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"Alguém como eu destrói as pessoas, por isso, antes de ficarmos próximos, eu fujo"

"Eu estou destruindo a mim mesmo para que outras pessoas não me possam me destruir"

"Eu sinto um estranho vestígio de conforto na tristeza. Eu me sinto seguro, sabendo que não posso ficar pior. Felicidade apenas parece muito incerta agora... apenas uma palavra, ou um passo em falso é tudo que basta para tudo colidir novamente"

Londres exibia um leve sol por entre as nuvens cinza, não brilhante muito menos caloroso, apenas lá, como se precisasse estar por ser sua obrigação quando na verdade o que mais queria era estar perto da lua. E Jungkook estava no terceiro andar do prédio de música, era sexta-feira, o que significava que todo o resto dos alunos estavam ensaiando para o musical (ele perdeu a oportunidade de ser até mesmo figurante uma vez que faltou em várias e várias aulas seguidas - e estava matando uma naquele mesmo instante).

O pequeno salão revestido por péssimo isolamento acústico - péssimo mesmo, era praticamente um andar morto para o curso - mantinha a voz de Jungkook no tom certo para que quem passasse no corredor a ouça mas não a note, se isso fizer algum sentido.

Encolhido em seu moletom branco, mas tão branco que dava prazer aos olhos, estampado com letreiros vermelho sangue atravessado no peito, a jaqueta jeans clara por cima e os jeans skinny que em algum dia eram apertados na coxa, Jungkook se mantinha deitado com as costas contra o chão gelado, seus olhos olhavam para a janela lateral aberta, fitando os poucos raios de sol que entravam sem realmente vê-los.

No andar de baixo, o ensaio do musical de sua vida tomava foma e ali estava ele, deitado no chão, sozinho e passando o tempo até sua próxima aula - que por sorte não era relacionada ao musical. Se lembrou de todas as vezes em que viu Grease com sua mãe, cantando as músicas em um sussurro alto para que seu padrasto não ouvisse, lembrou-se do sorriso dela enquanto ele imitava a voz grave de Danny Zuko - e logo parou de se lembrar, a dor das palavras ditas naquela ligação que marcou sua vida ardendo em seu peito.

Jungkook havia perdido uma parte muito grande de sua vida ao longo dos anos, uma parte se fora com sua mãe, outra definhou-se aos chãos a cada soco que seu padrasto o dava, talvez mais um pouco dela tivesse sido perdida ao vento quando suas irmãs o repudiavam com o olhar e comiam todo o seu café da manhã para que ele fosse para a escola faminto, e claro, o que restava escorria com o sangue que era despejado por seu nariz ao apanhar de seus colegas, todo dia a mesma coisa, e talvez, só talvez, tenha sobrado um pouco de vida - mas este pouco se foi com Ryan e todas as suas agressões físicas, verbais e psicológicas. E mesmo assim, ali estava Jungkook.

Ele se proibiu em pensar naquilo e simplesmente fechou os olhos, a umidade que suas pálpebras o proporcionou fez um suspiro deixar seus lábios ao que a ardência de suas retinas diminuía. Simplesmente lhe atingiu, a melodia surgiu em sua mente, ecoando em seus pés que batiam no chão conforme seus lábios acompanhavam, a letra fluindo por sua língua e soando como um anjo caído, as asas machucadas e incapaz de voltar ao Paraíso - ou ao Inferno, caso seja um anjo pecaminoso. Jungkook não sabia qual situação se aplicava a ele - e preferia não saber.

(Coloquem Greased Lighting do Grease para tocar agora, ajuda muito a compreender a cena e dá um tom a mais de veracidade à fanfiction. Vídeo na mídia, se quiserem ver antes de ler, ajuda.)

Começou com uma fala ousada, o canto dos lábios levemente erguendo em um sorriso digno de Danny Zuko ao que Jungkook batia os pés contra o chão após cada sentença.

