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Foi em um dia chuvoso, cinza e monótono.

O céu de Londres estava imitando os pensamentos de Taehyung, tão cinza que chegava a ser poético, uma dor poeticamente agonizante. Como se o céu só estivesse cinza porque todo seu claro estava nos olhos de Jungkook – ainda desaparecido.

Desaparecido do coração de Taehyung, pelo menos.

Quase três meses após vê-lo pela última vez, Taehyung andava pela universidade de forma vazia. Mas já não era um vazio tão vazio assim. Eventualmente ele voltara a rir verdadeiramente, mesmo que no fundo de seu inconsciente ele ainda desejasse que Jungkook estivesse ali (não necessariamente ali consigo, mas apenas em seu campo de visão, assim teria certeza absoluta que ele estava bem), estava saindo com os rapazes de forma mais animada, estava até mesmo jogando com mais ânimo, focalizando toda a sua saudade e preocupação durante o dia em seus treinos, jogos e exercícios físicos (Namjoon disse que se começasse a malhar, talvez isso ajudasse a aliviar o estresse e a angústia, e de fato ajudava), porém, durante a noite, lágrimas silenciosas desciam por suas bochechas ao que pressionava enviar e junto com a foto e a frase, os últimos resquícios de esperança eram esvaídos, dia após dia.

Taehyung voltara lentamente a viver sua vida – mesmo que todo o sentido dela estivesse com Jungkook, aonde ele estiver. Ele escondia sua esperança unilateral de que Jungkook volte algum dia, magicamente, e peça desculpas e o beije e o abrace e o faça esquecer de tudo, pois sabia que isso machucava seus amigos. Eles não tinham a conexão que Taehyung tinha com Jungkook, então, o mínimo que o cacheado podia fazer era canalizar toda sua saudade e esperança em seus pensamentos, mascarando sua dor para aliviar a dos outros que não escolheram sofrê-la.

Mas Jungkook valia a pena. Valia a pena cada gota de dor que sentia – Taehyung tinha esperanças, Jungkook merecia esperança.

E com o passar dos meses, as coisas foram se ajeitando sem ele. Namjoon e Seokjin estavam namorando, eles se tornaram o casal mais grudento e carinhoso que Taehyung jamais havia visto na vida. Yoongi e a garota loira (do dia da briga generalizada – somente a lembrança daquele dia causava calafrios em Taehyung) estavam ficando relativamente sério, embora um ménage ou outro aconteça de vez em quando, tanto com rapazes quanto com garotas. Yoongi era versátil. E o fato de que tudo isso acontecia no quarto que antes acolhia Jungkook enjoava Taehyung em níveis extraordinários.

E Taehyung.

Ele ficou com um cara uma vez. Ele estava muito bêbado – muito – e a mistura de nicotina, maconha e essência que utilizara horas antes não ajudou muito. Ele chorou a noite inteira, mandando uma foto relativamente sem sentido para Jungkook com uma frase relativamente melancólica.

Claro que nenhuma resposta veio – como sempre.

Mas teve uma vez.

Uma única vez. Em uma sexta-feira tão chuvosa quanto o dia de hoje, na qual Taehyung ligara para Jungkook, como o usual, e ele atendeu.

Jungkook o atendeu.

Era madrugada e talvez ele estivesse dormindo e de forma sonolenta, não viu quem era no visor e apenas atendeu, mas o que realmente importa é que Jungkook permaneceu na linha após Taehyung sussurrar seu nome, como um grito silencioso e desesperado no meio do escuro, e Jungkook permaneceu. Taehyung podia ouvir sua respiração acelerada e falha pela linha, ouviu até mesmo um fungar de nariz e um soluço engasgado.

Jungkook desligou logo após Taehyung sussurrar volta pra mim, Gukkie.

