Capítulo 9 - Perfeito desconhecido
Você não tem que acreditar em mim
Mas é a forma que eu vejo
A próxima vez que você me apontar um dedo
Eu poderei dobrá-lo
Ou quebrá-lo, arrancá-lo fora
A próxima vez que você me apontar um dedo
Eu vou te colocar em frente a um espelho
...
Se você está brincando de ser Deus
Então nós devíamos nos aproximar mais
Porque deve ser bem solitário
Ser o único a ser santo
(Playing God - Paramore)
🍂
Era sábado e eu só pensava em como havia me metido naquela atribulada situação. A afinidade e a atração física que existia entre Anthony e eu era inegável, ele era o dono de todos os meus pensamentos e a noite de sexo que tivemos não saía de minha mente, mas a probabilidade de ele ser meu stalker era gigantesca e isso eu não podia negar nem à mim mesma.
Mesmo assim, não fui capaz de desmarcar o compromisso que firmamos na noite em que jantamos juntos. Ele levaria Lizzie e eu ao cinema e eu estaria pondo minha filha em contato com um homem que poderia estar obcecado por mim.
Mas pensando bem, se ele for o stalker, já deve conhecer Lizzie pelas fotos que haviam em meu aparelho celular roubado e seria muita estupidez de sua parte ter me mostrado como impedí-lo de continuar acessando meus dados através da nuvem.
Nos falamos por telefone todos os dias dessa semana e ele me conquista mais a cada palavra, cada história contada sobre sua família e relacionamentos passados que não deram certo. Nós temos muita coisa em comum e as particularidades de cada um faz com que a conexão se torne ainda mais intensa.
Já sofri muito, assim como Anthony e estou calejada, mesmo sentindo algo forte por ele e não podendo explicar nem à mim mesma o que isso tudo significa, sei que o tombo pode ser grande, caso ele não seja o homem que eu imagino.
Sem falar que o temor causado pelos últimos acontecimentos envolvendo o tal stalker tem me deixado apavorada, mas não sou mais aquela mulher fraca que deixava Tyler mandar em minha vida, sou forte e buscarei coragem no meu mais profundo interior para proteger à mim e minha filha desse tresloucado que vem me assediando.
E querem saber qual foi a minha maior burrada dos últimos dias? Aceitar o convite para jantar de Scott. Eu sei, eu sei, ele foi um canalha me tratando com total desprezo durante o tempo que trabalho em sua empresa, mas por outro lado, eu não fui a melhor das pessoas para com ele também. Acredito que será melhor para nós dois continuarmos trabalhando juntos se nossas diferenças do passado forem todas resolvidas.
Se tenho sentimentos por King? Nem eu mesma sei. O homem com quem namorei era divertido, romântico, sonhador e não média esforço para me ver feliz, mas esse que me humilha e vive como se o mundo todo lhe pertencesse, eu desconheço e sinto náuseas só de pensar que um dia entreguei meu coração à ele.
Sei que a maior parte da culpa em ele ter se transformado nessa personificação do diabo é minha. Deixei Scott por medo de começar uma vida junto a alguém tão diferente de mim. Ele sempre foi um homem rico, que usufruía dos melhores restaurantes, carros de luxo e viagens caras para lugares que eu nem ao menos tinha conhecimento da existência, eu por outro lado, sempre me contentei com Salt Lake Tahoe e uma vida simples e pacata.
Você deve estar me achando insana por preferir viver de migalhas quando podia ter o mundo aos meus pés, mas para uma adolescente humilde, que acabava de se formar no ensino médio, ser pedida em casamento pelo cara mais popular e rico da escola é apavorante. Disse não à Scott, mas eu o amava, queria continuar o namoro e ver até onde ele podia nos levar, mas ele não interpretou dessa forma e o fim entre nós foi impreterível.
Quando conheci Tyler e engravidei de Lizzie, o casamento foi a única solução viável, o que deixou King enfurecido e o tornou essa pessoa amargurada e impenetrável. Se pudesse voltar atrás, teria feito outra escolha, mas hoje, não posso dizer que me arrependo de nada, pois minha filha é meu maior presente e o troféu ao fim de todas as adversidades que passei ao lado de meu ex marido.
Se Scott pretende mesmo me reconquistar, nosso jantar com certeza terminará em briga e eu terei de procurar um novo emprego, pois não posso mais suportar a forma ríspida e injusta com que ele me trata, mas se estiver mesmo arrependido e disposto a mudar sua forma de ver o mundo e ser mais gentil com as pessoas que o cercam, talvez precise de meu perdão para dar um incentivo.
Depois do café da manhã, Lizzie e eu saímos para fazer compras e depois fomos almoçar com Emma e meus pais, em um pequeno e aconchegante restaurante próximo à onde eles moravam. Foi uma manhã bem proveitosa e a companhia de minha família sempre me faz bem.
Havíamos combinado que Anthony viria nos buscar por volta das quatro horas da tarde. Como ainda era cedo, após o almoço, voltamos para casa e Lizzie foi assistir desenhos em seu quarto, enquanto eu relaxava na banheira. Após tirar toda a tensão da semana, resolvi começar a me arrumar para o encontro.