- Why this car is automatic. - batida de pés. - It's systematic. - mais uma, dessa vez, acompanhada de uma balançada de ombros, as costas roçando no piso gelado. - It's hyyyydromatic. - sua voz prolongou em um agudo tão afinado que o deixou orgulhoso, a cintura seguiu o movimento assim que os pés causaram eco. - Why it's grease lightning. - como um grito animado mas totalmente no tom, Jungkook pressionou os olhos fechados ao que a melodia ecoava em sua mente, os pés ainda mais decisivos contra o chão sendo a única forma de som acompanhando sua voz. - We'll get some overhead lifters and some four barrel quads, oh yeah. - ele pôde ouvir o coro em sua mente assim que terminou a linha, como se imaginasse a cena no filme, o carro já aparecendo e Danny Zuko rebolando nos jeans justos e camisa enrolada nos braços. - A fuel injection cutoff and chrome plated rods, oh yeah. - a voz fina de Jungkook se transformava em um soar grosso e timbroso, seus pelos do braço se arrepiando ao que balançava a cabeça no ritmo imaginário, os cabelos bagunçando contra o piso já não mais tão gelado assim. - With a four speed on the floor they'll be waiting at the door, you know that ain't no shit we'll be getting lots of tit in Grease Lightning. - Jungkook jurou ter ouvido o coro de Go, go, go, go, go, go, go, go, go, go em uma voz grossa, vai ver sua mente estava o enganando muito bem com a melodia, era como se o filme estivesse sendo projetado em suas pálpebras fechadas.

- Go grease lightning you're burning up the quarter mile. - Jungkook ouviu novamente o coro seguinte, Grease lightning go grease lightning, e um seu sorriso de lado diminuiu para manter o tom certo na próxima parte. - Go grease lightning you're coasting through the heat lap trial. - o coro Grease lightning go grease lightning ecoou novamente, dessa vez mais alto e mais sincronizado. - You are supreme...the chicks'll cream...for grease lightning. - Go, go, go, go, go, go, go, go, go, go, tão intenso, Jungkook apenas deixou a boca aberta e cessou a música por aí, logo após o coro ecoando não em sua mente mas em seus ouvidos, a onda de emoções o atingindo com força mas de forma refrescante, como se aquela música e aquele musical ecoando por suas cordas vocais, livre de pesar algum, livre de responsabilidade de musical da uni, livre de vergonha de audição, livre de dor, fosse um refrescar em seu corpo tão quente que era quase febril.

Ele só era Jungkook Tomlinson, um garoto que cantou uma música de seu musical favorito e de seu personagem favorito sozinho em uma sala acima da onde o verdadeiro musical estava acontecendo.

Bem, nem tão sozinho assim.

Palmas ecoaram levemente, tão suaves que Jungkook demorou alguns instantes para constatar que não eram de sua imaginação e estava de fato acontecendo ao seu redor. Abrindo os olhos tão rápido que causou-lhe dores de cabeça, sentou e se afastou, como instinto, sem saber do que, ou melhor de quem exatamente, as mãos empurrando o corpo para trás e logo depois trazendo os joelhos para o peito, em proteção. E então, seus olhos captaram a imagem de Taehyung parado à porta, o ombro contra o batente e um sorriso de lado no rosto, a Nikon pendurada no pescoço, como sempre. Mas seu sorriso não durou muito ao ver a expressão de medo de Jungkook.

- Oh, desculpe, não queria te assustar, eu-hm, eu estava tirando fotos do ensaio e-e-eu queria fumar e lá em baixo não pode e-aqui em cima tem janelas e-não que lá em baixo não tenha, tem, digo, acho que tem mas o ponto é que achei que não seria legal fumar lá enquanto o pessoal ensaia e-eu-não quis te assustar, mesmo, só que-eu ouvi no corredor e nem sabia que era você e-okay, eu sabia sim, não tem como confundir sua voz com outra porque ela é tão única e tão bonita e você cantou tão bem e eu não consegui evitar e eu ia só ouvir e ir embora mas foi tão real, tão verdadeiro que eu tive que bater palma e-eu já 'tô falando demais né? Desculpa-er, não queria te assustar, de novo, digo, não assustar de novo, de novo de falar aquilo de novo e-eu não estou fazendo sentido, né? Vou parar agora, okay?-hm?-okay, parando-Mhum, parei.

Jungkook o encarou por sólidos segundos com uma expressão de medo no rosto e então, ela se transformou em uma confusa, a boca ligeiramente aberta e as bochechas extremamente coradas. Aquele era para ser um momento íntimo, ele se deixou levar e acabou sendo pego, foi um momento de fraqueza e Taehyung havia visto.

Um longo silêncio perpetuou na sala, Taehyung se mexendo desconfortável nos pés e Jungkook encarando o chão, implorando silenciosamente para que ele apenas saia e finja que nada disso havia acontecido, mas Taehyung ainda era Taehyung e não iria fazer isso.

