OMUBI

      "Omubi, que significa o perverso, não tem compaixão de ninguém. A maldade, alimenta sua existência."
Livro do Centurião, página 3, verso de número 13, parte B.

          O pastor está parado em frente à janela do quarto, de um motel beira de estrada. Ele, olhando para o céu, observa os relâmpagos que cruzam de um lado para o outro. Deverá começar a chover em poucos minutos.

As cortinas vermelhas, sem blackout, fazem um contraponto no quarto de alcatifa preta e paredes pintadas com um marrom desbotado. Deixando de mirar através da janela, o pastor da igreja "Os Ressurretos" olha para a mulher nua deitada na cama.

— A noite estava tão bonita... não foi mesmo? Agora, os raios cruzam os céus para todo o lado. — O pastor volta sua atenção para o mundo lá fora — Anunciando que vem uma tempestade.

— Você não tem vergonha do que faz? — Pergunta a mulher nua, sem arrodeio, que agora senta-se na borda da cama, e abraçando suas pernas espera a resposta.

— Vergonha? De quê?

— Ora, pastor, de mentir e roubar os seus fiéis. O senhor acha correto, pregar sobre a promiscuidade no culto da noite, e passadas duas horas, encontrar-se com sua futura ovelha num motel beira de estrada qualquer? Você bem que poderia ter me levado para um lugar melhor. — A mulher, ao terminar de falar, passa o olho em todo o quarto... piso e teto; portas e janela — Aqui nem aquelas geladeirinhas com bebida tem.

— Falando nisso, como foi a pregação? Foi sua primeira vez lá na congregação?

— Sim! Foi minha primeira vez e você mandou super bem. Como consegue chorar? O choro é real ou é faz de conta?

— O espelho.

— O espelho? Como assim? — O pastor sai da janela e puxando a cadeira, se senta ao lado da mesa próxima a porta.

— Certa vez, logo quando comecei a igreja, eu li numa revista que os atores e atrizes fazem o exercício do espelho. Eles, em frente do espelho, começam a simular que estão alegres, tristes... trabalham as expressões faciais e a voz. E por aí vai... entendeu?

— Então o choro era de mentira? — A mulher pergunta sorrindo — Que coisa maravilhosa e ao mesmo tempo horrível,
pastor.

— Minha cara, eu precisava fazer um Up grade na minha carreira. Antes disso, minhas pregações eram batidas. Mortas. Iguais. Depois que aprendi a chorar e a mexer com as emoções da plateia, não faltou mais dinheiro no meu bolso. — O pastor responde com um olhar cínico —  Lembre-se! Todo o dia sai um tolo e um esperto de casa, e eu... não serei o otário.

— Sim. Faz sentido essa sua última frase, mas, sinto uma perversão nata em você. — A mulher encosta-se na grade da cama.

— Isso não é perversão, é sobrevivência. — O pastor pisca um dos olhos para a meretriz.

— Só falta você me dizer, que eu fui a primeira mulher a ser trazida aqui.

— Lógico que não. E você sabe disso. Mas, ainda não tive uma trepada igual à que tive hoje, com você. Puta merda... a senhora fode muito. É uma pena.

— É uma pena, por quê?

— Por que você poderia trabalhar para mim.

— E como trabalharia para você?

— Simples, tem uns pastores que trago um desafeto, poderia te pagar para seduzi-los. O que acha?

— Tendo dinheiro, que mal tem?

— Essa é minha garota! — O pastor alisa o rosto da prostituta que foi hoje a primeira vez no culto da igreja dele.

— E sua mulher? Nunca desconfia de nada? — O pastor gargalha, ao ouvir a pergunta.

— E ela vai fazer o quê? Perder todo o luxo que dou? Ela sabe... eu fecho os olhos para o que ela faz, e ela fecha os olhos para o que faço. Simples assim. E todos vivemos bem.

— Que mulher maravilhosa ela é!

