||Capítulo 35||

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Na manhã de domingo de primeiro de Abril, os irmãos Coleman chegaram em casa devastados. Beatrice bateu a porta, e Judith saiu da cozinha, sorrindo ao vê-los.

- Pensei que ficariam mais tempo.- disse a mãe.

- Poderíamos, se não fosse a incompetência de Arthur.- Declarou a garota, e então Judith percebeu que as roupas e mochilas deles estavam húmidas.

O rapaz loiro, que subia as escadas, parou e fixou um olhar mortífero na irmã.

- Eu vou ter que repetir, Beatrice, que eu chequei mil vezes o tempo antes de irmos!- Ele gritou, e Judith se assustou com o tom. Mas Bea parecia despreocupada.- Essa chuva não deveria ter acontecido!

E ele subiu as escadas, depois, batendo a porta do quarto.

- Filha...- Judith tentou se aproximar.- Chuvas acontecem. Você foi acampar, era um risco.

- Chuvas acontecem, mãe. Mas não esperávamos por ela, principalmente estando a alguns metros de um lago! Fomos acordados no meio da noite e foi terrível ter que carregar as coisas no meio da lama, caindo toda hora, perdemos a nossa lanterna!- Ela coçou os olhos. Judith observou que a calça de sua filha estava rasgada nos joelhos.- Eu sou uma burra por sair do conforto da minha casa pra ir pra esse lugar!

- Sim, você é!- A voz de Arthur soou lá de cima. Beatrice se preparou para correr até lá, mas Judith a segurou, pedindo trégua.

- Quer comer alguma coisa?

A garota assentiu, e, seguindo a mãe, viu que a mesa do café ainda estava pronta.

- Onde está o papai?

A mulher demorou para responder. Ela terminou um suco de graviola.

- Não sei.

Bea olhou para todos os lados.

- Ele não está em casa? Mas hoje é domingo...- ela tentou comer.- Ele prometeu que não trabalharia tanto no domingo, que ficaria com a gente.

Judith colocou as mãos sobre a mesa.

- Não disse que ele estava trabalhando. Pode estar em qualquer lugar, com qualquer pessoa.

Beatrice não entendeu a suposição. Ela percebeu que não conseguiria comer.

- Minha garganta está doendo. Eu vou tomar um banho e deitar, não consegui dormir no carro. Mais tarde eu como.- E ela mandou um beijinho para Judith, subindo a escada.

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A mulher, sem perceber manifestações dos filhos depois de talvez uma hora e meia, decidiu conferir.

A porta de Arthur, assim como o coração dele para a mãe, estava trancada.

- Arthur?- Ela chamou.

Escutou uma tosse baixa, quase sufocada.

- O que foi? - Disse a voz dele, mal-humorada.

- Você está bem?

- Sim. Tchau.

E Judith sabia que não deveria insistir. Ela chamou por Beatrice mas não houve respostas, então ela abriu a porta.

O quarto estava escuro quando ela adentrou. A garota dormia de baixo de duas cobertas, mas, ao passar a mão no rosto dela, Judith percebeu que ela estava com febre. Tirou os saltos para não fazer barulho e foi atrás de um termômetro pela casa, buscando pela ajuda de Nina para auxilia-la.

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Eram oito da noite quando Peter chegou, abrindo a porta do quarto de Beatrice com velocidade. Foi repreendido em seus primeiros passos.

- Shh...- pediu Judith.- Ela acabou de dormir.

O homem não entendeu bem a cena. Nunca, em toda sua vida, tinha visto Judith Coleman sentada em uma poltrona ao lado de um abajur cuidando de um dos seus filhos. Esse sempre foi o papel dele.

- Nina me contou quando cheguei. Como ela está?

- Ela acordou várias vezes, queria comer, mas não conseguia por causa da garganta.- Judith soltou os cabelos presos em um coque. Eles sussurravam.- A febre já baixou. Também dei um remédio para a dor no corpo que ela estava sentindo...- A mulher pausou um pouco.- Chamou por você enquanto dormia.

Peter se aproximou, a raiva explicita em seu olhar.

- E por que não me ligou quando eles chegaram?

- Por que eu ligaria? Eu já estava aqui. Por que você estava fora?- Judith se levantou.- Não era você quem ia evitar sair durante os domingos?