- Hm, parabéns, mesmo. Foi lindo. - Jungkook não o encarou embora seus ombros tenham encolhido um pouco e suas mãos sumido na manga do moletom branco. Taehyung deu um passo para frente e imediatamente capturou a atenção do menor, que montou sua proteção e rapidamente afastou um pouco mais para trás no chão. - Ei, eu só-eu só quero conversar. - o olhar de Jungkook estava indecifrável e sem ter resposta, Taehyung apenas sentou no chão, de perna de índio, e colocou o queixo nas palmas das mãos, os cotovelos contra os joelhos e a Nikon entre suas pernas. - Andou praticando? Sua voz pareceu feita para aquela música.

Taehyung estava puxando assunto, claro, mas o olhar de Jungkook continuava receoso para seu rosto, como se estivesse travando uma batalha interna sobre responder ou não, correr gritando ou permanecer calado. Era quase como se ele pudesse ver o muro ao redor de seu pequeno corpo, tudo em sua linguagem corporal indicava medo, incerteza e dúvida, o jeito com que seu lábio estava tenso, suas costas estavam rígidas, os pés estavam firmes no chão e os olhos atentos. E Taehyung dedicando toda sua atenção à ele não ajudava na confusão de pensamentos.

Mas após alguns minutos de silêncio instável, Jungkook apenas balançou a cabeça, tão levemente e tão rápido que Taehyung se questionou se havia imaginado. O olhar acastanhado vazio caiu para o colo mas de fato havia mexido o queixo para cima e para baixo em concordância. Taehyung teve que se relembrar do que perguntara pois havia passado muito tempo.

Então sim, Jungkook andou praticando.

- E você tem a dança dentro de si também. - o sorriso de Taehyung veio antes das palavras mas mesmo assim manejou em ser claro e suave, tomando todo o cuidado do mundo para não assustá-lo. Jungkook não respondeu ou fez qualquer movimento, mas algo dizia a Taehyung que ele estava prestando atenção. - Incrível como vinte pessoas lá em baixo com todo o equipamento necessário não conseguem fazer uma performance tão boa quanto a sua, só usando o eco ruim de uma sala velha, os pés e a própria voz.

A resposta não veio mas não é como se Taehyung estivesse a esperando, só o fato de que Jungkook sabia que ele achava aquilo já estava de bom tamanho para si. Mas quando Jungkook se encolheu ainda mais na roupa, o queixo apoiado nos joelhos contra o peito e os olhos baixos, como se estivesse em uma bolha protetora, e abriu a boca para falar, ele quase derreteu no chão.

- Você está tirando fotos do ensaio? - foi tão baixo e tão hesitante que Taehyung teve de segurar o ímpeto de ir até lá e aperta-lo até que exploda em purpurina e suco de morango. Tentando ao máximo não soar desesperado ou super hiper mega ultra animado em ser correspondido, Taehyung murmurou, calmo e controlado:

- Eles me pediram. A uni quer fotos para o edital e para o jornal local. Acho que vão divulgar para público aberto.

Jungkook não respondeu mas suspirou, um indicador que de fato ouvira. A verdade é que aquilo doía em seu corpo de forma excomungal, aquilo era para ser seu, aquele papel de Danny Zuko, aquele musical, aquelas fotos, era para ser ele. Mas estragou tudo quando teve a chance. E aparentemente toda aquela confusão de pensamentos banhados em arrependimento e culpa passaram vívidos para Taehyung, que sorriu suave e gentil, o corpo inclinando para frente em uma tentativa de chegar mais perto de Jungkook, que tão emerso em pensamentos, mal percebeu.

- Ei, eles que estão perdendo. O que fez aqui... foi incrível, simplesmente inacreditável e se eu não tivesse presenciado, teria facilmente desacreditado-qual é, sua voz é tão maravilhosa que consegue ir de um agudo suave para um grave equilibrado no timbre certo, é-é muita técnica para pouca pessoa e-e-

- Obrigado.

Taehyung arregalou os olhos ao que sua boca caía aberta, seus olhos captaram a imagem de Jungkook murmurando conforme ergueu o rosto e fitou-o diretamente, olho no olho, e embora ele não tenha mais aquele brilho na íris, algo acendeu ali, tão frágil que o deu arrepios, como se um raio tivesse caído no mar calmo e brando, tornando-o tão violento, tão agitado e tão perigoso que retumbou em ondas coloridas em tons de escuro e claro. E tão rápido quanto veio, a tempestade se acalmou e o mar tornou-se inerte novamente, nenhum resquício que o caos reinou ali em algum momento.