Nos últimos três meses desde que Jungkook fora embora, Taehyung não havia chorado naquela intensidade, ele se pegou caminhando cambaleante até a árvore – a árvore deles, como ele mesmo intitulou, e dormiu lá, como se a lembrança daquela noite amenizasse sua dor. Debaixo de chuva, passando frio, ele nem mesmo se importou.

Mas já faziam semanas desde essa ligação, e agora, o número de Taehyung estava bloqueado no celular de Jungkook, ele não conseguia mais mandar mensagens, ligar ou mandar fotos. Taehyung não conseguia mais falar com Jungkook, mesmo que só ele falasse. E agora, ele mal sabia de Jungkook estava bem.

Ele sabia que ele estava em Londres. Namjoon quase o esfolou mas decidido, ele foi até a sala do reitor da uni e perguntou sobre Jungkook. E aí estava a pior parte.

Jungkook estava comparecendo às aulas.

Isso foi o suficiente para que Taehyung ficasse esperando por sua entrada ou saída do lado de fora do prédio de música, o que nunca ocorria. Partindo para o Plano B, Taehyung pediu para algumas pessoas que faziam curso de música para que procurassem por Jungkook dentro da sala de aula – a resposta era sempre a mesma.

Não o vi, cara, desculpa.

Uma garota até mesmo o direcionou um olhar reconfortante e disse que sentia muito e que lembrava deles como um casal – vocês eram tão fofos juntos, foi o que ela disse. O juntos ecoou na mente de Taehyung como uma bala sendo ricocheteada para todos os lados.

Jungkook estava em Londres mas não estava morando com parentes, Taehyung procurou em seu Facebook e contatou desde sua tia distante que mora em Doncaster até sua avó querida, que por sorte, mora em Londres capital, mas ninguém tinha notícias de Jungkook, até mesmo ficaram irritados com a menção de seu nome – menos a avó de Jungkook, que demonstrou certa preocupação com o paradeiro do neto. Jungkook estava inalcançável e tudo que Taehyung queria era um sinal de que ele estava bem.

Eventualmente, ele parou de procurar. Sem conseguir ligar, mandar mensagens, fotos ou vídeos, e-mails (ele pediu o endereço eletrônico de Jungkook para Seokjin) ou mandar cartas, afinal, mal sabia aonde ele estava, Taehyung desistiu.

Mas desistiu pois não tinha como alcança-lo. E prometeu a si mesmo que assim que conseguisse contato com Jungkook novamente, iria voltar a procura-lo desesperadamente.

Mas naquele dia em especial, ainda estava chovendo, ainda estava cinza e ainda estava sem Jungkook. Taehyung andava apressadamente por entre o emaranhado de pessoas cobertas por enormes guarda-chuvas, xingando-se mentalmente por ter esquecido o seu no dormitório ao mesmo tempo em que desejava poder voar e ver aquela cena por cima – os enormes círculos coloridos e em movimento pela estrada de paralelepípedos limitada por grama verde brilhante devido à abundância de água vindo da chuva nos últimos dias. Somente a imaginação da cena o dava frio no estômago, seria uma foto e tanto – ele podia ser uma abelhinha ou ter um drone, mas transformar-se em uma abelha estava terminantemente inviável e comprar um drone estava completamente fora de questão.

Era mais provável ele se transformar em uma abelha do que ter o dinheiro para comprar um drone.

Ele apertou a Nikon em seus dedos e a protegeu com o casaco grosso enquanto se apressava ainda mais, a bota pisando ora ou outra em poças d'água, molhando seus tornozelos e meias. Com uma careta, os cabelos encharcados e gotículas de água gelada escorrendo por seu rosto, Taehyung empurrou a pesada porta da biblioteca com o ombro e entrou. O ambiente quente, aconchegante e calmo tomou seus sentidos e o aliviou instantaneamente.

Toda vez que ele entrava naquele lugar, todo o peso de seus ombros era esvaído, todo o emaranhado de pensamentos tristes, preocupados e confusos de sua mente eram esquecidos e todo o cansaço físico que sentia era suavizado.

