|Capítulo 21|
Após convencer Joe a sair da fazenda em um domingo à noite, para irem ao cinema, Beatrice terminava de se arrumar. Uma calça mom jeans surrada, um coturno preto e um top e jaqueta preta foi o suficiente. Ela escovou os cabelos. Recebeu uma mensagem de "estou chegando" do cowboy e então passou um batom vermelho permanente.
Decidiu que esperaria por Joe na portaria, mas seus planos foram por água abaixo quando desceu as escadas e Peter se colocou em sua frente.
- Onde a senhorita pensa que vai?
Bea bufou e colocou o cabelo por trás da orelha.
- Paizinho...- A expressão de Peter era irredutível. Eles não prometeram serem melhores um com o outro? Ela precisava contar. - Vou ao cinema. Com o J.
Peter riu.
- Com Joe Hammar? Ele não sairia da fazenda em um domingo a noite pra assistir filme, filha. Ele nem gosta disso. Conte a verdade.
- Eu estou falando a verdade.- Bea tirou o celular do bolso, e a mensagem de "estou chegando" era clara. Peter coçou os cabelos loiros e colocou as mãos no bolso.
- Certo.- Ele respirou fundo.- Se você vai estar com Joe, eu deixo você ir.- Ele suspirou.- Mas eu posso ter uma conversa rápida com você?
Beatrice cruzou os braços e assentiu. Esperava que não viesse nenhum sermão careta de seu pai.
- Certo. Eu já iniciei uma conversa com Joe sobre isso. É meu papel de pai alertar você. Eu já sei que vocês estão tendo algo... todo mundo sabe. Mas... eu tenho receio. – a garota revirou os olhos.- Escute, filha, não há ninguém que conheça mais vocês dois do que eu. E eu posso dizer com certeza de que ambos são igualmente orgulhosos e explosivos, o que pode gerar muitos conflitos. Mas além disso, vocês são diferentes demais em relacionamentos. O Joe, Bea, vive muito intensamente esse tipo de coisa.
- Pode ir direto ao ponto, pai?
- O que eu quero dizer é que pra você isso pode ser só uma diversão, mas com ele não vai ser assim. Então, você pode por favor tomar cuidado? Para não machucá-lo?
- Pai, vou te contar uma coisa incrível agora: Eu não machuco ninguém de propósito. E sinto muito por você pensar que eu sou um monstro só por não querer amar ninguém.-Ela tentou passar, mas Peter segurou levemente seu ombro.
- Não te julgo por isso, filha. Você, principalmente depois de ter um relacionamento com Edgar, tem o direito de escolher sua vida. E tudo bem ter medo de se apaixonar e só conhecer as pessoas. Não querer se envolver. Você pode viver isso pra sempre... desde que seja com uma pessoa que pense igual. E Joe não é essa pessoa.
Bea massageou as têmporas.
- Joe sabe com o que está lidando.
- Foi o que ele me disse. Mas não sei bem se eu acredito. Vocês simplesmente... Não se encaixam, filha. E na menor faísca, eu não quero que vocês rompam pra sempre. Ainda se encontrarão muito pela vida.
Beatrice foi até o pai e o abraçou.
- Obrigada por ser um pai e amigo maravilhoso. Tudo vai dar certo, e no primeiro sinal de paixão, pai... eu caio fora. O seu cowboy vai sair com o coração intacto.- Peter beijou o topo da cabeça de Bea, e ela recebeu a mensagem de que Joe chegou.
- Se divirta.- declarou o Coleman por fim.
Beatrice se dirigiu até a porta e desceu o mais rápido que podia.
Já estava adaptada a subir naquela caminhonete tão alta, então o fez com facilidade.
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- Olha quem eu não esperava ver hoje.- Ela fechou a porta. Joe sorriu. Ele, como sempre, estava extraordinariamente lindo. Usava uma blusa verde com mangas longas e gola V por baixo de uma jaqueta jeans, sem perder o estilo rústico que ele carregava, mesmo sem querer.
- Eu já vou te deixar avisada: nunca mais coloque sua vida em risco pra me chantagear.- disse, sério.
Beatrice o beijou por um tempo consideravelmente demorado.
- Eu também senti saudade.