Ele não sabia o que dizer e somente sorriu - o que, quando se referia ao seu sorriso largo com covinhas e lábio torto, não era um somente. E Jungkook fitou o movimento por longos segundos, o rosto tão inerte que parecia talhado no mármore, rígido e pálido como. Com um subir de peito lento ao que inspirava fortemente, ele apenas desviou e retornou à fitar tudo menos Taehyung.

- Você-hm, me desbloqueou. - murmurando após um silêncio longo até demais, Taehyung cutucou a lente da Nikon, tomando cuidado com o aparelho. Jungkook remexeu desconfortável no chão, como se sua bunda estivesse doendo na superfície rígida e, depois de muito custo, assentiu, dessa vez, mais aparente. - E também foi ao jogo. Contra os Brack Panthers, sabe? E-hm, obrigado. Pelo apoio. Eu-queria tê-lo visto lá mas... acho que é um começo, sim?

Jungkook o encarou novamente, uma expressão tão enigmática que Taehyung chegou a conclusão que ele a colocava à mostra quando estava tentando decidir mentalmente o que fazer: se o afastaria novamente ou se o daria uma chance. E então, retomou o olhar para o chão. Antes mesmo de Taehyung tentar pensar em algo para dizer, sua voz voltou a soar pelo que parecia a segunda vez no dia, mesmo que estivesse cantando minutos atrás.

- Eu que... - Jungkook franziu o cenho, como se estivesse repensando sua decisão de falar e mastigando a próxima palavra com cuidado, hesitante, o tremor no lábio inferior e nas mãos demonstrando o medo. - Agradeço?

Taehyung não sabia ao certo ao que ele estava se referindo. Podia ser muita coisa, sim? Podia ser referente aos elogios, à atenção, à preocupação, à presença, às palmas, à cantoria sincronizada mesmo que ele só tenha feito parte do coro, à paciência, à distância, e a lista era infinita pois o que Taehyung havia mais feito nos últimos meses era ajudar Jungkook, procurar Jungkook, apoiar Jungkook e merecia agradecimento em tudo, certo? Ao que ele deveria considerar?

- Por... tudo.

Jungkook completou com a voz tão trêmula que saiu como um engasgo, como se estivesse lendo sua mente, mas era o suficiente para Taehyung, que assentiu e sorriu, a covinha furando sua bochecha e tomando a atenção de Jungkook por tempo até demais, seus olhos dilatando ao olhá-la por muito tempo. E para completar a onda de surpresas que estava afogando Taehyung em sensações magníficas, Jungkook voltou a falar, cada vez mais baixo e cada vez mais hesitante, mas ainda assim por vontade própria.

- Hm, você-er, estava... cantando? - Taehyung franziu o cenho para aquilo, confuso. Cantando? Como em cantando há minutos atrás com ele? Vendo a expressão de Taehyung, Jungkook recuou no piso, os braços puxando o corpo para trás mais alguns passos, pura incerteza pairando no olhar.

- A música do Grease? - Jungkook não respondeu mas seu olhar indicava afirmativa. Taehyung assentiu, um sorriso sem dentes inundando o rosto e os olhos escondendo-se na bochecha. - Estava. Mesmo que sua voz seja maravilhosa sozinha, achei que um coro faria toda a diferença.

- Achei que não conhecesse Grease. - a resposta veio tão imediata que pegou Taehyung despreparado. Não que ele esteja reclamando. Até mesmo Jungkook parecia despreparado, como se fosse desmaiar a qualquer instante, cada palavra que pronunciava deixava-o mais pálido.

Taehyung demorou um pouco para responder devido ao fato de que Jungkook parecia tão pequeninho e tão frágil naquelas roupas largas e vibrantes, mesmo que seu próprio ser estivesse apagado. Tão medroso mas tão... determinado. Quase podia ver suas próprias mãozinhas encostadas na superfície da bolha que construíra ao seu redor, como se realmente quisesse quebra-la e enfrentar o mundo lá fora.