Ele amava aquela biblioteca. E quando sua professa pediu para ler uma obra para a aula de Fotografia na Contemporaneidade, ele nem retumbou. Dona Esmeralda o direcionou um olhar calmo quando o viu limpar alguns resquícios da chuva torrencial que ainda caía lá fora da testa com a manga encharcada do casaco, não adiantando muito no trabalho mas mesmo assim o causando certo conforto. Ele puxou a barra de sua camisa mais inferior e mais seca para limpar qualquer resquício de água da Nikon, cautelosamente.

Sua bota fazia barulho ao que batia contra o chão coberto por carpete e o aquecedor da biblioteca já o causava calor ao que passava pelas prateleiras entupidas com histórias magníficas e cheias de aventura, romance, caos, coragem, desespero e esperança, alguns mais marcados por sangue outros por lágrimas calorosas, e isso causava certo fascínio em Taehyung. Todas aquelas diferentes perspectivas do mundo em um só lugar meio que fazia todo o sufoco de sua vida parecer minúsculo comparado à imensidão da literatura.

Ele passava o olho pelas descrições talhadas na madeira das prateleiras, procurando por Contemporâneo. Haviam poucas pessoas na biblioteca, por isso se sentiu mais à vontade e mais relaxado, permitindo-se suspirar e encolher no amontoado de casacos encharcados, pesando e puxando seu corpo para baixo.

Assim que localizou a prateleira que queria, entrou no corredor ligeiramente grande e começou a procurar pelo nome do autor. Seus dedos traçavam as capas dos livros grossos e empoleirados de forma ansiosa. Puxando o livro que queria, Taehyung não pôde evitar em congelar no lugar. Seu coração parou de bater, literalmente parou por um instante, sua respiração ficando presa na metade do caminho e seus dedos falhando em segurar o livro com firmeza, deixando-o cair no chão em um baque oco suavizado pelo carpete.

Pela fresta que causara ao retirar o livro da prateleira, Taehyung fixou o olhar na figura à sua frente. Sentado no chão despojadamente, quase largado, os pés cobertos por um All-Stars azul escuro que parecia grande demais, os jeans largos e dobrados até bem acima de seus tornozelos que davam a impressão de ser bem mais magro, mesmo que estivesse pequeno na camisa branca lisa, o cotovelo repousado em um joelho e um livro no outro, sendo sustentado por uma mãozinha, a cabeça encostada na outra, Jungkook parecia focado demais em sua leitura para notar sua presença. Um casaco grosso estava repousado ao lado de seu corpo magro, muito magro, e mesmo após muitos segundos, Taehyung ainda não conseguia desviar o olhar, seus olhos ardiam pela falta de umidade e reclamando pela escassez de ar, seus pulmões o obrigaram a ofegar baixo, retomando um pouco de vida para seu corpo.

Quem ele queria enganar? A visão de Jungkook em sua frente já o trouxe de volta a vida completamente, toda a dor, todo o desespero, todo o sofrimento, toda a saudade, todas as lágrimas haviam valido a pena no momento em que seus olhos pousaram no corpo pequeno e magro à sua frente.

Taehyung engoliu em seco e com as mãos trêmulas, fez o que seu coração o mandou – uma das coisas, afinal, seu coração gritava em seu peito de forma alarmante, quase o empurrando em direção à Jungkook. Ele precisava imortalizar aquele momento, antes de qualquer coisa. Posicionando a Nikon na fresta da prateleira, Taehyung desativou o flash e focou a lente. Jungkook não o encarou nem mesmo quando o pequeno e baixo click foi disparado, tão emerso no livro que estava alheio ao seu redor quieto e pacífico. Mas Taehyung não iria permitir que esse ambiente permaneça assim por muito mais tempo.

