|Capítulo 47|

Após dez minutos de muita discussão e gritaria, Arthur conseguiu colocar Judith, Peter e Beatrice sentados com um copo de água nas mãos. Ele ligou para o treinador informando que não poderia comparecer ao treino hoje e, após isso, o garoto loiro encarou seus pais e sua irmã.

- Beatrice, você primeiro.- Falou em tom baixo.

- Ontem, eu sabia que o papai ficaria bravo comigo pelo que fiz com a Kayla.- Ela apenas balançava o gelo em seu copo.- Precisava de uma amiga para conversar e me ajudar, e Diane parecia uma boa ideia. Então eu vi o carro do papai, desci, olhei pela janela, e lá estavam eles, super felizes.

- Por que você não entrou? Não fez o que foi fazer? Por que não acabamos com isso ontem mesmo na casa da Mabel?

- Ah, claro, eu ia sentir muito prazer em acabar com a diversão da família feliz e vocês três me dariam desculpas esfarrapadas!

- Não Beatrice, eu juro, eu não inventaria desculpas, não mentiria pra você, nunca foi minha intenção...

- Ah, Peter, faça-me o favor, não foi sua intenção mentir? O que mesmo você acha que fez então?

- Ei ei ei!- Arthur falou mais alto que os dois.- Eu não dei espaço para as discussões! Bea, continue. Você já sabia que Peter estava se envolvendo com outra mulher, ou foi uma surpresa?

A garota respirou fundo.

- Eu já sabia há algumas semanas.

- E o que ia fazer com essa informação?

Bea massageou as têmporas.

- Eu... eu não sei. Tentar consertar, talvez, tentar acabar com isso, eu... eu não sei.

- Certo.- o rapaz se virou para Peter.- Pai, há quanto tempo tem um caso com ela?

O Coleman se demorou.

- Eu não diria caso...o que nós temos, é...

- É claro que é um caso!- A filha interrompeu.- Se você é casado e tem relações com outra pessoa, você chama de quê? Amizade?

- Bea!- Arthur a repreendeu, e ela abaixou a cabeça.

- Percebi que estava apaixonado pela Mabel um pouco depois do meu diagnóstico de angina. Mas, do contrário do que se pensa, nós dois não ficamos de imediato. Quando eu percebi que estava gostando mais do que devia da companhia de Mabel e que nossa amizade já não me bastava, eu contei para sua mãe.- Ele se explicou.

Arthur olhou para Judith.

- Isso procede?

Ela assentiu.

- Judith soube quando fiquei com ela pela primeira vez. Inclusive, Mabel disse que não me veria de novo se eu não resolvesse a situação com minha esposa primeiro. Foi quando eu pedi o divórcio.

- E então?- Arthur acompanhava. Ninguém respondeu.- E então?

- Eu pedi a ele um tempo. - Foi Judith quem garantiu.- Pedi um tempo para que eu me adaptasse, pedi um tempo para conversar com meu advogado, para pensar em como diria isso a vocês...

- Foi também quando começamos a dormir em quartos separados.- Declarou Peter. Arthur e Beatrice se encaravam enquanto as lágrimas fugiam dos olhos da menina. Arthur compartilhava da mesma dúvida: Como isso acontecia bem debaixo dos olhos deles e eles nunca perceberam?

Um momento de silêncio se estendeu.

- Você não podia ter feito isso...- Bea se levantou, encarando o pai.- Como você pode simplesmente se apaixonar por alguém assim? Tendo a mulher da sua vida do seu lado todos os dias?

- Acho que nós dois temos concepções diferentes sobre isso...- Disse Peter, baixinho.

- E você?- Beatrice continuou, agora olhando pra mãe.- Como pode simplesmente baixar a cabeça e aceitar isso? Como pôde se conformar? Por que não foi confrontar aquela mulher e jogar na cara dela todos os anos de história que viveu com ele?

- As coisas não se resolvem dessa maneira, Beatrice. E saiba que é comum relações se desgastarem...- Peter tentava explicar.

- Bea...- Arthur tocou o ombro da irmã.- Não acha que isso seja um problema deles?

- Claro que não, Arthur! Vocês, vocês dois...- Ela pensou um pouco.- São minha maior referência de relacionamento, eu cresci acreditando nisso, vendo isso, não é possível que tudo era uma mentira... Peter vive me cobrando uma posição melhor, olha o exemplo que você acaba de me dar e, e, Judith, toda aquela conversa de que somos mulheres fortes, você sequer lutou pelo seu casamento!- Ela gritou.