- Quando sumiu, eu-eu vi o filme. E gravei as músicas. E os passos de dança. E os figurinos. E algumas falas. Algumas. - dando de ombros, Taehyung soou vulnerável, mas assim que viu a expressão aterrorizada de Jungkook retornar, sentiu seus próprios ombros caindo. Era como se a lembrança daqueles dias que tornaram-se meses tomasse o corpo de Jungkook e o puxasse para baixo, seus olhos caíram, seus ombros caíram, suas bochechas caíram, seus lábios caíram e seus braços caíram, ele estava desarmado e frágil novamente. - Mas ei, passou, sim? E-e foi bom, no final, certo? Eu-lembra de quando eu disse que Grease era péssimo porque você gostava? Eu não acho mais isso, não, eu-só porque você gosta, já significa que é maravilhoso, de qualidade e-não precisa se preocupar, sim?

Jungkook não respondeu ou assentiu, apenas fitou o chão e abraçou o corpo novamente. Sua expressão estava franzida em linhas rígidas por todo lado, lábios, sobrancelhas, maxilar e olhos, como se fossem a armadura que o protegia enquanto ele retomava a fortaleza, rearmando as ferramentas de segurança que havia construído durante o tempo e o excluísse do mundo mais uma vez. Jungkook era do tipo de pessoa que se machucava e ao invés de erguer a espada para se proteger, erguia o escudo, recusando-se a machucar alguém para sua própria proteção.

E Taehyung não estava machucado em sua presença, pelo contrário, estava machucado em sua ausência. Mesmo que Jungkook ali, fragilizado e amedrontado o causasse pontadas no peito, ele o preferia à vista e perto de seu alcance ao distante e nas garras impiedosas do mundo.

- Quer ver as fotos do ensaio? - em um momento de surto, Taehyung murmurou, tão incerto quanto o próprio Jungkook minutos atrás. Ele o encarou neutro, a expressão intacta e imóvel, como se já fosse premeditada, todos os movimentos de Jungkook pareciam assim na verdade, já preparados para tais momentos, ensaiados. - Digo, assim pode ver os alunos que fazem os papéis principais e rir das caretas que fazem pra cantar. Sério, tem uma da Bebe que é simplesmente cômica.

Jungkook não o encarou com vontade em momento algum mas isso não desanimou Taehyung. Ligando a câmera durante o silêncio pesado que se instalou, ele procurou pelas fotos mais engraçadas, começando pela da Bebe, que havia mencionado, e esticou a câmera para Jungkook, que fitou-a com hesitação e medo.

- Se você não rir, prometo que vou embora. - Jungkook ainda não estava convencido e já se arrependendo por ter falado aquilo, Taehyung balançou a câmera no ar, rezando para os céus para que Jungkook risse ao menos um pouco e que ele não tenha que deixá-lo.

Demorou, mas Jungkook esticou, eventualmente, a mão trêmula e pegou a câmera com tanto cuidado para não derrubar pela tremedeira de medo que quando a trouxe para perto do corpo, a agarrou com as duas mãos firmemente. Taehyung sorriu com a cena e observou quieto enquanto os dedinhos rodeavam a lente com distração enquanto os olhos claros vazios rodavam pela fotografia de Bebe, a Sandy, com o microfone perto da boca, as sobrancelhas tão franzidas que davam-lhe a expressão de tensão enquanto a boca estava aberta como se estivesse fazendo um boquete.

Em um primeiro momento a expressão de Jungkook se resumiu em lábios levemente abertos enquanto o peito subia e descia rapidamente e bochechas rígidas, no próximo segundo, tão rápido assim, ela se contorceu em uma careta, a testa franzida e os lábios para dentro da boca, como se ele estivesse tentando conter algo, a coloração rosada em suas bochechas o entregou.

- Ei, não vale segurar o riso! - Taehyung exclamou, os olhos brilhando e o sorriso largo no rosto atrapalhando sua pronúncia. Jungkook não conseguiu manter a postura e um leve sorriso escapou de seus lábios, apenas, breve, pequeno e simples, uma curva no lado direito de seu rosto que elevou a bochecha e fechou levemente um de seus olhos, o dando uma expressão engraçada. Mas foi passageiro, negando com a cabeça após alguns segundos, Jungkook se recompôs e retomou a postura séria e rígida, o rosto retomando à palidez e a mãozinha coberta pelo moletom cobrindo a boca, ainda com vestígios de um sorriso. Mas foi o suficiente para Taehyung no momento. - Acho que não preciso ir embora, então.

