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7 de Setembro de 2018
22h40
O expediente de Domingos se encerraria em alguns minutos, mas ele não se sentia cansado. Mesmo sendo o responsável pela única delegacia do Vale do Porto, em seus vinte e dois anos de carreira dificilmente chegava cansado em casa. O corpo doía pelo tempo passado sentado, preenchendo papéis, mas a criminalidade em si era baixa.
Durante todo o dia havia visto algumas questões burocráticas, duas denúncias de assalto e lidado com um caso de violência doméstica. A vítima estava internada e o agressor sob custódia. Domingos fez um lembrete mental para chegar no trabalho uma hora mais cedo no dia seguinte. Queria estar ali quando os resultados da perícia chegassem. Quanto antes aquele demônio em forma de homem estivesse oficialmente atrás das grades, melhor. Fora isso, as horas foram preenchidas fazendo palavras cruzadas e jogando conversa fora com os dois companheiros que estavam na delegacia. Ele havia mandado o resto do pessoal para a rua por conta do desfile.
Levantou de sua cadeira, não conseguindo evitar um gemido. Estava velho, era oficial. Os sessenta anos já espreitavam, seus ossos doíam e até ir ao banheiro começava a se tornar difícil. Precisava cuidar da saúde. Rosália, sua esposa, já havia tentado marcar inúmeras consultas, mas com o trabalho imprevisível que tinha, era complicado. Não tinha realmente um horário fixo, as oito horas de trabalho muitas vezes se estendiam para dez ou doze, quando alguém era preso e arrastado até lá minutos antes dele encerrar o expediente.
Caminhou um pouco pela sala para esticar as pernas e parou junto da mesinha do café. Abriu o pote das bolachas e pescou algumas. Estava faminto, já imaginando o que Rosália havia cozinhado para o jantar. Olhou para o relógio sobre sua porta e viu que faltavam vinte minutos para às onze, seu horário de saída. A comida teria que ser requentada, mas ainda assim uma refeição mais apetitosa que o sanduíche que ele sempre mandava comprar quando ficava preso no escritório.
Duas batidas na porta o fizeram se virar. Era Teixeira.
— Delegado, tem um casal aqui. — falou, o semblante dela estava preocupado.
Domingos abandonou a última bolacha e se apressou para a recepção. Ficou surpreso ao reconhecer o homem parado no meio de sua delegacia. Era Ricardo Costa Bosco, filho do dr. Bosco, um advogado muito influente em todo estado. O sr. Ricardo tinha uma mão pousada no ombro de uma mulher alguns anos mais nova, cabelos curtos e loiros, rosto pálido. Seus olhos vidrados pareciam não enxergar a delegacia. Foi Ricardo que o viu chegar e esticou a mão para cumprimentar.
— Delegado, como vai?
— Bem, obrigado. Como posso ajudar? — em todos aqueles anos trabalhando, Domingos nunca aprendeu muito bem como devia abordar as pessoas que chegavam até ele. Um simples "Bom dia" ou "Boa noite" soava bastante inadequado, então ele dava a abertura para que falassem o mais rápido possível.
Com o som da sua voz, a mulher se quebrou. Escondeu o rosto no peito do sr. Bosco enquanto chorava, seus ombros chacoalhando.
— Nossa filha, ela está desaparecida.
— A minha menina... Eu não sei onde ela tá... Ela... — a mulher se afastou e olhou para Domingos, os olhos borrados e vermelhos. — Por favor, delegado, você tem que achar ela.
— Eu preciso que a senhora se acalme, tudo bem? Quanto mais informações conseguir me passar, mais rápido encontraremos sua filha. — Domingos tocou o ombro dela levemente.
Teixeira, a investigadora, foi quem recebeu o casal, então estava parada ali. Domingos só precisava agora do escrivão.
— Onde está o Menezes? — perguntou para a investigadora.
— Está no banheiro.
— Vá buscá-lo, esperamos vocês na minha sala.
— Sim, senhor. — a agente se apressou para dentro da delegacia.
— Vamos conversar lá dentro, sim? Preciso fazer algumas perguntas.
Domingos os fez entrar e sentar, depois serviu dois copos de água e os entregou. A mulher deu um gole profundo, as mãos tremiam.