- Eu fiz essa promessa para os meus filhos porque queria ficar em família.- Ele praticamente grunhiu.- Eles não estavam aqui. Pensei que fossem chegar depois de mim.

- E eu, Peter?- A mulher aumentou um pouco seu tom de voz, e rapidamente os dois olharam para a filha, que ainda dormia.- Não faço parte da sua família?

O Coleman engoliu em seco.

- Devia ter me ligado.- Repetiu.- Independente de onde eu estivesse ou com quem estivesse, meus filhos sempre serão minha prioridade, Judith. Diferente de você.

- Eu sou a mãe.- Ela trincou os dentes.- Vou sempre cuidar deles.

- É, e descobriu isso agora? Quando um deles tem vinte e um e a outra dezessete?- Peter cruzou os braços.

Beatrice se mexeu na cama, e eles a olharam mais uma vez. Quando o homem estendia o braço para tocar sua filha, Judith interceptou a ação.

- Ela já está melhor. Você devia se preocupar com Arthur, que nem por um segundo abriu aquela porta hoje. Eu o escutei tossir.

Peter assentiu, dando as costas, mas, ao passar pela porta, precisou avisar:

- Nunca mais faça isso, Judith.- E ele saiu. Segundos depois, após ouvir alguns murmúrios, a mulher escutou a porta do quarto de Arthur sendo destrancada.

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Na tarde de quarta, 4 de Abril de 2018, Beatrice estava pronta para voltar a rotina de ir para a fazenda, e finalmente tinha coragem para encarar Joe Hammar. Ela usava uma calça xadrez rosa com um top preto e uma jaqueta jeans preta por cima. Desceu as escadas entusiasmada, e encontrou Peter e Arthur conversando na cozinha.

- Bem, eu estou pronta para irmos.- Ela sorriu ao vê-los.

- E eu vou buscar a minha gata no trabalho.- Arthur piscou, passando por ela.

- Dê um beijo na Briella por mim.- pediu a garota.

- Ah, eu vou dar sim!- Ele brincou, e passou pela porta.

- Onde você acha que vai?- disse Peter, bebendo calmamente seu café.

- Hã... trabalhar?- Ela riu.

- Não está cedo? - O homem olhou para seu relógio.- São quase duas horas, você não deveria voltar para a escola?

- Sim, mas, as aulas de hoje são de educação artística e, advinha...- Bea abriu os braços.- Eu tirei um "A" nesse bimestre. Não preciso dessas aulas.

- Bem. Que bom.- Peter lavou sua xícara.- Mas você não vai para a fazenda.- Ele sorriu.

- O quê? Por que não? Olha, se for por conta do resfriado que eu peguei, já disse que estou bem...

- Não.- Peter a interrompeu.- Vai trabalhar de casa hoje.- Ele a deixou sozinha na cozinha, pegando as chaves do carro e se dirigindo até a porta.- Fique atenta aos e-mails. Vou te mandar alguns formulários para analisar, também arquivos que precisará editar e repassar para o Dominic. Te amo.- E Peter também saiu.

Beatrice jogou sua bolsa na porta, soltando um grito.

Judith desceu a escada aos tropeços.

- O que aconteceu?

- Ele fez de novo!- A garota gritou.

- Não te deixou ir pra fazenda?

- É!- ela correu até o sofá e se jogou, grunhindo.

- O que foi que você fez ?

Beatrice se manteve calada.

- Nada.- Ela olhou para a mãe.- Peter sabe que eu preciso estar lá. Preciso fazer as coisas direito, preciso ter acesso ao escritório dele. Está me punindo...

- Não pense nisso.- Judith se aproximou, massageando os ombros de sua filha.- Vamos falar sobre outra coisa...- Ela pensou um pouco.- Ah, eu soube que sua amiga vai ter trigêmeas, não é?

Bea riu de canto, mesmo cabisbaixa.

- Sim, ela está surtando.

- ah, nossa, se ter uma bebê já é maravilhoso, imagina três.

- Você amaria, né? Vestiria todas elas iguais a você, como fez comigo.- Beatrice se sentou no sofá.