— Você não imagina o quanto, mas, com certeza ela não é melhor na cama do que você.

— Ah, ah, ah — A mulher gargalhas em pausas —, vai rezando que ofereço. Mas, obrigada. Fico feliz que minha performance tenha sido apreciada. — O pastor se levanta e senta ao lado da mulher na cama. Os dois se deitam abraçados.

Depois de terminarem de admirarem, não sei o quê no teto, o pastor volta ao assunto anterior.

— Minha cara... você não tem ideia de quanto gostei. — Levantando-se, vai até sua valise preta e faz cair sobre a mulher nua, uma chuva de dinheiro. As cédulas de valores variados, vão sendo jogados sobre a mulher, que balança os pés e pernas para cima e abraça as notas contra o peito.

— Isso é maravilhoso! — Berra a mulher — Você é maravilhoso! Amo você!

O pastor, pega um maço de cigarro de dentro do bolso e acende um, e dá uma tragada sem pressa... prolongada. Depois, com os olhos fechados, uma mão na cintura e outra no cigarro, solta a fumaça com desenhos circulares.

— Eu não sou de me gabar o quanto sou bom. É meu dom. Mas, eu sou bom pra caralho, no que faço. — O pastor finaliza a frase, puxando mais um trago demorado.

— Vendo essa quantidade de dinheiro, em cima de mim, não tenho dúvida disso! Mas, nenhum sentimentalismo, mesmo que barato, por tirar de quem não tem?

— Logico que não. Eu vendo a fé... e não a salvação. Eu produzo a fé nas pessoas!

— Produz a fé? — A mulher pergunta jogando o dinheiro sobre seu corpo.

— Sim. Pense comigo... — O pastor senta novamente ao lado da mulher — você vai na igreja atrás de quê?

— Bem, geralmente as pessoas vão à igreja atrás de salvação... pelo menos, eu fui hoje pensando nisso.

— Não deixa de ser verdade. Mas, a maioria das pessoas vão procurar na minha igreja, o socorro. A salvação dos problemas que cercam a vida delas.

— E isso não está errado.

— E nunca disse que era. Porém, tudo na vida tem seu preço.

— Não entendi, o que isso tem a ver no contexto.

— A minha pergunta é simples. "Quanto vale seu milagre? ". Eu não peço dinheiro, eu ofereço a solução. — O Pastor, encosta-se com as costas na parede.

— Mas, e as pessoas que não conseguem os milagres? Ou seja lá o que elas tenham pedido e não conseguiram... o que você diz para elas?

— Falta de fé. Eu digo que elas não tiveram fé suficientes, ou, estão vivendo em pecado. Uma coisa ou a outra... as vezes as duas.

— Como você pode dizer uma coisa dessas? Como afirmar que não tiveram fé? Ou estão em pecado?

— Minha filha... a fé é que move a montanha do meu dinheiro. Entendeu? Se afirmo que você não teve fé, e por isso não recebeu pelo que ofertou, logo...

— O dinheiro que dei... foi pouco. E com isso, eles te darão mais dinheiro, pelo que desejam alcançar. — Completa a mulher que novamente senta-se na cama, em cima das notas com Garoupa, onça pintada, Garça-branca-grande, Mico-leão-dourado e Arara-vermelha. Todas espalhadas.

— E se não conseguem... a culpa é deles. Não é minha, nem da minha oração, e nem tão pouco do pacto..., mas, será unicamente e exclusivamente deles!

— Igual a Caim e Abel? — Pergunta a mulher.

— Exato! Deus recebeu a oferta de um, mas não quis a do outro! Bem assim mesmo.

— Mas, por que será que Deus não aceitou a oferta de Caim?

— E eu sei. Não estava lá! — O pastor gargalha — Às vezes, quando o dinheiro não chega, falo sobre o rico e Lázaro. O rico por ser rico, foi para o inferno..., mas, o pobre... o pobre não. Lázaro, foi para o céu porque acreditou e deu tudo o que tinha!

