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9 de Setembro de 2018
7h53

 Teixeira se endireitou na cadeira e voltou a gravação. Pausou, se certificando que o carro era aquele. Sim, conseguiu ver Cecília no volante e Ana Clara no banco do carona. No depoimento, Cecília havia dito que parara o carro na mesma rua onde o pai das crianças morava, mas não, ela havia deixado a Marechal Pinheiro e entrado na Albuquerque Lima Duarte.

— Ela mentiu... — o vídeo estava parado, a rua vazia congelada na tela. Por quê? Por que Cecília havia mentido sobre o local onde havia parado o carro?

 A investigadora moveu o dedo para apertar o play. Minutos se passaram, o movimento na rua era baixo, por conta do horário. Às 21:24 a câmera da padaria registra Ana Clara e João Miguel voltando a pé. Teixeira aproxima a imagem para analisar as crianças. Miguel caminha normalmente, segurando a irmã pelo braço. Ana Clara tem o passo trôpego e lento, como se estivesse exausta... Ou drogada.

 As crianças logo saem do quadro. Teixeira volta a imagem ao normal e espera. João Miguel volta sozinho e correndo às 21:45.

 Algumas batidinhas na porta fazem Teixeira levantar a cabeça.

— Desculpa atrapalhar, só vim ver se você quer algo pra comer. Tô saindo pra comprar. — era a Oficial Santos.

 Teixeira piscou por um segundo, voltando a realidade. Olhou para o relógio no canto do computador.

— Ah, eu já jantei... — ela reparou no outro pen drive que teria que analisar e mudou de ideia. — Pensando bem, você pode trazer alguma coisa pra mim? Isso aqui vai levar um tempo.

 O delegado que a perdoasse.

— Muita coisa pra ver?

— Dois dias na câmera da padaria e mais um na da agência bancária.

 Santos assobiou.

— Vou trazer um lanche reforçado.

— Obrigada.

 Teixeira remexeu na bolsa até encontrar a carteira. Pegou uma nota de vinte e entregou para a companheira. Santos acenou e saiu.

 Voltando para as imagens, Teixeira as adiantou, quase não piscando enquanto observava o movimento. Às 22:08 o carro de Cecília passa no sentido da casa do ex-marido e, cerca de vinte minutos depois, o carro volta a ser visto, daquela vez com ambos os pais dentro.

 A investigadora trocou as imagens, passando a analisar as gravações da rua Albuquerque Lima Duarte. A agência bancária com o sistema de vigilância ficava duas ruas depois da esquina que ligava a rua à Marechal Pinheiro, portanto não foi possível ver onde o carro de Cecília parou para as crianças descerem. Dessas filmagens só foi possível ver quando Cecília passou com João Miguel e, minutos depois, sozinha, quando foi ajudar Ricardo a procurar pela filha.

 Teixeira puxou uma folha em branco de uma pilha e começou a rabiscar. Montou a linha do tempo dita por Cecília e Ricardo, consultando sua cópia do depoimento para ter certeza. Depois montou a linha do tempo mostrada pelas câmeras. Ao terminar, comparou ambas, vendo que todos os horários batiam, o único furo estava na declaração da mãe.

 Sua mão foi até o celular sobre a mesa, mas parou antes de pegá-lo. O delegado havia pedido para ser informado imediatamente sobre qualquer novidade, mas ela sabia que aquela altura ele havia acabado de ir dormir e ainda tinha muito material para ver. Teria que assistir todas as horas das gravações, registrando qualquer coisa relevante. Decidiu dar algumas horas de sono ao superior e só entrar em contato quando tivesse todas as informações.


 Eram 8:30 da manhã do dia 10 de Setembro quando Teixeira dirigiu até a funerária Jardim de Deus, onde o velório de Ana Clara estava acontecendo. Estacionou a viatura do outro lado da rua e apertou os olhos para o sol que entrava através do para-brisa.

— Você tá acordada há quanto tempo? — Lopes perguntou. Ele era um novato na equipe. 25 anos, todo braços, pernas e músculos.

 Quando o delegado disse que seria ele a acompanhá-la naquela manhã, Teixeira precisou reprimir um revirar de olhos. O garoto não parava de dar pequenas indiretas. Lopes era um rapaz muito bonito, pele bronzeada de quem ia à praia em toda folga, dentes certinhos e olhos amendoados. Era o tipo que arrastava olhares das meninas quando passava, estando fardado então... Helena não era cega, sabia que também sentia aquela atração por ele, mas se tratava de um rapaz, quase ainda um garoto. Ela era sua superior e mãe de uma adolescente e de um bebê.