- Beatrice, você não consegue ver que, pela primeira vez, não se trata de você?- O irmão parecia impaciente.- Eu já disse e vou repetir, esse exemplo de família só existe pra você! Todos sabem que a relação de Judith e Peter é infeliz há anos! Já parou pra pensar que o papai está feliz agora?

Bea limpou os olhos.

- Arthur, você não viu o que eu vi! Ele e Diane, agindo com...com um carinho que...- A voz da menina falhou.- Arthur, ele vai nos trocar...

- Você é tão dramática...

- Filha, me escute...- Peter tentou, mas a garota o afastou.

- Sua relação com a gente também está desgastada, é? Você não nos aguenta mais também?

Antes que o pai pudesse falar, Arthur explodiu.

- É sério? Se vamos julgar, por que você que é tão defensora da Judith não fala alguma coisa? Você é uma das maiores vítimas da Judith e simplesmente é cega, não vê o que ela faz com todo mundo! Não vê quão má ela é ao nos comparar com as pessoas, ao exigir de nós o que é impossível, não vê o quanto ela é tóxica ao jogar nossos defeitos na nossa cara todos os dias, e como ela ferra com a nossa cabeça buscando que sejamos perfeitos! Isso é porque somos filhos dela, imagina a infelicidade de ser marido! Beatrice, nossa mãe vive nos bastidores de uma vida falsa e você é a atriz principal, é a melhor arma dela!- Ele gritou.

A Coleman avançou contra seu irmão, pulando nas costas dele e batendo nele enquanto chorava, mas os pais conseguiram separar rapidamente.

- Eu nunca vi uma pessoa se esforçar tanto para odiar a própria mãe!- Ela esbravejou, enquanto Judith a segurava.

- Eu devo ter meus motivos!

- Então jogue na mesa, seu imbecil!

- Já chega!- Foi a voz de Peter que sobrepôs as outras.- Parem de brigar! Não adianta ficar trocando insultos, nós dois já nos decidimos!

Os irmãos se acalmaram.

- Bem, e como eu não quero mais ser um problema na vida de ninguém, vou arrumar minhas coisas e ir embora.- Judith se pronunciou, e então deixou a sala.

- Por que ela vai embora?- Bea se sentou.- Por que você não se manda pra casa da sua amante?

- Tudo que nós temos, ingrata, vem do dinheiro de Peter.- Arthur rosnou.

- No divórcio, tudo será dividido da melhor maneira possível. Se for pra Judith ficar com o apartamento, ela vai ficar. Até lá, eu arrumei um apartamento, ela quis assim.- Explicou o pai.- Vou ajudá-la. E parem de brigar, estou falando sério. E você, Arthur, vai pedir desculpas pra sua mãe mais tarde.

Peter também subiu as escadas.

- Hipócrita.- Bea sussurrou.

- Qual é o seu problema?

- Você não entende, né?- Beatrice soluçava.- Eu não sou você, Arthur. A única coisa que eu tinha de estável e concreto era a minha família. A única segurança da minha vida. E agora ela também se foi.- A garota limpou os olhos.- É fácil pra você, Arthur, que já é maior de idade e pode morar sozinho quando bem quiser. Eu? Eu vou ter que escolher entre morar com um pai intolerante e traidor ou uma mãe cheia de si que não se importa com a minha vida e só faz isso quando quer alguma coisa. É novidade que eu sou uma pedra no sapato dos dois?

Arthur se manteve calado.

- As coisas não precisam ser vistas dessa maneira, maninha...- O tom dele agora era baixo.

- Tanto faz, Arthur. Tudo acabou.- E ela se levantou, pegando as chaves do carro e passando pela porta. Arthur não teve forças para impedir.

❀ • ✄ • ❀

Nina abriu a porta de sua casa e encontrou a menina sentada em sua varanda. Já era noite. Ao tocar no ombro dela, ela se assustou.

- Por que não bateu na porta?- Nina questionou, colocando um xale nos ombros de Beatrice e a convidando para dentro da casa.

- Eu não queria incomodar.- Disse a menina, se sentando na mesa que Nina apontou.

- Ia passar a noite ali se eu não abrisse?

Bea se demorou, com a cabeça baixa.

- Você já soube?

A mulher preparava um café.

- Ah, sim. Algumas diaristas que trabalham para seus vizinhos me contaram tudo.

- Então você sabe o porquê de eu não querer voltar pra casa.

Nina terminou o café, colocando numa xícara para a visitante.

- Seu pai sabe que está aqui?

