18

13 de Setembro de 2018
12h00

 Tudo havia começado como o caso de desaparecimento de uma menina, agora o delegado Domingos tinha nas mãos um suposto homicídio pré-planejado pelos pais da criança.

 A mãe já estava em um presídio há dias, aguardando julgamento, agora era o sr. Bosco que enfeitaria uma cela. O resultado dos exames no cabelo de Ana Clara comprovaram que a menina vinha sendo medicada pelo menos pelos últimos três ou quatro meses. O que levaria pais a doparem a própria filha? Domingos conseguia pensar em vários por quês, alguns faziam seu sangue ferver, outros o estômago revirar. Havia também pedido urgência na análise da fita adesiva encontrada na casinha da árvore, mas só havia DNA das crianças nela. Claramente os irmãos haviam levado até o local para brincar.

 Era o meio dia do dia 13. O delegado se dirigia outra vez para a residência do sr. Bosco, agora com o intuito de encontrar qualquer coisa que o ligasse diretamente ao crime. O casal estava no banco de trás, o resto da viatura também ocupado.

 A notícia de que Bosco e Almeida estavam detidos como suspeitos do assassinato da própria filha já havia vazado e circulava todo o país. Pela primeira vez na vida Domingos participou de uma dessa cenas que só havia visto em grandes casos, como o da menina Nardoni. Uma verdadeira multidão enchia as ruas próximas. Desde o início de tudo, a investigação vinha acontecendo sob os olhos atentos de muitos curiosos, é claro, mas aquela novidade fez um sentimento muito mais forte tomar conta da população: raiva.

 Foi necessário mover todos seus oficiais para controlar a multidão que tentava passar pela linha amarela. Quando os carros passaram, com Bosco e Almeida, as pessoas se descontrolaram. Gritavam injúrias e xingamentos, os punhos no ar. Ricardo fechou a cara e travou o maxilar, Cecília parecia assustada, seus olhos alarmados pulavam pelos rostos raivosos.

 Por segurança, a rua Marechal Pinheiro foi totalmente bloqueada, nem mesmo os moradores puderam permanecer ali.

— Vocês podem entrar e pegar o que quiserem, não vão encontrar nada de mais. Que grande perda de tempo. — o sr. Bosco falou, batendo a porta da viatura com força ao sair.

— Estão chamando a gente de assassinos, Ricardo. — Cecília sussurrou, horrorizada.

 O homem lançou um olhar para a rua e fez uma careta.

— São pessoas sem ter o que fazer e vem aqui nos insultar. Não ligue para isso, querida.

— São nossos vizinhos.

— Não se importe.

 O dia passou bem lentamente, aquela parte do trabalho era detalhista demais, cansativa. O delegado lamentava não poder ser parte ativa de alguma forma, apenas ficou por ali. Foi no meio da tarde que Teixeira saiu da casa parecendo ter algo para compartilhar.

— Alguma sorte? — ele perguntou para a sua investigadora.

— Recolheram algumas coisas, mas algo me chamou a atenção. Na verdade reparei nisso na reconstituição.

— Em quê?

— O sr. Bosco não lhe parece um homem culto e bem informado?

— Com certeza ele é.

— E o próprio, em uma entrevista dada ano passado para o jornal, comentou que um dos seus passatempos é escrever artigos.

— Sim, sim. E daí?

— E o senhor não acha estranho que um homem como ele, moderno, bem informado e ainda um aspirante a escritor não tenha um computador ou algo do tipo?

 O delegado a olhou, entendendo.

— Nenhum notebook, tablet...?

 Teixeira trazia nas mãos as fotos do dia do registro, que mostrava cada canto da casa do sr. Bosco. Ela as passou uma a uma com cuidado.

— Não há sinal de nenhuma dessas coisas de tecnologia. — concordou o superior.

— Isso foi no dia do registro. Adivinha o que encontramos bem em cima da mesa hoje?

— Um computador?

 Teixeira concordou com a cabeça.

— Falaram sobre isso com ele?

— Ricardo Bosco falou que o notebook sempre esteve na casa e que nós somos os incompetentes que não viram.

— Fotografamos cada canto da casa, literalmente, e não vimos um computador?

— Aparentemente.

— Já o recolheram?