— Eu comecei o turno ontem. Precisei confirmar umas coisas com o delegado.

 Lopes balançou a cabeça para os lados.

— Turno de madrugada é uma merda.

— Ainda não são nem nove da manhã. Eu estou bem.

— Você está ótima.

 A investigadora precisou virar o rosto para que ele não visse sua expressão.

— Não vamos entrar? — ele continuou, lançando olhares para a funerária.

— Vamos esperar que eles acabem.

— Não precisamos esperar, sabe, a gente pode...

— Eu sei o que a gente pode fazer. — Teixeira o cortou. — Mas é uma mãe enterrando a sua filha. Nós vamos esperar.

 Ninguém ainda sabia o que realmente havia acontecido. Teixeira estava tão perto de encontrar um suspeito quanto quando descobriu que a menina havia desaparecido. A única coisa que tinha era a inconsistência na declaração da mãe. Aquilo indicava que ela estava envolvida na morte da filha? Absolutamente não.

 Os dois ficaram no carro por quase três horas, até finalmente notarem as pessoas começando a sair. Lopes tentou abrir a porta do carro, ansioso para entrar em ação depois de tanto tempo com a bunda no banco do carona, mas Teixeira o impediu. Queria que o fluxo diminuísse, curiosos sempre atrapalhavam o curso das coisas, mas percebeu tarde demais que a viatura iria mantê-los por ali. Suspirou, vendo todos aqueles olhos sobre eles, quase podia ouvir os cochichos.

— Fique atrás e só interfira se for necessário, entendeu?

 Lopes concordou com a cabeça e eles saíram do carro. Toda atenção estava neles, até mesmo as pessoas que choravam a pouco pararam para observar os dois oficiais entrando. Teixeira se identificou na recepção.

— Preciso que abram o portão lateral para que meu companheiro entre com a viatura.

 A moça, não devia ter mais de dezenove ou vinte anos, estava claramente confusa.

— Eu... Eu vou chamar a gerente, posso?

— Não ouviu? Abra logo o portão! — Lopes falou, espalmando as mãos no balcão e se inclinando para a frente. A menina deu um pulo com o susto.

— Lopes. — Teixeira lhe lançou um olhar.

— Desculpa, eu... Eu preciso falar com a gerente.

 O oficial ignorou as duas e continuando com sua postura, perguntou:

— Qual seu nome?

— Ana Vitória da Silva Castro. — seus olhos estavam enormes.

— Eu acho que você, Ana Vitória, consegue abrir um portão sem a ajuda da sua gerente. Somos da polícia, nós mandamos e você obedece, entendeu? Estamos em um caso importante aqui, não temos tempo para...

— Já chega. — Teixeira colocou a mão no peito de Lopes e o afastou alguns passos. Olhou no fundo dos seus olhos e se controlou para manter o profissionalismo. — Vá buscar o carro, alguém vai abrir o portão e você entra. Espere na viatura.

 O rapaz a encarou exasperado, como uma criança que acha ter recebido uma tarefa muito fácil.

Mas...

— Eu resolvo o resto.

— Mas eu acho que...

— Eu sou sua superior, você não precisa achar nada. Eu mando e você obedece.

 Lopes estreitou o olhar e os dois se encararam por alguns segundos. Então, sem dizer nada, ele se virou e saiu. A oficial voltou para o balcão.

— Você pode falar com a sua gerente, eu vou esperar aqui.

 Ela balançou a cabeça, mas não precisou ir a lugar algum, já que a gerente apareceu no corredor logo em seguida. Teixeira soube que todo mundo no prédio já deveria saber que a polícia estava ali. Trocou algumas palavras com a encarregada, o portão foi liberado e a própria a acompanhou.

 A funerária era bastante ampla, provavelmente a maior e mais cara da cidade. A oficial foi guiada por toda a parte estrutural, atravessaram um pátio e entraram no terreno do cemitério. Teixeira logo notou o pequeno grupo há cerca de vinte metros, na entrada de um túmulo familiar. Cecília e Ricardo Bosco também as notaram, trocaram algumas palavras e Ricardo guiou a ex-esposa na direção delas. A gerente disponibilizou sua ajuda e se retirou.

