|Capítulo 34|
Scarlett guardou no bolso da jaqueta o celular com as coordenadas e encarou a rua Kinsey Dr. Segundo as informações que conseguira nas últimas semanas, aquela rua deveria levá-la até a casa da família Hammar. Ou, pelo menos, até a casa que pertencia a eles antes do fatídico dia que separou Jordan, Joe e a irmã deles. O dia em que Naomi e Mitch Hammar foram assassinados.
O número da casa que Jordan se recordava era 432. Ela a encontrou, sem dificuldades. A casa branca com alguns detalhes em tijolinhos laranja parecia igual a descrição que o cowboy fizera. No jardim da casa, um senhor com um boné azul cuidava de lindas gardênias quando Scarlett decidiu se aproximar.
- Com licença.- Ela pediu, e o homem se levantou de imediato.
- Olá.- Ele parecia simpático.- Em que posso te ajudar?
- Bem, eu estou procurando por um morador antigo do bairro para me dar algumas informações...
- Está olhando para um.- O senhor terminou de fechar sua caixa de jardinagem e retornou a perguntar em que poderia ser útil.
Scarlett colocou as mãos nos bolsos de trás da calça.
- Eu estou procurando pela casa de Naomi e Mitch Hammar....
O semblante alegre do homem se perdeu.
- Está alguns anos atrasada.
- Eles moravam aqui?
O senhor assentiu.
- Sim. Mas depois que morreram, nós compramos o imóvel. Morávamos na casa da frente.- Ele apontou. Scarlett assentiu.
- O senhor, então, conheceu o casal?
- E as crianças. Mas, como eu disse, está alguns anos atrasada.
Scarlett tentou dar seu melhor sorriso.
- Teria um minuto para uma breve conversa?- A policial tirou seu distintivo da jaqueta e o apresentou.
O homem assentiu, sem parecer intimidado. Ele a guiou, subindo os degraus e adentrando a casa. Scarlett absorveu todos os detalhes que poderia do local. Da porta a lareira, das janelas a cozinha.
- Querida. Temos visita.- Disse o senhor, retirando o boné e puxando uma cadeira para Scarlett na cozinha, que agradeceu. A mulher que parecia estar na dispensa se aproximou, oferecendo um sorriso. Ela parecia estar na casa dos cinquenta anos mas disfarçava bem os cabelos brancos com alguns laços exóticos na cabeça. O marido explicou para sua esposa brevemente a situação, e os dois se sentaram.
- Bem, se não se importam, eu tenho algumas perguntas para fazer sobre seus antigos vizinhos e residentes dessa casa.- Ela declarou, e eles concordaram de bom grado.- Há quantos anos vocês os conheciam?
- A Naomi, conhecíamos desde criança. Ela foi criada nesta casa com os pais.- Disse a mulher, que se apresentou como Sally.- Já Mitch, o conhecemos quando eles começaram a namorar, na adolescência.
Scarlett preferiu anotar as informações a lápis, do que gravar a conversa. Parecia mais reservado.
- E vocês tinham uma boa relação?
- Sim!- respondeu Sally.- Nós fomos o mais próximo de família que Naomi teve depois que os pais morreram. Nós, Mitch e Liv.
- Liv.- repetiu Scarlett.- Quem era?
- A melhor amiga da Naomi.- Respondeu o senhor, cujo o nome era Cassius.- Ela morou aqui por um tempo, para ajudar a menina a superar a solidão da morte dos pais. Até que Naomi e Mitch decidiram se casar, e ela se mudou.
- Entendi.- Scarlett cruzou as pernas.- E então, essa Liv, ela teve contato com eles depois? Ela costumava frequentar a casa depois disso?
- Ah, sim. Ela morou com eles dois anos depois, quando estava grávida e solteira.- Nesse momento, Scarlett apertou o lápis contra os dedos. Sua cabeça começava a forjar algumas respostas antes de serem dadas.
- Grávida e solteira.- A policial aceitou o café que lhe ofereceram.- E isso aconteceu antes ou depois do primeiro filho do casal?
- É justamente esse o ponto.- Sally e Cassius trocaram olhares.- O primeiro filho dos dois era o filho dela.
Scarlett segurou um pequeno sorriso. As pistas para a mãe de Jordan finalmente começaram a aparecer.
- Então eles adotaram o bebê... mas, por quê? Ela não conseguiu cuidar? Ela precisou ir embora? Era jovem demais?
- Ela morreu, moça. Os boatos na vizinhança eram de que ela parecia saber que ia morrer. Pediu pra eles cuidarem do bebê. - disse Cassius.
- Ah, eu me lembro. Ele era um fofinho.- A mulher sorriu.- Você se lembra, Cass?