- É, com certeza eu abusaria disso.- Elas riram.- Vem, já que somos só nós duas hoje, vamos ver uma coisa.- As duas seguiram para a suíte do casal.

Judith entrou no local entusiasmada, tirando do closet uma caixa lilás. Colocou sobre a cama alguns álbuns e fotos soltas. Ela mostrou para a filha algumas fotografias da época em que Beatrice Coleman era bebê.

- Ah!- Beatrice riu.- Como você conseguiu um óculos de sol tão pequeno?

- Eu tinha meus contatos.- confessou Judith.- Olha essa...uma das minhas favoritas. Sua primeira foto.- Elas olharam para uma fotografia onde a pequena Beatrice estava enrolada em lençóis brancos, com uma toquinha e as mãozinhas na boca.

- Muito fotogênica desde sempre.- Beatrice riu. Ela pensou um pouco.- O que te deu na cabeça pra ter sua filha na França?

Judith cruzou os braços.

- Ei! Não me julgue, ok? Eu queria ter nascido em Paris. Mas não aconteceu. Então, dei esse privilégio para minha filha.

- Não faz sentido porque você descobriu a gravidez lá.

- D-destino?- Judith gaguejou, pegando outra foto.- Ah, olha esse vestidinho.

Mas Bea não prestava atenção. Ela respirou fundo.

- Tenho certeza que Peter estava no nascimento do Arthur.- Um remorso antigo invadiu o peito dela.

- Ei, amor, já conversamos sobre isso.- Judith colocou as mãos nas da filha.- Você nasceu duas semanas antes do previsto. O seu pai e o Arthur iam ver o seu nascimento, só não deu certo.

Ela assentiu.

- A culpa é minha! Novidade.- Elas riram.- Você não tem fotos da gravidez, não é?

- Eu me esqueci de tirar.- Ela riu frouxo.- Estava mais ocupada comprando coisas pra você. Fiquei muito empolgada.

Bea compreendeu, mexendo nas fotos. Encontrou algumas da gravidez de Arthur. Judith não mudou muito desde então, continuava jovem e linda, mesmo aos quarenta anos.

- Andrea está com medo do parto.- A jovem começou.- Bem, é que ela queria que fosse normal, sabe, pra ser rápido e não ficar com cicatrizes ou ficar de cama. Mas, são três. Ela está com medo de não conseguir.

- É natural para uma jovem como ela ter medo. Principalmente quando não foi planejado.- Judith respirou fundo.- Eu tinha dezenove quando seu irmão nasceu, e eu pensei que não conseguiria. Mas, no final, a vontade de finalmente ter essa coisa fofinha no colo ultrapassa tudo.- Judith sorriu.- Guarde isso pra quando for mãe. Tudo vale a pena.

Bea fez um sinal de cruz da cabeça ao peito e depois aos ombros.

- Não vou ser mãe.

- O quê?- Judith riu.

- Não, não, não me imagino cuidando de crianças, correndo pela casa, noites mal dormidas, brigando com o marido pra ver quem vai dar banho. Ah, isso não é mesmo pra mim.- Elas riram.

- É o que se pensa.- Declarou Judith.- Bem, que tal aproveitarmos o dia para fazer compras pras trigêmeas da sua amiga?

- Ah, eu queria muito fazer isso. Mas Blake e Andrea disseram que não queriam que eu comprasse nada.- Ela encolheu os ombros.

- Bem, eles podem ter pedido para que você não fizesse isso. Mas, não disseram nada sobre sua mãe. Eu dou os presentes, relaxa.- Judith se levantou, procurando a bolsa.- Vamos?

Beatrice abriu um sorriso.

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Neste dia, Judith decidiu ir dirigindo, e elas alternaram entre lojas no shopping e no centro. Além de compras para as bebês, as duas não resistiram e compraram algumas roupas, não se esquecendo de uma breve passada no salão. Elas não faziam isso há meses.

Decidiram voltar pra casa quando o dia anoiteceu. Judith e Beatrice desceram do carro e pediram ajuda para o porteiro, para subir as coisas. Elas cantavam "Oh darling" de The Beatles, enquanto esperavam o elevador.

Beatrice recebeu uma chamada de um número que não tinha salvo.

"- Oi?"

"- Bea? Me desculpe o horário."