 Enquanto esperava, a investigadora analisou o grupo que havia ficado para trás. Se tratava de algumas pessoas mais velhas, provavelmente os avós da menina. O casal grisalho e bem vestido se destacava dos outros. Teixeira reconheceu o advogado Costa Bosco. O homem a olhava de volta, com uma expressão fechada, enquanto descansava as mãos nos ombros da esposa, uma senhora por volta dos sessenta anos, ereta, escondida atrás de óculos escuros.

— Sinto muito em voltar a encontrá-los nessa situação. Meus pêsames. — Teixeira tentou soar o mais humana possível, mesmo em seus trajes oficiais.

 Ricardo mantinha sua postura de sempre, como uma rocha inabalável, mas Cecília estava destruída. Olhar para ela era como receber um soco no estômago. Seu rosto parecia uma massa sovada em excesso, os olhos inchados quase não se deixava ver as pupilas. Aparentemente o que a mantinha de pé era o braço do ex-marido.

— Já é uma situação insuportável, oficial, não consigo entender o que a trouxe aqui. — Ricardo falou, ríspido.

— Desculpe, mas se trata de algo inadiável. Só estou cumprindo ordens.

— O único motivo que meu lado racional, o pouco que me resta após as últimas horas que enfrentei, consegue pensar é que você veio nomear o assassino da minha filha, mas até mesmo isso poderia ter esperado, não acha?

 Teixeira o avaliou antes de mudar o foco para a mulher.

— Preciso falar com a senhora.

 Cecília permaneceu como se estivesse ali apenas de corpo presente.

— O que for dizer a ela, pode ser dito na minha presença.

— Eu vou pedir que a senhora me acompanhe, dona Cecília, a sós.

— Ela não vai a lugar algum sem mim.

— Como o senhor mesmo disse, essa situação já é bastante delicada, por favor, não me faça acionar outras viaturas, já estamos chamando bastante atenção.

 Ricardo ergueu a cabeça e olhou ao redor, notando as pessoas paradas, assistindo. Uma expressão raivosa cruzou seu rosto.

— É melhor você ir com ela, meu amor. — falou, baixando os lábios à altura da orelha de Cecília, depois encarou a oficial. — Segure ela.

 Teixeira colocou a mão gentilmente no braço de Cecília e as duas se afastaram a passos lentos. Naquele pequeno percurso Helena se permitiu sair de seu cargo e ser uma mãe ao lado de outra.

— Eu sinto muito, eu realmente sinto. — ela falou.

 Cecília piscou, liberando novas lágrimas.

— Você veio me buscar por que acharam alguma coisa? Prenderam alguém? Por que o Ricardo não podia vir também?

 Helena sentiu a oficial Teixeira retornar para o lugar, foi quase desconcertante.

— Em um minuto eu explicarei tudo.

 Passaram pela recepção e a recepcionista correu, indicando o caminho que levava até o estacionamento. Haviam alguns carros ali, mas a viatura se destacava. O muro que guardava o estacionamento era baixo e terminava em algumas grades, portanto todos os curiosos na rua conseguiram vê-las. Flashes estouraram, mostrando que a mídia também estava presente. Cecília olhava surpresa, enquanto Teixeira a puxava o mais rápido possível até o carro. Pessoas começaram a gritar da calçada, jornalistas faziam perguntas umas sobre as outras, o sol do meio dia estava escaldante, fazendo as duas transpirarem.

— O que foi? — Cecília perguntou, ficando nervosa ao ver a viatura e a multidão. — Por que todo mundo tá aqui?

 Teixeira nada falou, continuou levando a mulher até o carro, mas Cecília parou de caminhar.

— O que foi? O que... Eu preciso do Ricardo, eu preciso do Ricardo. — ela tentou se virar para voltar, mas a oficial a segurou. Lopes fez menção de sair do carro, mas parou ao ver o olhar da superior.

— Você precisa entrar no carro, dona Cecília.

— Não! Eu não vou! Por quê? Ricardo veio dirigindo, ele pode me levar.

— Por favor, senhora Cecília.

 Com um pouco de força, Teixeira a levou até a viatura. Abriu a porta e a fez entrar no banco de trás, entrando logo em seguida. Bateu a porta e se virou para encará-la.

— Cecília Almeida de Souza, você está detida pelo suposto envolvimento no homicídio de Ana Clara Almeida Bosco.

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