Com passos incertos e mãos trêmulas, ele caminhou silenciosamente até a prateleira do lado, o livro que buscava sendo chutado no meio do percurso de forma aleatória, tudo ao redor de Taehyung estava borrado, menos Jungkook. Tudo estava em preto e branco, menos Jungkook. Tudo estava girando, menos Jungkook. Tudo estava gritando, menos Jungkook.

Jungkook estava causando calmaria ao mesmo tempo tempestade, alvoroço ao mesmo tempo silêncio, desespero ao mesmo tempo alívio, respiração ofegante ao mesmo tempo suspirante, membros trêmulos ao mesmo tempo suavizados, mente a mil ao mesmo tempo travada.

Taehyung estava entrando em curto circuito, o estômago gelado e o resto do corpo todo quente, emanando um calor que significava esperança, Jungkook estava ali, em sua frente, respirando e bem, tão pequeninho lendo seu livro e preso em seu mundinho como se não estivesse machucado, como se nunca tivesse deixado uma única lágrima cair por suas bochechas, uma cena digna de uma pintura clássica, tão majestosa quanto caótica.

Jungkook era uma obra de arte.

E Taehyung se sentia em um museu, observando-o pendurado na parede, recebendo toda atenção, carinho e felicidade que sempre mereceu, pessoas o encarando e vendo suas qualidades, seus traços belos e seu coração de ouro. Jungkook tinha uma luz dourada acima de si, tanto causada por sua auréola de anjo tanto pelo sol que voltara a brilhar. Se não fosse pelo barulho abafado da chuva que ainda caía lá fora, Taehyung poderia jurar que o céu de Londres clareara em tons de azul novamente, uma vez que Jungkook o trouxera com seus olhos brilhantes, e Taehyung era o sol, brilhando intensamente mais uma vez, como se nunca tivesse partido.

Foi assim que Taehyung se sentiu. Como se Jungkook nunca tivesse partido. Como se aqueles quase três meses tivessem sido apenas minutos em que Jungkook estava tomando banho e Taehyung estava o esperando na cama, jogando o maldito jogo da Disney enquanto Friends passava na televisão.

Mas tudo colidiu novamente.

Parado na frente do menor, Taehyung o encarou silenciosamente por sólidos segundos antes de ter sua atenção, completa e integralmente, os olhos claros focados em seu corpo alto e ainda molhado, estático entre as duas prateleiras, medindo-o de cima a baixo. Jungkook, em um primeiro momento, foi pego totalmente despreparado, pura surpresa estampada em seu rosto, a boca aberta e os olhos ligeiramente arregalados, se ele já não estivesse pálido demais, talvez tivesse ficado branco ao ver Taehyung ali, depois de tanto tempo, ali.

E foi assim, tudo em questão de segundos, tortuosos e longos segundos. O silêncio reinou por um momento, o suficiente para a mente de Jungkook processar o que estava acontecendo, e assim que ele levantou, desajeitado, trêmulo e fraco, as costas indo contra a parede entre as prateleiras ao que os pés tropeçavam uns nos outros, é que Taehyung sentiu seu peito apertar. A expressão de Jungkook contorceu-se em medo, puro horror na linha rígida entre as sobrancelhas e no franzir de lábios rachados e vermelhos, seus olhos tinham linhas vermelhas enfeitando as íris jabuticaba.

Ah, seus olhos.

Taehyung sentiu um calafrio percorrer seu corpo ao encarar aquele claro tão mórbido, tão apagado e tão... frágil. Era como se todo o oceano vívido que ali habitava tivesse sido substituído por lágrimas pesadas e dolorosas, colorindo sua feição com pesar. Taehyung via dor em seus olhos, sofrimento, um pedido de socorro silencioso.

Ele iria atender esse pedido. E iria fazê-lo imediatamente.