— Sim e o celular já está conosco. Vão junto com o resto para avaliação.

— Não, quero uma atenção especial para eles. Com urgência.

— Algo me diz que vamos encontrar coisas interessantes aí.

— Ou não encontrar.

 A oficial revirou os olhos.

— Típico. Eu posso dar uma olhada na área e ver alguns técnicos, vê se ele contratou algum nos últimos dias para algum servicinho.

— Ainda não, vamos com calma com isso. Estamos com a bomba na mão, se ela estiver armada, ela vai explodir mais cedo ou mais tarde. Não quero esse detalhe espalhado por aí.

— O senhor é quem sabe.

 Mais tarde, antes de encerrar seu turno, o delegado fez sua ronda na delegacia, se despedindo dos agentes e se certificando que estava tudo em ordem. Quando estava passando no corredor ao lado das celas, ouviu a voz de Cecília e parou. O ex-casal estava aguardando o carro que os levaria para os presídios públicos ali.

— Ricardo? Tá dormindo? — ela chamou outra vez.

— Não.

— Quem tá cuidando do Miguel? Você falou com ele?

— Ele está com sua mãe. Não se preocupe, ele está bem.

— Eu me sinto tão... Precisei tomar os remédios de novo. Isso tá acabando comigo.

— Você sabe como eles são, estão tentando pegar qualquer um para culpar. Infelizmente somos os primeiros da fila.

— Meu Deus, quando isso vai acabar?

 Houve uma pequena pausa.

— Está mais tranquila?

— Eu nunca vou esquecer o dia de hoje. Eu pensava que nossos amigos iam apoiar a gente, mas eles...

— Cecinha, o que você esperava das pessoas? As pessoas que se submetem a tal papel são ralé. Não têm o que fazer e se envolvem com a tv, com a carniça e a podridão. Eles não importam, nós sim. Nós somos os bons da história, os honestos.

— Mesmo assim, ouvir toda aquela gente me chamando de assassina...

— Eles não têm nenhuma prova contra nós e ainda se acham juízes. Ninguém tem nada.

— Então por que a gente tá aqui?

— Porque precisam descartar suspeitos.

— E pra isso a gente precisa ficar aqui? Disseram que eu era suspeita pelas inconsistências nos depoimentos, só porque eu me confundi. — a voz de Cecília baixou um pouco. — E tão dizendo que tinha remédio no corpo dela, Ricardo.

— Te falaram que medicamento encontraram?

— Eu não sei, eu tava passando mal, eu não ouvi direito, mas você sabe que eu dava a ela. Mas eu não sabia que podia... Como eu ia saber? Eu também tomava!

— Sim, chega, não fale essas coisas aqui. Eles podem interpretar mal ou usar contra nós, como todo o resto. Me prenderam por comprar seus remédios. Remédios esses que são prescritos pelo seu médico e que as farmácias exigem a receita. Não consegue ver? Eles estão dando tiros no escuro pra acalmar a mídia. Preferem que o ódio seja jogado em nós em vez deles, que não sabem o que estão fazendo, como gatos cegos e burros a procura de um rato.

 Houve outra pausa, daquela vez bem mais longa. O delegado já estava decidindo ir embora quando o silêncio foi quebrado por Cecília.

— Nunca pensei que no sábado minha vida mudaria tanto.

— Eu sei, nem eu.

— De manhã ela pediu pra eu fazer bolinho de chuva e eu disse que não, que fazia na semana. Como eu ia saber que...

— Eu sei, querida, mas escute, você sabe que vamos depor para o juiz?

— Sei.

— Temos que ficar calmos e ser coerentes e não podemos cometer erros. Tudo vai ficar bem.

— Eu sei, mas o que mais eu tenho que contar? Já falei tudo!

— Vamos dizer a verdade porque não temos nada que esconder. Certo, linda?

— Claro.

— Melhor a gente descansar um pouco, minha vida. Pelo menos aqui a gente tem paz.

— Eu tenho muito medo que as detentas façam alguma coisa comigo, Ricardo.

— Elas não vão, meu amor. Tente descansar. Te amo muito.

— Também amo você.