Jungkook não respondeu pois estava ocupado demais passando as fotos distraidamente, os olhos vagando atentos pelas fotografias enquanto se encolhia em seu mundinho, que agora, tinha um pouco do mundo de Taehyung, exibido no visor da Nikon. Passaram-se talvez minutos mas para Taehyung foram como segundos tão breves que o deixaram querendo mais e mais, e quando o sinal soou e Jungkook se assustou com o barulho repentino que cortou o silêncio agradável que se instalara, quase que o dando uma sensação de paz, e se ergueu rapidamente nos pés atrapalhados, o corpo sofrendo para se movimentar após tanto tempo parado em uma só posição, foi que Taehyung se tocou que havia perdido todo o ensaio - na qual deveria ter fotografado os alunos. E Jungkook claramente pensou o mesmo quando o entregou a câmera, o braço esticado e o corpo bem afastado, vários passos para trás, ainda com medo e receio.

- Acho que perdeu a chance de tirar fotos do elenco. - sua voz soou baixa e rouca devido aos muitos minutos de silêncio. Taehyung pendurou a Nikon no pescoço e enfiou as mãos nos jeans.

Falo ou não falo?, ele pensou, ah, que se foda.

- Eu não desejaria estar em lugar algum no mundo que não aqui com você.

E tão rápido quanto durou seu momento de coragem, Jungkook se foi, deixando para trás a lembrança de sua expressão aterrorizada e desesperada conforme se apressava até a porta, tropeçando nos pés e cambaleando sobre as pernas magras. Taehyung não sabia como se sentir pois ao mesmo tempo que estava triste por vê-lo partir, estava satisfeito em tê-lo ali consigo por um período de tempo.

Era quase como se ele pudesse senti-lo mais vivo. Só um pouquinho.

Mas o suficiente.

🎬

- Pizza. - Stan murmurou enquanto observava Jungkook ressurgir da porta do quarto de hóspedes, que era praticamente seu, a cara amassada e o corpo escondido sob o conjunto de moletom, a chuva caía lá fora rala e gelada. Se sentando à frente da caixa de papelão e pegando um pedaço de marguerita, Jungkook suspirou.

- Segui seu conselho.

Stan encarou Jungkook por breves segundos antes de arrancar mais uma mordida de sua fatia, a expressão neutra enquanto assentia.

- Sobre confiar?

- E agradecer. - Jungkook mordeu a pizza e suspirou ao sentir o queijo em contato com sua língua. Seus braços ardiam sob o moletom grosso, os arranhões que fizera no chuveiro bem mais sensíveis pela água quente que caiu sobre eles.

- E como foi? - Stan tirou as imagens do sangue escorrendo pelo ralo da mente de Jungkook, que o encarou levemente aéreo antes de retomar o foco da conversa.

- Estranho. Me sinto culpado. - ele admitiu, a pizza pesando na base de seu estômago antes mesmo de terminar a primeira fatia, e provavelmente única.

- Culpado por que acha que vai machucar ela?

- Ele.

- Eu disse ela como em pessoa, mas tudo bem, ele. - Stan suspirou, sem querer demonstrar o quão contente estava por Jungkook estar se abrindo com ele pela primeira vez desde que se mudara. Jungkook engoliu uma grande quantidade de água antes de prosseguir, estremecendo com a incerteza que o circundava.

- Me sinto culpado porque vejo que ele quer.

- Quer o quê?

- Não sei. Sofrer? É confuso, ele não parece incomodado e-

- Talvez ele não se incomode.

- Mas eu causo dor à ele.

Stan encarou Jungkook por mais tempo do que o normal, deixando-o desconfortável a ponto de se levantar e colocar o prato e copo na pia, pronto para retornar para o quarto e se fechar em seu mundinho novamente, longe do perigo do exterior e dormir com o arrependimento de ter contado as coisas para Stan. Mas foi impedido na porta por uma voz suave mas preocupada.

- Causa dor como?

- Eu causo dor. - Jungkook murmurou mais firme, de costas para Stan e o corpo já tremendo em vulnerabilidade, subitamente tudo aquilo desabou sobre seus ombros e ele não conseguiu se conter, as palavras despejando por sua boca sem sua permissão. - Lá, perto dele, eu causo dor. E-e eu não quero isso. Causar dor.

- Por isso saiu do dormitório da uni? - embora entonado como pergunta, Stan estava mais acusando do que questionando. Jungkook nem se deu ao trabalho de responder e apenas deu passos trêmulos em direção ao seu quarto, a voz de Stan ecoando em suas costas. - Já cogitou a possibilidade de causar mais dor longe do que perto dele?

"Você consegue se lembrar quem você era antes do mundo te dizer como deve ser?" - Charles Bukowski.

:)

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