Em passos largos e decididos, Taehyung se aproximou de Jungkook, tão rapidamente que mal deu-lhe tempo de transformar sua expressão de medo em uma de desespero, e em segundos, míseros segundos, ele estava entre os braços fortes e quentes de Taehyung, tão apertados em seu corpo magro e frágil, gelado e trêmulo, que lhe causou dor, física e emocional. As enormes mãos de Taehyung estavam em suas costas, sobre a blusa fina branca, e as de Jungkook estavam pressionadas juntas em seu próprio peito, meio que distanciando o corpo de Taehyung do seu minimamente, impedindo que seus corações batessem juntos e sincronizados.

Taehyung não iria solta-lo, o aperto era tão necessitado que tirou o fôlego de Jungkook de uma maneira que o fez engasgar audivelmente, seus olhos ardendo pelo arregalo e seu peito doendo pelo susto, seu coração realizava seu desejo de gritar desesperadamente. Após tantos meses se distanciando, ele estava nos braços de Taehyung novamente, e céus, como parecia bom, como aquele calor tão acolhedor era um alívio para si. Mas não foi um abraço conhecido. Jungkook nunca havia sentido aquilo em nenhum abraço com Taehyung antes.

Parecia que entre seus corpos e rodeado por seus braços havia toda a dor, sofrimento e saudade, tudo que sentiram no tempo em que estavam separados, derramando sobre suas cabeças, afundando ainda mais seus pés no chão e comprimindo seus corações juntos em um só punho, o sangue escorrendo por entre os dedos de forma metafórica. Tudo de ruim estava sendo expelido, limpando seus interiores para apenas nutrir-se de boas coisas, sensações felizes e sorrisos cheios.

Em segundos, Taehyung teve seu corpo drenado e reenchido de felicidade e alívio.

E em outros segundos, tudo aquilo se esvaiu novamente, até mesmo mais dolorosamente.

As mãozinhas de Jungkook fizeram pressão em seu peito, fechadas em punho cerrado e o empurrando para longe. Os olhos escuros procuraram por Jungkook, mas tudo que acharam foram olhos vazios e amedrontados, a boca antes rosada e carnuda, agora seca e aberta, ofegos desesperados deixando-a quase que atropelados. Jungkook estava aterrorizado e se abaixando para pegar sua blusa no chão, quase caindo pela falta de força ou pelas pernas trêmulas, ele apenas se encolheu ainda mais nas roupas.

Me deixa ir embora, seus olhos pediam para Taehyung, silenciosamente ao mesmo tempo em que gritavam. Mas Taehyung não iria permitir, não, não após três meses de choro silencioso contra o travesseiro, punhos sangrando de tanto socar a parede inocente ou cordas vocais latejantes ao gritar a plenos pulmões o quanto sentia falta de seu pequeno.

Taehyung não iria permitir que Jungkook fosse embora novamente.

Já com lágrimas descendo por suas bochechas, Taehyung sentia seu corpo quase febril em desespero, Jungkook estava ali em sua frente, para seu alívio, mas o encarava tão amedrontado que o dava ânsias de si mesmo.

- G-gukkie... – saiu como um sussurro desesperado, e de fato era. Jungkook contorceu sua expressão em quase dor física ao observar Taehyung chorando em sua frente e se encolheu ainda mais nas roupas, escondendo seu tronco e braços com a blusa embolada nos dedinhos. Silêncio. – Por favor... por favor, não me deixa, não de novo, por favor...

Taehyung não ligava por estar se humilhando ao implorar daquele jeito, ele só queria Jungkook em seus braços novamente, não igual ao abraço de minutos atrás, aonde parecia que estava segurando apenas o que sobrara de Jungkook e não realmente seu Jungkook. Ele queria o seu Jungkook, o corpo quente, vívido e recheado de animação. Aquele Jungkook. O que estava em sua frente não era Jungkook, nem ao menos se parecia com seu Jungkook.

Seus cabelos estavam ligeiramente maiores e bagunçados como se não tivessem sido penteados há dias ou talvez semanas, davam-no a aparência de ainda mais desleixo, o rosto ossudo e as maçãs do rosto proeminentes o deixavam mais velho, o maxilar tão marcado que parecia afiado igual faca. E um resquício de barba crescia ali, suavemente.