Outra criança desaparecida, pensou. Não era uma situação exatamente incomum. Crianças saiam de casa sem avisar, iam para a casa de amigos depois da escola, algumas se perdiam. Domingos já havia lidado com aquilo muitas vezes no decorrer de sua carreira, mas nunca havia passado disso. O Vale do Porto era um lugar seguro.
Um minuto depois a investigadora e o escrivão entraram e se posicionaram imediatamente.
— Certo, agora me contem o que aconteceu. Menezes vai tomar nota de tudo e Teixeira é minha melhor investigadora.
Ricardo se remexeu na cadeira. Seus olhos estavam um pouco arregalados por trás dos óculos, um rastro de suor em sua testa, mas de resto parecia calmo.
— Eu... Eu não sei exatamente o que dizer... — ele gaguejou.
— Quem esteve pela última vez com sua filha?
— Eu. — a mulher falou.
— Perdão, a senhora é...?
— Cecília Almeida de Souza.
— Certo, dona Cecília. Onde vocês estavam quando viu a sua filha pela última vez?
— No meu carro. Eu estava voltando da casa do Ricardo com as crianças, mas a Clara quis voltar para a casa dele. Então eu pedi para o Miguel, meu outro filho, ir com ela até lá. A gente ainda tava na mesma rua, então eu deixei que eles voltassem sozinhos.
— Vocês são separados?
— Sim, desde dezembro do ano passado.
Domingos lançou um olhar para Menezes, que digitava rapidamente.
— A sua filha chegou em casa?
Ricardo balançou a cabeça.
— Não. Eu não a vi depois que saiu com a Cecília.
— Então ela desapareceu no caminho entre o seu carro, dona Cecília, e a sua casa, senhor Ricardo, correto? Você disse que ela estava acompanhada do seu filho?
— Sim, do Miguel.
— Qual a idade deles?
— O João Miguel tem doze anos, a Ana Clara tem sete.
A mente do delegado automaticamente criava hipóteses, mas ainda precisava de muita informação.
— O que o filho de vocês disse? Ele a deixou na porta de casa?
Foi a mãe quem respondeu.
— Ele disse que deixou ela no portão. A casa do Ricardo tem um terreno na frente, o Miguel voltou sem ver se ela entrou em casa ou não.
— E como vocês perceberam que ela não estava com nenhum dos dois?
Daquela vez foi Ricardo quem explicou.
— Não muito depois que minha família saiu, eu percebi que o uniforme de educação física das crianças estava comigo. Liguei para Cecília, perguntando se era preciso que eu fosse deixar, então ela disse que eu levasse as roupas quando fosse deixar Clara.
Os dedos de Menezes voavam pelo teclado do notebook. Domingos esperou que ele terminasse para continuar.
— Que horas isso aconteceu?
— A gente saiu da casa dele nove e vinte.
— Vinte uma e vinte, Menezes.
— Sim, delegado. — ele respondeu, sem tirar os olhos do computador.
— Vamos precisar de uma descrição detalhada da filha de vocês. Cabelo, estatura física, cor, sinais de nascença, cicatrizes... qualquer coisa que nos ajude a identificá-la. E uma foto recente, se for possível.
Cecília mexeu na bolsa e pegou um celular. Seus dedos ainda tremiam levemente enquanto ela procurava algo ali. Deslizou o celular pela mesa até Domingos.
— Essa foto foi tirada hoje. Ela tá vestida exatamente assim.
Domingos deu uma olhada. Era uma garotinha bonita, sorrindo para a câmera. Um nó surgiu em seu peito, imaginando onde ela estaria, se estava com frio e, principalmente, com quem. Passou o celular para Menezes, a expressão neutra.
— Vamos agora declarar oficialmente o desaparecimento e partir para as buscas o mais rápido possível. O primeiro passo é checar nos hospitais e no... — ele limpou a garganta, a palavra tão comum para seu ambiente de trabalho não quis sair daquela vez. — E no necrotério.
— Meu Deus, meu Deus. — Cecília cobriu o rosto com as mãos e voltou a chorar, balançando a cabeça. — Não permita, meu Deus...
— Clara está bem, meu amor, ela está bem. Vamos encontrá-la, não se preocupe. — Ricardo afagava as costas da ex-mulher, mas seu olhar também estava anestesiado, como se fizesse suas próprias preces.
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