópolis.

— E você quer isso, Bia? Ficar longe de mim e do teu irmão?

 Ela não respondeu de imediato, mas quando falou, sua voz estava embargada.

— Você nem tem tempo pra mim, mãe.

 Aquilo fez o coração de Teixeira se apertar. Ela sempre soube que era uma péssima mãe, mas ouvir a própria filha falar aquilo, fez seu chão tremer.

— Bia...

— Você não liga pra mim, mãe. Você só trabalha, trabalha, trabalha! Você nunca conversa comigo, nunca me leva pra passear!

— Eu sei, meu amor, eu...

— Meu pai vai cuidar de mim. E eu vou voltar pra ver você e o Léo.

 Teixeira passou a mão nos olhos que haviam ficado úmidos.

— Bia, seu pai não...

— Ele vem, tá legal? Ele prometeu.

— Tá certo, tudo bem. Mas me escuta. Me dá mais uma chance? Eu prometo que vou ficar mais tempo em casa. Esse caso que a mamãe tá trabalhando... Bia, tá bem difícil, mas assim que isso acabar, eu vou falar com o delegado.

 A filha não respondeu, parecia estar pensando.

— Você promete?

— Eu juro.

— Pois vem pra casa agora. Se você vier, eu fico.

— Agora?

— É. Você disse que ia me levar pra fazer a unha na irmã Denise. Vamos, por favor?

 Teixeira mordeu o lábio para não dizer que estava a caminho. Não iria mentir para ela também.

— Filha, agora eu não tô no Porto, tô em Limoeiro, mas assim que a mamãe chegar...

 A linha caiu. Teixeira afastou o aparelho da orelha surpresa e olhou o visor, só para confirmar que a ligação havia acabado.

— Merda. — deixou o celular na mesa e suspirou. Olhou para a folha de papel esperando por ela e depois para a rua. Se saísse naquele momento, estaria em casa a tempo de pegar um horário com a manicure...

 O que ela estava pensando? Estava no meio do expediente, não podia largar tudo e ir fazer as unhas. Resolveria com Bia depois, decidiu. Mas mesmo com a decisão tomada, o aperto em seu peito não diminuiu.

 Voltou a pegar o celular e abriu a foto da noite em que Flávio Bento havia jantado ali, aparentemente em 7 de Setembro. A foto era bem clichê, Flávio sentado na cadeira do meio, um tanto inclinado para a frente, um braço sobre os ombros de duas mulheres, a namorada e a cunhada. A foto havia sido tirada pela irmã de Flávio.

 Teixeira deu zoom, se aproximando do conteúdo sobre a mesa. Havia uma pizza no centro, duas garrafas de cerveja e uma de Coca-Cola. Na frente da mulher loira havia uma taça típica para milk-shake e próximo à morena um pratinho de sobremesa, com um guardanapo ao lado. Também uma garrafinha de água e uma cestinha de pães. Teixeira deixou o celular e passou para a folha. Correu os olhos, pulando os horários mais cedo. Começou a avaliar com atenção a partir das vinte e uma horas. Checou a relação de pedidos, um por um, até encontrar o que batia perfeitamente com as coisas sobre a mesa de Flávio Bento.

Pizza grande metade catupiry metade calabresa

Pão de alho

Coca-Cola dois litros

Duas cervejas Skol pilsen 300ml

Milk-shake médio ovomaltine

Pudim de leite pequeno

Água Santa Isabel 500ml

 Teixeira correu com o dedo seguindo a linha daquele pedido até o horário registrado no caixa: 21h23.

— Merda! — xingou. Mas ainda não estava totalmente convencida. Baixou o dedo para ver os detalhes do pagamento. Toda a conta havia sido paga no cartão de crédito, o titular ela Maria Juliana Bento.

 Teixeira se deixou apoiar as costas na cadeira, o sentimento de derrota era como um peso sobre seu corpo. Estavam tão perto! Mas ainda havia uma última coisa para se checar...

 Levantou e foi até a recepção. O dono do restaurante estava atendendo uma mesa, mas ao vê-la se apressou.

— Eu já ia chamar a senhora.

 Teixeira o acompanhou até a salinha onde ficava o computador com as imagens de segurança.

— Esse aqui é o do dia 7. — apontou para um dos quadradinhos.

 A oficial pediu licença e reproduziu o vídeo. Adiantou rapidamente até às 21h50. A câmera pegava toda a área externa, foi fácil localizar a mesa de Flávio Bento. Acabando com o resquício de esperança que havia em si, Teixeira constatou que ele realmente estava naquele restaurante durante o sequestro e assassinato de Ana Clara.

 Não havia sido ele.

 Agradeceu ao dono do lugar, pagou pelo almoço e se retirou. Dentro do carro, pegou o celular e ligou para a delegacia.

— Más noticias, delegado, não foi o Bento.

— Mas que... — houve uma batida forte do outro lado da linha. — Você checou tudo?

— Sim, ele tem um álibi comprovado. Estava aqui naquela noite.

— Eu podia jurar que era ele.

— Eu também. — Teixeira suspirou. — Voltamos para a estaca zero.

— Não, não podemos negar o indício que nos levou até o Bento: o sêmen. Tenho uma novidade sobre isso, já ia te ligar.

— É mesmo?

— Descobri que o material do nosso caso foi analisado no mesmo laboratório que o caso do Bento.

 A mente de Teixeira fez um clique.

— O senhor acha que pode ter havido contaminação?

— Pode ser que sim, mas não sei quais as chances. Por isso pedi que o responsável pela análise viesse falar com a gente. Ele já está a caminho.

 Teixeira ligou o carro e checou os retrovisores.

— Estão vindo da capital?

— Sim.

— Certo. Eu preciso passar em casa primeiro, mas chego antes deles.

 O silêncio do delegado foi suficiente para deixar claro que ele não havia gostado muito da ideia.

— Se apresse. — ordenou.

— Sim, senhor.

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