- Sim... nossa, sim.- O senhor sorriu.- Como era o nome dele? John?
- Jonas?
- Não, era Jhonatan...
- Jordan.- corrigiu Scarlett.
- Sim!- A mulher bebericou o café.- Um menino muito educado.
- Mas, voltando a Liv.- Continuou a policial.- Como ela morreu?
Eles não pareciam ter certeza.
- Bem, eu me lembro de vê-la grávida um dia e depois, apenas as notícias. Não tenho certeza se foi no parto. Mas, no mesmo dia, Naomi e Mitch nos entregaram a chave da casa e saíram às pressas com o bebê.- Explicou Sally.- Não disseram para onde iam, mas afirmaram que voltariam.
Scarlett mordeu a borracha no topo do lápis. Algo não encaixava.
- Vocês tem ideia do por que de precisarem ir embora naquele mesmo dia?
- Não. - respondeu Sally.
- Eu tenho pra mim que tem a ver com a morte da garota. E que ela não morreu com as complicações do parto.- Falou Cassius.
- Cassius, são suposições!- A mulher o repreendeu.
- Ela é policial, precisa saber de tudo.- O homem colocou as mãos sobre a mesa.- Então moça, depois que eles se foram, um rapaz ficou cercando a casa. Ele ficava olhando lá dentro. Até mesmo perguntou pelos Hammar, dizendo que era um amigo da Liv, precisava saber deles. Nós não dissemos nada. Meses depois, ele e outros caras sempre voltavam.
- Ele era estranho. Não parecia um amigo da Liv.- Sally deu continuidade.
Scarlett anotou com precisão.
- E como era esse cara?
- Ele estava sempre usando um sobretudo preto. Tinha... os cabelos claros, olhos claros, era branco.- Sally massageou as têmporas.- Não sei dizer, moça. Estamos falando de, não sei, vinte e cinco anos atrás?
- A placa do carro dele era de Columbus.- Acrescentou Cassius.
- Desde quando você sabe disso? - A mulher o repreendeu novamente.
- Eu observei. Era um carro bonito, não se via um desses sempre na rua.
Scarlett anotou isso.
- E quando vocês voltaram a ver os Hammar?
- Uns cinco ou seis anos depois. O garotinho estava crescido e eles tinham outro filho. O nome também era parecido.- disse a senhora.
Scarlett sabia que aquele era Joe.
- E eles explicaram o porquê do sumiço?
- Não, não disseram nada. Apenas agradeceram pelos cuidados da casa, até nos pagaram. Mas não perguntamos sobre.
Scarlett assentiu, terminando o café.
- houve mais algum acontecimento estranho desde que voltaram? Algum outro morador na residência? O homem estranho retornou?
- Não, ele nunca mais voltou. Ninguém mais morou com os Hammar, e eles viviam aqui como uma família normal. Os meninos adoravam brincar no quintal, na rua, era tudo muito tranquilo.- Disse Cassius.- O único morador novo foi a garotinha. Mas nós não tivemos muito contato com ela, tinha apenas um ano quando os pais morreram.
Scarlett estralou os dedos. Agora, finalmente entenderia mais sobre a morte dos Hammar. Mais do que a perspectiva de Jordan e Joe, que eram apenas filhos assustados.
- E como foi que isso aconteceu?
Sally se levantou para mexer algumas panelas, que apenas nesse momento a policial percebeu que estavam no fogo.
- Foi tudo muito estranho.- Começou Cassius.- Um dos nossos vizinhos era médico legista, e nos ligou assustado dizendo que estava com os corpos de Naomi e Mitch. Ele nos falou que tinham sido baleados, alguém tentava roubar o carro ou algo assim.
- O que é estranho.- Comentou Sally, ainda de costas.- Mitch e Naomi nunca reagiriam a um assalto. Mas, quem sabe?
- Bem, sabíamos que as crianças estavam em casa. Era férias de verão. O mais velho tinha quinze anos, e já cuidava sozinho dos irmãos. Mas não sabíamos como dar a notícia, e então apenas chegamos lá e dissemos que iríamos ficar um pouco com eles.- Declarou Cassius.- Sally preparou algo para que eles comessem. Outros da vizinhança souberam da notícia e vieram dar apoio também.
Nesse momento, Sally se sentou. O olhar parecia triste.
- Não sabemos bem como aconteceu. Mas o garoto, como você disse, Jordan, de alguma forma escutou. E eles decidiram fugir, bem de baixo do nosso nariz. Não era pra ser assim.- A mulher colocou as mãos nos cabelos, e o homem a abraçou. - Eles arrumaram as coisas da irmã para a fuga, mas por algum motivo não a levaram. Quando O Conselho chegou, era manhã. Eu fui até o quarto acordá-los, mas não estavam lá. Só a garotinha, que chorava.