Aqueles olhos claros vazios apenas desviaram para o chão, as costas pressionadas na parede firmemente, como se tentasse ficar o mais longe de Taehyung possível, e negando com a cabeça, os pelos arrepiados em medo, Jungkook apenas engoliu o gosto de bile amargamente.

- Você não pode fazer isso comigo, e—e—eu não vou te deixar ir, Gukkie, não, não—três meses, três meses inteiros sem saber se—urgh!, se você estava bem, se estava vivo! E agora que está aqui, na minha frente, eu não vou deixar você partir, simplesmente, não, Gukkie, eu não vou.

Taehyung quase se sentiu orgulhoso ao despejar aquelas palavras coerentemente, uma vez que sua mente parecia não funcionar normalmente e seu peito não colaborar com sua respiração falha, suas mãos tremiam e sem saber como ainda estava mantendo-se em pé, ele apenas fitou o corpo à sua frente, desviando o olhar de si e evitando-o.

Alguns minutos se passaram e observando seu peito subir e descer freneticamente, Taehyung pôde perceber Jungkook lentamente acalmando-se, apenas fisicamente pois sua expressão ainda era de puro horror, dor em seu estado mais puro e sólido. E então, o silêncio foi cortado por uma voz tão rouca e tão frágil que Taehyung forçou para escutá-lo com clareza. Mal parecia a voz de Jungkook.

- Me deixa ir. – foi o que ele sibilou, tão incerto e tão receoso que fez Taehyung questionar se ele realmente queria dizer aquilo. Mas tudo em sua linguagem corporal confirmava, seu corpo estava repelindo a presença de Taehyung e isso só o quebrava ainda mais, suas lágrimas já secas e um dormência alarmante nas bochechas com rastros de seu pesar.

- G-gukkie, não, eu—

- Por favorzinho.

E Taehyung jurou que o trovão que estrondou do lado de fora das portas da biblioteca caiu, na verdade, em seu coração. Aquelas duas palavras traziam lembranças tão profundas que quase o derrubaram no chão em fraqueza, atingindo-o tão certeiramente que o causaram dor, o Jungkook em sua frente, o mesmo que proferira aquelas palavras tão importantes, embora, não era seu Jungkook. Elas foram digeridas de forma amarga pelos lábios rachados e secos, os olhos claros apagados apenas complementavam a impressão de que aquele não era Jungkook.

E pela primeira vez desde que ouvira aquelas palavras da boca de Jungkook, Taehyung não o obedeceu.

- Não, Jungkook. Eu já disse, não vou deixa-lo ir embora, não vou deixa-lo. Nunca mais. – e Taehyung tentou transmitir toda sua certeza por meio de suas palavras e olhar, mas parecia que havia um escudo nos olhos claros de Jungkook que impedia que aquilo entrasse em sua mente, as olheiras embaixo de seus olhos apenas confirmando a miserabilidade em que ele se encontrava.

Jungkook estava vazio.

- Me esquece. – após minutos de reflexão, Jungkook murmurou, a voz tão suplicante que Taehyung ofegou. Jungkook estava implorando para ser apagado da vida de Taehyung e isso era triste, no mínimo. Assim que Taehyung abriu a boca para responder, Jungkook continuou, a voz mais firme embora seu corpo estivesse hesitante. – Me esquece. Me deixa viver minha vida em paz e vai viver a sua. Esquece que algum dia me conheceu e que algum dia nos falamos. E-eu não valho a p—Você precisa me esquecer, precisa seguir em frente.

- Mas eu quero te ajud—

- Então me esqueça, me ignore, não olhe na minha cara ou dirija a palavra a mim. Estará me ajudando muito. Só... me esquece. – Jungkook, finalmente, fixou o olhar em Taehyung, e por um segundo, apenas por um flash de segundo, Taehyung pensou ter visto seu Jungkook, o verdadeiro Jungkook refletido ali no claro de seus olhos ao dizer: - Por favor, eu estou implorando, me e-esquece.