Era a voz de Jordan.

Ela abriu um sorriso.

"- Ah, Jordan, oi. Como vai?"

" -Eu estou bem. Não sei se eu deveria estar te avisando isso, mas envolve o meu irmão, então vou dizer."

Beatrice se assustou.

"- Aconteceu alguma coisa?" Ela perguntou, entrando no elevador. Viu a mãe apertar o número vinte. O último andar.

"- Bem, eu estive escutando uns boatos entre os fazendeiros." A voz de Jordan falhou. Ele parecia ponderar se falava ou não. "Estão falando sobre o que você e Joe fizeram na lavoura. E, antes que pense em se defender ou qualquer coisa, não me interessa. Joe sequer me contou sobre isso, então realmente não me interessa. Mas alguém descobriu, e você sabe como fofocas funcionam, se espalham rápido." Beatrice sentia o coração bater forte entre as costelas." Eu te liguei porque se eu tenho certeza de alguma coisa, é que Peter nunca fica por fora dos assuntos da fazenda. Ele já sabe, e não sei o que vai fazer com essa informação. Embora ele tenha agido normalmente com Joe, eu temo pelo que aconteça com você, já que nós não te vemos há dias na fazenda."

O elevador abriu as portas, e Beatrice andava atrás da mãe a passos lentos.

"- Obrigada por me contar, Jordan." Ela respondeu.

"- Considerando o estado atual de Joe, eu não devia estar me importando com você. Mas eu me importo. Tenha uma boa noite." E ele desligou, sem que ela respondesse.

Judith abriu a porta e a primeira coisa que Beatrice viu foi Peter, e a menina travou ao fechar a porta da sala.

Ele se encontrava sentado no sofá, lendo um livro. Mas o fechou assim que viu a filha e a esposa.

As compras que fizeram já estavam sobre o sofá.

- Se divertiram?- perguntou Peter, e Beatrice tentou não pensar no último telefonema.

- Sim.- Respondeu Judith, se dirigindo a cozinha para tomar água.

O homem se levantou.

- Quando estava experimentando vestidos e fazendo as unhas, você sequer lembrou do que devia ter feito hoje?

Beatrice deu um tapinha na própria testa. O pai pediu para que ela esperasse pelos arquivos que ele enviaria. E ela se esqueceu completamente.

- Sabe o que é, pai? Eu, eu me esqueci de verdade, sabe, como eu te disse ontem, é meio difícil me concentrar no trabalho aqui em casa e, eu deveria mesmo voltar pra fazen...

- Você está fora.- Peter pegou calmamente seu livro e se dirigia até a escada.

- Espera aí, o quê?

- Foi isso mesmo que eu disse. Você está fora. Não precisa mais se preocupar com a Pejari.

- Pai!- Beatrice correu até ele.- Você não pode fazer isso, é sério, foi só hoje, eu não...

- Eu prefiro tirar a Pejari do nome da família quando eu morrer do que entregar o trabalho da minha vida nas mãos de uma irresponsável!- Ele alterou seu tom de voz.

- Você não vai morrer!- A garota retrucou, quase chorando.

- Peter!- Judith apareceu da cozinha, correndo ao escutar os gritos.- Foi apenas uma vez, você sabe que ela está se esforçando.

- Não, ela não...- Peter fechou os olhos com força.- Você, Judith, precisa parar de fazer isso.- Ele apontou para ela, com as mãos trêmulas. Pareciam falar de algo que a filha não entendia.- Eu já sei o que você está fazendo, e não está certo. Não vai adiantar de nada, e você só está piorando nossa situação. Apenas pare!

- Do que estão falando?

-Eu precisei de você hoje e você não me ajudou. E agora eu chego e, é isso que você estava fazendo? - Ele suspirou.-Pode voltar a fazer compras com a sua mãe e ser a garota que você era. Eu fui idiota em achar que você poderia mudar.- Peter continuou subindo as escadas.

- Por que você me odeia tanto?- Ela gritou, limpando as lágrimas.- Por que está me punindo? - O homem ainda a ignorava, e Beatrice odiava ser ignorada.- Está me punindo por que eu transei com o Joe?


Publicado em: 04/10/2017
Atualizado em: 23/01/2023

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