 Domingos se afastou dali, balançando a cabeça. Sabia que não poderia esperar cem por cento de sinceridade daquela conversa, principalmente por parte do sr. Bosco, era um homem esperto, provavelmente sabia que havia chances de estar sendo ouvido ou gravado. Na verdade, algumas vezes suas palavras indicaram aquilo, uma tentativa de soar como inocente. Seja para o corpo policial que ele desconfiava o estar vigiando ou para a ex-esposa, mas isso implicaria que a mesma não estivesse envolvida no crime.

 Deixe isso para amanhã, homem. Pelo amor de Deus!

 O delegado se repreendeu. Estava exausto, com dor de cabeça e com fome. Seu turno havia terminado, desejou ter o poder de esquecer de toda a investigação por algumas horas, assim poder descansar adequadamente. Mas era como desejar sair voando por aí, não iria acontecer. Até seus sonhos giravam em torno daquela pobre criança e de culpados sem rostos.

— Delegado! — Teixeira o encontrou, os olhos arregalados e a respiração mostrando sua agitação. — Ligação do laboratório, é importante.

— Eu pedi que me ligassem no celular. — ele resmungou, acompanhando a agente com seus passos rápidos. Tirou o celular do bolso e apertou várias vezes nas teclas, mas o objeto continuou apagado. — Essa bosta descarregou e eu não vi. Adiantaram algo?

 Teixeira fechou a cara, sua boca se tornando uma linha dura.

— Parece que o exame para sêmen deu positivo.

 Mais uma pedra de gelo rolou até o estômago de Domingos. Ele jurava que havia uma pedreira congelada ali. Se havia sêmen na menina, aquilo confirmava que o intuito do sequestro fora para abuso sexual, mesmo não tendo deixado traumas significativos no corpo da criança.

— Tem algo mais, mas não quiseram me falar.

 Os dois se apressaram ainda mais até a sala do delegado. O homem foi direto para o telefone e ativou o viva voz para que Teixeira também ouvisse.

— Dr. Mendes?

— Boa noite, delegado. Como vai?

— Vou bem. Minha agente disse que o senhor tinha novidades.

— Sim, tenho. Saiu o resultado do material encontrado na região cervical da menina Ana Clara Bosco. Como desconfiamos, se trata de sêmen.

— É, como desconfiamos.

 Aquela era uma notícia bem-vinda para a investigação, mas pensando no lado humano, era um soco no estômago receber a confirmação que aquela criança havia sido molestada de alguma forma.

— O senhor com certeza soube dos exames toxicológicos. — o médico falou.

— Sim, sim. Uma barbaridade.

— Agora faz sentido que não houvesse sinais de luta ou tentativa de defesa no corpo da menina. Ela estava completamente desacordada.

— Pelo menos uma peça desse quebra-cabeça se encaixou. Obrigado por tudo, dr. Mendes. Por favor, encaminhe os resultados para a análise de DNA.

— Já fiz isso.

— Obrigado de novo. E tenha uma boa noite.

— Igualmente.

 A ligação foi interrompida.

— Tinha planos para hoje a noite, Teixeira?

 A mulher descruzou os braços e deu de ombros.

— Só umas coisas que eu faço de vez em quando, comer, dormir... Ah, ia levar meu carro no mecânico, tá fazendo um barulho esquisito.

— De tudo isso aí você só vai comer. — Domingos caminhou até o armário no canto da sala, onde guardava as pastas com os casos em aberto. O de Ana Clara estava em primeiro lugar. Levou até a mesa e mexeu nos papéis até encontrar alguns e os entregou para a oficial. — Relação de todos que estavam na rua Marechal Pinheiro na noite do crime. Vamos recolher o DNA de todos os adultos do sexo masculino da área. Faça uma relação com os vizinhos da mãe da menina também. Eu monto a árvore geneológica.

— Não vamos checar primeiro se o DNA encontrado no sêmen bate com o de Ricardo Bosco? Ele é nosso único suspeito, por enquanto.

— Sim, claro. É a primeira coisa que irei solicitar, mas por via das dúvidas, quero já ir adiantando novos suspeitos.

 Teixeira concordou com um aceno. Ela percebeu que o chefe já estava se preparando para trabalhar.

— Não vai nem mesmo comer, delegado?

 O homem mais velho se limitou a fazer um som de desgosto.

 Comer! Eu tenho um filho da puta pra identificar.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top