- Não.- Bea bebericou o líquido.- Desculpe mesmo te incomodar nas suas férias, Nina. Eu não tenho mais ninguém.

- Você nunca atrapalha, mi pequeña.- A mulher beijou o topo da cabeça da garota.- Por que não me conta sua versão dos fatos?

Beatrice contou tudo que a afligia nos últimos dias.

- Eu não sabia pra onde correr, Nina. A Diane me traiu, talvez mais que meu pai, e eu não sei se posso confiar nas outras. Talvez, e se elas já soubessem?

A senhora se sentou e acariciou as mãos da Coleman.

- Tudo bem, deixe-me falar como amiga da família, e não como empregada.- Nina começou.- Eu conheço seus pais há vinte anos. E eu estava lá quando as coisas começaram a ficar...diferentes. Já faz tempo. Não foi nada repentino. Assim como eu também sei que isso poderia ter acabado há muito mais tempo, se não fosse você.- A menina deitou a cabeça na mesa e chorou.

- Talvez isso explique o porquê deles me odiarem tanto.

- Ah, por favor, não diga isso.- Pediu Nina.- Os seus pais te amam muito. Isso não é uma prova de amor? Ficarem juntos por sua causa?

- Não...Não é justo que eles...não é...- Bea não tinha palavras.- Eu vi, Nina. Ele estava tão feliz com Mabel e Diane, e... Diane é a garota mais doce que já conheci.- Ela respirou fundo.- É responsável, é dedicada, é amável, ela é um sonho de filha. Ela é tudo que Peter gostaria que eu fosse.

Nina sorriu.

- Pequeña, você não entende que Peter não te trocaria nem por dez dela?- Bea negou com a cabeça.- Deixe-me te contar um segredo: Seu pai, ele me disse em uma noite de insônia, que era intrigante que ele não tinha se sentido pai antes de você. Naquele dia, você tinha quebrado sua perna, tinha seis anos. Peter ficou desesperado e ele me disse as seguintes palavras:" Eu não imaginava que teria que lidar com isso." Nós conversamos muito. E então, seu pai explicou que Arthur nunca tinha feito com que ele se preocupasse tanto.

- Não sei como essa culpa vai me ajudar, Nina.

A mulher riu.

- O que eu quero dizer, é: Você tem grande papel na transformação do homem que seu pai é hoje. Pense no Arthur: Ele é um bom garoto, nunca se machucou, nunca tirou notas baixas, nunca chegou tarde. O que Peter me disse é que, se soltasse Arthur aos nove anos em New York, ele daria conta de tudo sozinho. Mas você, Bea, fez com que seu pai abrisse os olhos pela primeira vez, que tomasse as rédeas. Você pensa que é um fardo, mas a verdade é que o seu pai gosta de ter de cuidar de você, pequeña. Se ele tivesse uma filha como Diane, como ele seria quem ele é hoje?- Bea a olhava intensamente.- Acha que só você busca motivos para se redescobrir? Para melhorar? Todos nós precisamos passar por isso. E Peter Coleman não é uma exceção.

- Tenho certeza que ele não era como eu sou, Nina.- A menina arfou.- Eu tenho olhado pra dentro de mim, e procurado essa mudança, mas eu tenho cavado tão fundo em busca de algo para colocar na superfície e não encontro. Diane, meu pai, meu irmão, minhas amigas, Joe. Todos eles tem um propósito na vida. E eu não encaixo nelas.

Nina se levantou, preparando o quarto da filha para que Bea dormisse.

- Você precisa perdoar mais, querida. Tanto você, quanto os outros.

Após um jantar silencioso, Nina colocou Bea para dormir, explicando que a filha estava viajando.

- Se lembra quando eu pedi pro meu pai me trazer até sua casa, Nina? Eu não conseguia dormir sem você.- As duas riram.- Eu percebi que sempre foi você quem esteve lá. Quando minhas primeiras palavras foram "Buen día", ou quando eu dei meus primeiros passos até você...eu só...tenho muita sorte em ter você, Nina, em meio a essa bagunça.

A mulher depositou um beijo no topo na cabeça de Beatrice.

- As coisas ficarão mais fáceis, querida.

- Você acha que eu deveria morar com a minha mãe, ou com meu pai?- Perguntou, subitamente.

- Eu não posso te dizer isso. Mas, se quer um conselho: Olhe bem para sua vida, pense nos seus melhores momentos. Você vai saber a resposta.

E então, Nina deixou a garota no quarto, sozinha com seus pensamentos.

Publicado em: 23/10/2017
Atualizado em: 23/01/2023

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