Os dois seguiram para o cinema, enquanto conversavam com naturalidade e falavam sobre seus dias. Bea estava ansiosa para entrar de férias e Joe para o rodeio que aconteceria dentro de semanas. Discutiram sobre o filme que assistiriam, e escolheram terror. "Se você sentir medo, pode me agarrar." Brincou Bea. Joe já estava tão acostumado com o jeito dela que nem se importava mais com suas flertadas. Até gostava, muito. Quando andavam no shopping, Beatrice reparou que não era a única que percebia a raridade que Joe era, pelos olhares das mulheres. O cowboy não percebia, por estar muito absorto na conversa, mas Beatrice se sentia incomodada, e em um impulso, ela agarrou o braço dele, e eles caminhavam colados um no outro.
Durante o filme, eles mais conversaram do que assistiram, além de jogarem quase todo o balde de pipoca um no outro.
No fim da noite, Joe a deixou em casa.
- Tem certeza que não quer ficar?- Bea aproximou o rosto do dele, quase sussurrando.- Você não vai conseguir dormir essa noite, por causa do filme, sabe.- ela brincou.- Vai precisar dormir comigo.
- Você é cheia das ideias erradas, né marrenta?- Joe segurou os cabelos castanhos dela para beija-la.- Vai, sobe. E tenha uma boa noite.
Beatrice mordeu os lábios e sorriu, em desistência.
- Boa noite, cowboy.- e ela desceu do carro.
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As semanas se passaram calmamente, e o tempo foi muito bem aproveitado por Joe e Beatrice. Eles saiam quase todos os finais de semana, com a desculpa que Bea arrumou de que o cowboy estava ensinando ela a dirigir. A intenção era verdadeira, mas após poucos minutos, os dois deixavam as aulas e iam fazer outras coisas. Essas aulas seriam estendidas por muitos outros meses, se continuassem desse jeito. Esse era o primeiro sábado em que não se viam, em 24 de Novembro. Beatrice precisou ficar em casa para fotografar, e Joe fora treinar com os peões que estavam no Texas. Ainda sim, eles fizeram uma ligação de vídeo.
- Eu ainda não entendi bem o que tá acontecendo.- Confessou Joe. Bea via feno no seu cabelo, e ele parecia soado. Ela sorriu.
- Vou tentar resumir.- ela dizia enquanto a cabeleireira terminava o coque em seu cabelo.- Você sabe que minha mãe foi a Miss América, não sabe? Então. Mas é claro que nem sempre ela foi uma modelo conhecida, e pra conseguir patrocínio, ela precisou participar de uns concursos de beleza menores. O primeiro que minha mãe ganhou foi em Woodhaven.
- Michigan?
- Sim. Minha mãe é de lá. Minha família materna também vive lá até hoje, eles gostam dessa vida mais sossegada.- A cabeleireira deixou Beatrice sozinha e pronta.- Tanto faz. Acontece que esse concurso existe até hoje lá, e minha mãe estava ansiosa esperando que eu fizesse dezesseis para me inscrever. Sendo instruída por ela, eu me sinto muito confiante. E, bem, hoje eu vou tirar algumas fotos pro portfolio que precisa ser apresentado.
- Ah, entendi.- Joe sorriu.- Mas não precisa se esforçar tanto. Você já ganhou esse concurso.
Beatrice riu alto.
- Você nem viu as concorrentes. As cidades pequenas guardam as melhores modelos.
- Não importa. Você vai ganhar.- Ele a olhava através do celular, e seus olhos brilhavam.
- Mas e você, cowboy? O que está fazendo?
Joe suspirou.
- Bem, como posso te explicar... Você já viu algum rodeio na vida? – Perguntou a ela.
- Já vi na TV. Mas não prestei muita atenção.- Ela sorriu frouxo.
- Bem, sabe... tem o peão que monta no touro, e tem aqueles que ficam na porteira pra dar assistência, pra abrir a porteira em si, ou pra entrar na arena caso precise de resgate.
- Ah, eu sei.- ela sorriu.- arriscado, não?
- Sim. É basicamente o que eu faço. Quem sabe um dia eu não me inscreva pra montar?