— Mas, você sabe que o sentido desse texto é outro! A parábola não está afirmando isso.

— Eu sei que a parábola não ensina isso. Mas, as pessoas precisam de estímulos para meterem a mão nos bolsos e doarem. E quanto mais necessitado, mais crédulo! E isso é ótimo, quando se vive num país de miseráveis.

— Você realmente é muito bom no que faz. O melhor. A sua maldade não tem limites?

— E quando as pessoas, mesmo escutando tudo isso não ofertam? — O pastor acende outro cigarro.

— O que você faz, seu degenerado que estou amando tanto?

— Aí faço uma pregação mais agressiva. Sete semanas da casa própria... ou, A sexta-feira do empresário... e por aí vai. E se essas coisas não funcionarem, aí vai o pulo do gato.

— Como assim?

— Eu pago.

— Paga? Como assim? Paga o quê?

— Eu tenho um grupo de atores, que pago para eles serem curados. — O pastor faz os sinais de aspas, com os dedos indicadores e maior de todos, ao dizer curados. A mulher o acompanha na risada.

— Então, aqueles homens e mulheres jogando as muletas hoje, são pagos?

— Sim! Mas, diga-me... qual o detalhe que você viu hoje, e que é mais importante que a cura? O que vai ficar cravado na mente deles?

— Se me lembro bem, quando você os chama para receber a cura... — A prostituta arregala os olhos — não é possível! Eles primeiro colocam o dinheiro na bandeja de prata, e depois de receberem a oração... eles largam as cadeiras de rodas ou muletas.

— Exato! Entendeu a lógica? Capitou o que fica cravado na mente dos otários? Primeiro tem que dar, depois..., vamos ver se tem fé para receber o milagre. — O pastor solta uma baforada do cigarro para cima. — Mas, geralmente faço isso no mês que quero bater uma meta que ainda não alcancei.

— Você é perverso! — A mulher, pede um cigarro estendendo a mão direita. O pastor, bate com o maço nos dedos, deixando um cigarro mais proeminente.

— Sim, eu sou. Mas, nesse mundo quem, não é?

— Tem muitas pessoas que não são.

— Você acha isso mesmo?

— Eu tenho certeza.

— Se você está dizendo... quem sou eu para dizer o contrário.

— Não acredito que sempre foi assim? Mau... perverso.

— Obrigado pelos elogios. Mas, acredite... não fico ofendido.

— Você não sente compaixão dos pais, que deixam seus filhos com fome, para te darem dinheiro?

— Eu os obrigo a fazerem o que não querem? Não, minha cara... eu não obrigo ninguém. Agora, me responda uma pergunta... e quando eles gastam o dinheiro deles contigo? Haja vista, você é uma puta cara.

A mulher, puxa um trago demorado. Olha com satisfação para o pastor. E de fato ele não está mentindo, pensa ela. Mas, tem uma enorme diferença nas situações... e isso ela também sabe.

— Eu não engano as pessoas. As pessoas me pagam para sentirem prazer... e eu entrego pelo que sou paga, não é mesmo pastor? Você se arrepende de ter pago pelos meus serviços? Sei que não.

O pastor, beija a mulher sorrindo.

— O dinheiro que te paguei, foi muito bem pago. — Dito isso, o homem segue para o banheiro. Sem demorar muito, o som da água caindo do chuveiro é ouvida. A fumaça da água quente, logo preenche todo o banheiro. O pastor escuta a porta do banheiro se abrindo e a sombra da mulher aparecendo em meio a fumaça.

Os dois fazem sexo novamente.

— Você vale cada tostão. — A frase sai trancada entres os dentes serrados, ditos na volúpia. No tesão.

Depois do sexo, o pastor sai do banheiro e deixa a mulher tomando o banho dela. Cata as notas de cima da cama e as guardam dentro da valise.