A dor na voz de Jungkook fez Taehyung engolir a ânsia que o atingiu ao ter o estômago revirado e gélido. Tão rápido quanto surgiu, seu Jungkook se foi, o claro de seus olhos voltando ao vazio que parecia tão comum agora. Sem reação, sem saber o que pensar ou no que fazer, pego totalmente de surpresa, Taehyung apenas observou Jungkook dar passos receosos, puro medo em seus movimentos e desviar de seu corpo parado no limite do corredor para sumir para fora das prateleiras.

Ele até teria impedido, até teria tocado seu braço e o puxado para seu peito novamente, mas a dor que o consumiu ao ver o medo que Jungkook sentia de si o impediu. Taehyung se policiou de tentar tocar Jungkook naquele momento, vendo-o tão frágil como se estivesse com medo de quebrar sob seu toque.

Ainda fitando a parede aonde, antes, Jungkook estava, Taehyung se viu tremendo, ainda. Seu corpo aliviara em uma tensão que ele mal sabia que estava retendo, os ombros caindo e Nikon pesando em seu pescoço como nunca antes, suas pálpebras abaixaram com o peso dos cílios e suspirando derrotado, Taehyung sentiu-se apagado.

O céu azul havia ido embora novamente, e junto com ele, o sol. E agora, também chovia no interior de Taehyung, um reflexo da chuva de lá fora.

Pronto para ir embora e se afogar em lágrimas, Taehyung teve seu olhar caindo até o chão, para o livro na qual Jungkook estava lendo. Sem saber o porquê aquilo era importante para si, Taehyung se ajoelhou, as pernas trêmulas reclamando do ato, e acolheu entre seus dedos não mais firmes a capa grossa. Sua respiração ficou presa no pulmão ao ler o que estava escrito na capa.

Os Fundamentos da Atuação

Laurence Wayne Irkan

Tomado pela lembrança de quando havia discutido com Jungkook sobre Ryan, como sempre, na época em que ele não acreditava em si, no dia em que derrubou ele de costas no gramado do campo e se sentiu mal, mesmo que Jungkook tivesse provocado. Foi no dia em que Namjoon e Seokjin mentiram sobre Taehyung querer encontrá-lo no campo para aprender a atuar. Taehyung se recordou ainda de estar no corredor com Jungkook pronto para se desculpar (mesmo que não fosse inteiramente sua culpa) e quando viu Jungkook em sua frente perdeu toda a coragem, Taehyung deu meia volta para ir embora mas se arrependeu, querendo mais que tudo ajudar Jungkook na audição e gritou o nome do autor para o mesmo, uma dica sutil de um livro que o ajudaria a aprender a atuar sem sua ajuda, que escondia sua paixão platônica pelo garoto já naquela época. Taehyung desejou voltar àquele dia.

Mas aquilo significava algo, sim?

Significava que Jungkook lembrava-se de Taehyung, que ele estava em sua mente, mesmo que lá no fundo durante todo esse tempo em que esteve afastado, que ele não conseguiu esquecer Taehyung mesmo que pedisse para o mesmo esquecê-lo, que ele ainda mantinha laços dentro de si que remetiam à Taehyung.

Sim?

E isso foi o suficiente para acender a chama da esperança novamente no peito de Taehyung.

A bibliotecária, Dona Esmeralda, o reprovou com o olhar por estar correndo pela biblioteca mas sem se importar, apenas empurrou as portas pesadas novamente e não parou de correr, nem mesmo quando sentiu as gotas grossas de chuva contra seu corpo, sangue corria por suas veias com adrenalina, ele desviava dos guarda-chuvas e das pessoas conforme tentava não escorregar nos paralelepípedos molhados, seus cílios embaçavam sua visão pela abundância de água escorrendo por seu rosto quente em nervosismo e sem saber para onde ir, apenas seguiu seus instintos e virou à direita.