- Ah, cowboy.- ela franziu o cenho.- Você pode morrer, sabia? É perigoso.
- Também posso morrer te dando aulas de direção, e ainda sim eu enfrento.
- Haha.- ela revirou os olhos. - Como é que tá sendo a hospedagem?
- Tá tudo ok. Ah, o Declan se machucou. Quase não pôde participar do campeonato, mas ficou tudo bem.
- Menos mal.- Alguém bateu na porta do quarto de Bea. Era o fotógrafo.- Bem, J, vou ter que ir. Tome cuidado por ser o cowboy solteiro e turista mais gostoso de Austin.- ela brincou.
- E você tome cuidado por ser... a mulher mais linda de todo o mundo.- ele sorriu.- me mande as fotos quando terminar.
- Nananinanão.- Quando ela disse isso, Joe fez biquinho. – preciso ir. Beijos.
- Beijos. Estou com saudades.- Ele disse, e desligou, sem esperar resposta. Beatrice respirou fundo. Ela responderia que estava com saudade se tivesse tido tempo?
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Mais dias passaram, e as coisas estavam dando certo. Beatrice conseguiu entrar para o concurso, e essa era a única coisa que Judith falava, como se ela mesma estivesse concorrendo. Como se tivesse dezessete outra vez. No início de Dezembro, quando Declan voltou como campeão do rodeio estadual do Texas, a sua irmã gêmea, Marian, preparou uma festa na fazenda para comemorarem a vitória deles.
Agora, Joe estava livre para se dedicar à Beatrice, mas, por conta do concurso, ela parecia sempre estressada, frustrada ou desinteressada em todas as coisas.
Os dois estavam sentados na escada de um dos estacionamentos do prédio que os Coleman moravam. Eles olhavam para o nada, e haviam discutido por conta da teimosia de Bea sendo uma péssima aluna na direção.
Joe pensou em mudar de assunto.
- Eu estive pensando em algo.- Ele se virou para ela, sorrindo. Bea apertou o rabo de cavalo que usava e o olhou. – Essa semana começou o recesso escolar... Eu pensei... Todos os anos vocês comemoram o natal na casa de vocês e, dessa vez, Arthur disse que poderíamos fazer algo diferente na fazenda. Você chama as suas amigas, podemos decorar do jeito que você achar melhor, quem sabe ir a New York buscar algumas coisas?- ele pareceu empolgado.- E então, nós passamos o natal com todo mundo e, o ano novo... podia ser só nós dois.- Ele continuou falando, mas a notificação no celular de Bea fez com que ela olhasse para a tela. Era mensagem de sua mãe. " Vai mesmo colocar tudo a perder?" dizia. Bea fechou os olhos e se lembrou da conversa que teve com a mãe mais cedo. Judith afirmou que a relação de Bea com Joe só a atrapalhava no concurso. Ela não devia dividir seu tempo. E devia acabar com isso o mais rápido possível.- Você tá me ouvindo?
Beatrice olhou para Joe. Ele sorria para ela, como se tivesse ignorado a discussão de 15 minutos atrás.
- Não vou deixar minha mãe sozinha. Ela odiaria ir pra fazenda, e todos vão querer ir. Ela não tem mais ninguém pra passar o natal.- afirmou. Joe engoliu em seco.
- Então... Você pode passar o natal com ela e o ano novo com a gente. Você quem sabe, é só...- ele olhou para baixo.- Poderíamos estar juntos.
Bea respirou fundo e segurou as mãos de Joe.
- Isso não está dando certo.- afirmou.
Joe assentiu.
- De toda forma, você precisa fazer aulas numa autoescola. Isso aqui é só um treino.
- Não estou falando das aulas, Joe.- ela prendia a respiração. Nunca fora tão difícil fazer isso. Com nenhum outro. – Estou falando de nós dois. -Ele a olhou. Definitivamente não esperava isso. Não conseguiu dizer nada.- Todas as pessoas que nos disseram que não funcionaria... deveríamos ter escutado... eu, eu deveria ter escutado.
- Você não é a única culpada por insistir.- Ele confessou.- Eu pensei que estivesse tudo bem.