- Nós dissemos que podíamos cuidar disso, mas O Conselho não permitiu que ficássemos com ela.- Afirmou Cassius.- Eu procurei, por meses, aqueles garotos. Não os encontrei em nenhum canto de Westerville.
- Entendi.- Scarlett respirou fundo.- Mas, depois da morte dos Hammar. Ninguém da família veio atrás dos bens, ou até mesmo das crianças?
- Eles não tinham mais ninguém, moça.- disse Sally.- Acho que a família era de outro país. Nunca apareceram aqui.
- E quando vocês compraram a casa?
- Tem uns sete anos.- Continuou a mulher.- O advogado de Mitch a colocou para alugar, mas as famílias não duravam muito. Nós propomos comprar dele.
- E quanto a garotinha? Nunca mais tiveram notícias dela? Ela esteve quanto tempo no orfanato da cidade?
- Não muito.- Cassius começou.- Nós tentávamos vê-la, mas eles não deixaram. Por ser muito nova, foi transferida para Columbus, onde a instituição era maior e podia cuidar de crianças da idade dela.
Scarlett não conseguiu evitar um sorriso. A irmã de Jordan e Joe poderia estar mais perto do que imaginavam.
- Columbus, então...- Ela anotou.
- Mas ela foi adotada por um casal de Australianos.- explicou Sally, e Scarlett bufou.- Eles trouxeram ela para rever o bairro antes de partirem. Estava uma gracinha.
- Ah, os garotos também vieram depois.- Cassius se lembrou.- Eles perguntaram sobre a irmã, e foi o que nós dissemos. Estavam com um homem....- Ele tentou se lembrar.- O nome me fugiu agora, mas ele é conhecido, se veste bem, tinha um carrão...
- Conhece aquela Miss América de Columbus?? É o marido dela.
- Peter Coleman.- sugeriu Scarlett, mas aquilo ela já sabia.- O que foi feito com as coisas dos Hammar?
- Foram enviadas para um depósito e de lá nós não sabemos. Mas algumas coisas ficaram no sótão.- Explicou Sally.
Os olhos de Scarlett brilharam.
- Ainda estão aí?
- Sim. Gostaria de ver?
Scarlett assentiu e seguiu a senhora até o andar de cima.
- Me desculpe a bagunça, eu não limpo muito por aqui.- Ela apresentou o sótão a policial.- Nós íamos nos desfazer das coisas, mas pensamos que os rapazes poderiam voltar e, quem sabe, gostariam de levar algumas coisas. Bem, fique a vontade. Preciso cuidar das panelas.- E ela fechou a porta, sorrindo.
Scarlett observou cautelosamente os móveis ali encontrados. Um berço rosa, uma sacola grande com brinquedos, uma cômoda azul, uma escrivaninha verde. Ela passou os dedos pelo pó, observando os detalhes. Mexendo na sacola de brinquedos, a mulher sorriu ao ver um cavalo de plástico com a caligrafia torta escrito "Joe". Alguns pares de roupas também foram encontrados. Na gaveta de uma das cômodas, ela viu um encadernado preto que parecia um álbum.
Era um álbum de fotos.
Pela primeira vez, Scarlett viu os traços de Naomi e Mitch, que explicava perfeitamente a descrição de Joe. As fotos eram da época da escola, depois o casamento. A policial encontrou poucas fotos de uma mulher, que depois esteve em uma foto grávida. Deveria ser Liv, a mãe de Jordan. Outras fotos traziam a infância de Jordan e Joe, e então a garotinha. Observando as fotografias e sorrindo, Scarlett deixou que o álbum caísse no chão e, assustada, pegou rapidamente. As últimas páginas do álbum libertaram uma frágil folha de jornal. O recorte indicava uma reportagem nas empresas Pejari, no início das produções, quando existia apenas uma fazenda. Um círculo em vermelho apontava para o jovem Peter Coleman, e aquilo deixou Scarlett intrigada. Ao encontrar uma foto das crianças na neve, a mulher percebeu que haviam escrituras atrás. "Jordan, Joe e Cecily Hammar. Três de janeiro de 2009."
A mente de Scarlett pareceu confusa.
Nunca havia se atentado ao fato de que o nome original de "Cici", como Jordan a chamava, era Cecily. Ela engoliu em seco e fechou o álbum. Uma voz no fundo de sua mente a lembrava de sua crença de que coincidências não existiam.
Publicado em: 03/10/2017
Atualizado em: 23/01/2023
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