— Domingo vou novamente assisti seu culto. Não é assim que se fala? — Fala a mulher parada na porta do banheiro.

— Sim. É assim mesmo. — O pastor limita-se a responder o que foi perguntando — Tome. — Pegando uma quantidade de dinheiro, o pastor oferece com a mão esquerda.

Assim que a mulher pega o dinheiro, o pastor a puxa para perto de si, e com os corpos colados ele diz:

— Que a mão esquerda, não saiba o que deu a direita. — Ao terminar a frase, o pastor enfia uma faca na altura do umbigo da mulher, e sobe rasgando-a pelo meio.

Ela, segura-o com força pelos ombros, ainda procurando entender o que está acontecendo

— É uma pena ter que matar você. Eu estou sentindo mesmo... de verdade, mas, você perguntou muito. Sabe muito. E não posso deixa-la andando por aí, sabendo tudo contei.

O corpo da mulher, quase sem vida, baqueia o chão alcatifado do motel. O pastor, limpa a faca no meio das coxas abertas da prostituta.

Do bolso direito da sua calça social, o pastor tira uma peça de cerâmica redonda, que parece um totem.

De um lado, há umas inscrições. E no outro lado, uma face de um demônio desfigurada... tendo um olho e a boca carcomida.

— Olhe para essa figura. — Fala o pastor, ajoelhando-se ao lado da mulher que sangra deitada no chão e mostrando o amuleto — Omubi. O nome dele é Omubi, o maligno. Pode ser chamado de o perverso também, mas, ele é adorado por todos aqueles que seguem suas leis. E sabe quais são, essas leis? — O homem aproxima o totem do rosto da mulher — As leis da maldade. Sabe, eu poderia deixar você viver... mas decidi que não. — Sentando ao lado da mulher que cospe sangue, ele continua — Eu vivo a vida como a quero. Pego o dinheiro de quem quero e quando quero.

Procurando o maço de cigarro nos bolsos, o pastor se lembra que guardou dentro do bolso interno do paletó. Ele, levanta-se, pega um cigarro e acende.

— Você... é, um demônio. — Fala a mulher quase desfalecida.

— Sim! Eu sou Omubi! Mas, entenda que ser Omubi, é um conceito. E quem primeiro entendeu esse conceito foi nosso pai... Caim, o filho da maldade. O primeiro Omubi.

O pastor se levanta e começa a falar:

"Não como Caim, que era do Maligno, e matou seu irmão. E por que causa o matou? Porque as suas obras eram más...". Entendeu a conexão? Ele não foi o primeiro porque o mal entrou nele, mas, ele foi o primeiro Omubi, porque era mau!

— Você... está perdendo... — A mulher, não consegue concluir a frase.

— O que você falou? — O pastor pergunta caçoando e continua — Fala mais alto!

— Tempo... me explicando, isso? Por que?

— Ora bolas, porque amo minha voz e também porque faz parte da cerimônia... um Omubi, não deixa sua oferenda na escuridão do conhecimento. Ou você acha que Caim, não falou para Abel o porquê dele está sendo morto?

Abaixando-se sobre o corpo quase sem vida, o pastor banha o totem com o sangue da prostituta. A cerâmica, não demora muito e fica seca. Absorveu todo o líquido vital em que fora banhado.

O olho esquerdo da criatura, toma uma cor vermelha com fogo e a boca deformada, abre-se colocando todos os dentes para fora, deformando as maças estragadas da face do totem.

O pastor sorrindo beija seu amuleto, guardando-o no bolso faz uma ligação para a recepção do motel.

— Eu estou indo embora. Vou para casa. E não esqueçam de passarem aqui no quarto e se livrarem do corpo. Agora, não tão perto daqui, como fizeram da outra vez. Entenderam? Fui claro? Ótimo! Uma excelente noite para vocês.

O pastor, apaga a luz do quarto e bate a porta assim que sai.

FIM

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