- E estava. E esse é o problema, Joe. Você é um cara incrível. Mas isso não é pra mim. Eu não sei ser uma garota legal e uma namorada perfeita. E eu não sei dizer "eu te amo" ao desligar o telefone a noite. E eu nunca vou ser essa pessoa. E você merece um amor que te consuma e que te espere a cada batida de coração, porque isso é pra você. Não pra mim.
- Eu não preciso que você tenha pena de mim o suficiente a ponto de dizer "Não é você, sou eu." – Ele se levantou da escada.- Eu sempre soube do seu jeitinho, Bea. E eu nunca cobrei nada que você não pudesse me oferecer.- Joe guardou o celular e tirou as chaves do bolso.- Mas eu sempre admirei isso em você. Dona de suas decisões. Se diz que não é pra ser...- os olhos dele brilhavam, e dessa vez, não era de paixão. Joe queria chorar.- É porque não é.
Ele virou as costas e caminhou até seu carro.
- Você foi a melhor coisa que me aconteceu.- Ela declarou baixinho, enquanto ele andava de costas. Beatrice colocou as duas mãos no rosto, e mesmo querendo desabar, não se permitiria chorar por um término. Um término de algo que nunca nem começou.
Beatrice subiu a escada aos tropeços. Quando estava no elevador, o tempo parecia passar mais devagar. Ela se lembrou de que, horas antes, esteve com Joe naquele mesmo lugar, entre risadas. Ao adentrar a cobertura Coleman, Judith a esperava com o celular na mão.
- Ai está você!- A mulher cruzou os braços.- Está ignorando minhas mensagens?
- Mãe, me dá um tempo.- Ela passou direto pela ex Miss América, limpando as lágrimas antes mesmo de se formarem.
- Tempo é tudo que não temos, Beatrice Coleman.- Judith a seguiu pela escada, enquanto a adolescente ignorava seu tagarelar.
A menina adentrou seu quarto e bateu a porta. Se surpreendeu ao ver duas malas fechadas e cheias sobre sua cama. A porta atrás dela se abriu.
- Era disso que estava tentando te falar desde cedo e você me ignorou.- declarou a mãe. Bea se virou para ela.- Nós vamos hoje a noite para Michigan.
Beatrice encarava as malas, incrédula.
- Mas... o concurso começa daqui uma semana...
- Exatamente, e precisamos que você esteja cem por cento concentrada nele. Sem distrações. Terei tempo o suficiente para te treinar em Woodhaven, onde você não conhece ninguém. Vamos aperfeiçoar tudo que você já sabe desde que nasceu.- Judith sorriu, mas viu que a filha quase desmanchava em lágrimas.
- Eu já terminei com ele, mãe. Nós nem tínhamos nada, na verdade.- Confessou.
- É melhor mesmo. Eu detesto aquele garoto metido a cowboy desde que era um moleque.- Judith deu a volta em seu salto alto preto, e passou pela porta.- Gosto mais quando você segue os meus pretendentes.
- Você não entende mesmo, né?- Bea alterou o tom de voz, e Judith voltou, observando-a.- O seu pretendente era um procurado da polícia. Ele ia me sequestrar, mãe. Ele me machucou.- a voz de Bea falhou, enquanto chorava.- É sério que você prefere não acreditar em mim?
Judith respirou fundo, revirando os olhos.
- Esteja pronta até às seis.
- Eu nem arrumei minhas malas.
- E não precisamos da sua opinião. Eu separei tudo que precisa.- Judith piscou.
- O meu pai concordou com isso?
- Ele foi buscar Arthur no treino para se despedirem de nós. – Judith se aproximou da filha, olhando profundamente em seus olhos.- Ele disse que eu deveria me certificar se era isso que você queria.- Ela cruzou os braços.- Então eu te pergunto, Beatrice: Você quer mesmo seguir os passos de uma supermodelo? Quer poder ser, pela primeira vez, reconhecida pelos seus próprios feitos? Quer se orgulhar de alguma coisa pela primeira vez na vida? Quer ser independente? Mostrar a si mesma sua capacidade e utilidade?- Ela segurou o semblante triste de sua filha para que a olhasse.- Ou você quer viver pra sempre na sombra do seu próprio fracasso?
Publicado em:25/09/2017
Atualizado em: 23/01/2023
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