O quão longe Jungkook poderia ter ido naqueles minutos?

Bem, Taehyung era o quarterback dos Wolves, andou treinando incessantemente para ocupar sua cabeça e sempre foi um ótimo corredor. Mesmo com o chão molhado, as botas encharcadas e os cabelos longos grudando em sua nuca e têmporas, ele apenas continuou correndo sem se importar.

E viu o corpo pequeno e frágil andando quase que lentamente à poucos metros à sua frente, já vestido com a jaqueta que carregava e já encharcado, a calça jeans clara completamente escura de água e parecendo pesada, os All-Stars sendo arrastados no chão molhado, sem evitar poça alguma, como se quisesse pisar na água imprudentemente.

Em segundos Taehyung já estava próximo de si, a respiração ofegante e o coração acelerado. Jungkook pareceu tão perdido em pensamentos que não percebeu a aproximação e com uma linha rígida entre as sobrancelhas, lábios inchados como se os tivesse mordido e bochechas coradas levemente, assim como o nariz, ele aparentava estar chorando. Tão baixinho e tão suavemente, como se não tivesse forças, que Taehyung mal percebeu, as lágrimas misturando-se com gotas de chuva.

- Jungkook! – sem conseguir ser suave na fala, tão atônito por ter percebido que Jungkook seguira seu conselho de muito tempo atrás, meses, e sobre atuação, um tópico complicado para ele, Taehyung assustou o menor mais uma vez, recebendo um olhar aterrorizado e sendo distanciado por alguns passos para o lado ao que Jungkook pulou de susto. Taehyung ignorou o vazio de seus olhos, mesmo sendo uma tarefa muito difícil, e apenas tentou regularizar a respiração, o corpo tão quente que mal sentia o vento cortante e as gotas geladas de chuva que caíam sobre si. – Ei, hm, er... – Taehyung não pensara que encontraria Jungkook. Quais eram as chances, sim? E sem saber o que falar, apenas disse exasperado, com medo de perde-lo de novo: – Vai ao jogo quarta, sim? Vamos jogar contra os Black Panthers e estamos presunçosos.

Jungkook pareceu travar por um segundo, o olhar fixo em Taehyung mas vagando por qualquer outra coisa enquanto tremia de frio embaixo da chuva grossa. Naquele momento, o céu cinza parecia conter mais claridade que seus olhos. Mas Taehyung pôde ver, por apenas um segundo, igual na biblioteca, o claro intenso de novo. Ele hesitou, esperança aflorou em seus olhos claros e logo se esvaiu, mas Taehyung sabia que ela estava ali.

Ainda havia esperança dentro de Jungkook.

Ele não respondeu seu convite. Taehyung o deixou correr para longe, o corpo alto e esguio parado na chuva enquanto observava seu pequeno se afastando de si novamente. Sem saber como reagir, apenas se contentou com a presença de Jungkook naquele dia, depois de meses sem vê-lo. Não estava inteiramente feliz, uma vez que ele estava parecendo diferente, parecendo amedrontado demais para ser o Jungkook que conhecia, mas ao menos estava ali.

Foi tudo que Taehyung pediu quando ergueu o queixo para cima e fechou os olhos para o céu turbulento e escuro. Conforme as gotas de chuva caíam por suas bochechas, se pegou sussurrando entre as respirações ofegantes. A partir daquele momento, seria só ele e o céu, implorando para que o claro retorne, para que o sol tenha lugar aonde brilhar.

Para que Jungkook volte.

Aquele rapaz de olhos vazios no corpo magro e fraco não era Jungkook.

Taehyung queria que Jungkook voltasse.

Seu Jungkook.

"Nós tentamos esconder nossos sentimentos mas esquecemos que nossos olhos falam." - Desconhecido.

:)

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