Vesti algo confortável, já que precisaria cuidar de Lizzie e um visual mais complexo me limitaria. Escolhi uma blusa branca, um short jeans e um blazer azul claro, para finalizar, calcei minhas sapatilhas de tom salmão e coloquei meus brincos de prata, presente de aniversário dos meus colegas de trabalho.
Me maquiei rapidamente, apenas para ficar com uma aparência saudável e prendi os cabelos em um frouxo rabo de cavalo. Assim que finalizei minha produção, fui até o quarto de Lizzie, à ajudei a escolher uma roupa e trancei seu cabelo como ela mais gostava de usá-lo.
Assim que nos aprontamos, notei que faltavam poucos minutos para a chegada de Anthony e como o mesmo era sempre tão pontual, achei por bem descer e esperá-lo no andar de baixo.
Nem bem nos sentamos em frente a tv, quando a campainha tocou. Respirei fundo e abri a porta para recebê-lo.
- Nossa, você está linda! - disse ele assim que pôs os olhos em mim, adentrando minha casa pelo espaço que lhe concedi - E essa deve ser Lizzie. Acertei?
Minha filha o avaliou curiosamente, deixando transparecer o quão envergonhada estava por conhecê-lo.
- É sim - pisquei para ela - Querida, esse é Anthony, o amigo de quem a mamãe falou. Cumprimente-o!
Ela, ainda acanhada, estendeu a mão na direção dele, que por sua vez, beijou-lhe os pequenos dedinhos, como os cavalheiros cortejavam as damas em romances antigos - É um enorme prazer conhecê-la, princesa Liz!
Os lábios de Lizzie se abriram em um encantador sorriso. Anthony, com seu jeito doce, havia conquistado a confiança de minha menina. Sua fascinação por contos de fadas à fazia sonhar em ser também uma princesa e ao chamá-la assim, Anthony conseguiu sua empatia rapidamente.
Não era possível que ele fosse meu stalker. Era um homem tão perspicaz, culto e interessante, além de ter uma amorosidade difícil de ser encontrada nos homens hoje em dia.
Tenho total conhecimento de que psicopatas são bastante atraentes, sedutores e dominam a arte de iludir e manipular com maestria, mas não vejo Anthony sendo assim.
- Vamos? - disse ele, acordando-me de meus devaneios.
Peguei minha bolsa, as chaves de sobre o móvel e assenti - Sim. Senão iremos acabar perdendo a sessão.
Fiquei espantada com o fato de Anthony ter lembrado de que Lizzie ainda é pequena e necessita de assento infantil e mais ainda por ele ter um a sua disposição.
- Você disse que não tinha filhos, então suponho que esse assessório não te pertença, estou certa? - arrisquei.
- Supôs bem - sorriu, ajudando minha filha a se acomodar no veículo - Tenho um sobrinho de quatro anos, filho de minha irmã caçula. Além de tio, sou padrinho então, sempre que possível, levo ele para dar uma volta.
Era tão altruísta, tão abnegado, mal parecia real - Qual o nome dele?
- Brandon! - disse, afirmando o cinto em volta da cintura de Lizzie - Quem sabe na próxima vez eu o traga junto em nosso passeio. O que acha? - sorriu, direcionando seu olhar para minha filha - Você gostaria disso, princesa?
Lizzie devolveu-lhe o gesto, olhando para mim em seguida - Posso, mamãe?
- É claro que sim - confirmei - Mas agora chega de conversa e vamos ver logo esse filme!
Anthony bateu a porta no lado de Lizzie, abrindo a outra para que eu adentrasse, entrou pelo lado do motorista e deu partida no veículo - Falando nisso, que filme iremos assistir?
Lizzie encolheu os ombros - Mamãe?
Sorri sem saber bem o que dizer. É difícil achar algo para assistir ao lado de uma criança, principalmente quando se está conhecendo um homem, como eu estou fazendo com Anthony.
- Acho que Lizzie deveria escolher - disse ele, lançando-me um olhar cúmplice.
- Concordo plenamente! - completei.
Minha menina vibrou com a missão dada à ela e com sua indecisão diante de tantas novas animações, seguimos para o nosso passeio.
Ao deixarmos o estacionamento do shopping onde se localizam as salas de cinema, Lizzie decidiu que veríamos O Grinch, filme que veio à calhar, já que estamos bem nessa época do ano.
Compramos pipocas, doces e refrigerantes. Anthony fez questão de arcar com os custos, o que não me deixava nenhum um pouco à vontade, mas decidi não ir de contra à sua gentileza, já que era apenas o nosso segundo encontro e Lizzie estava extremamente contente com o passeio.
A animação, baseada no conto Como o Grinch roubou o Natal de 1957, escrito por Dr. Seuss, criticando o capitalismo que cerca a data, foi feito de maneira sublime, trazendo um monstrinho verde bem mais fofinho e humano do que o assustador Grinch do live action estrelado por Jim Carrey.
No entanto, ao longo da história, o Grinch rabugento, que odeia o Natal e faz de tudo para estragá-lo, movido pelo espírito solidário da pequena Cindy, vai dando lugar a um que demonstra suas emoções com mais facilidade e consegue entender o real sentido do Natal.
É realmente um ótimo filme, nos prendeu do início ao fim e me tocou profundamente, já que o espírito natalino aos poucos vai perdendo o sentido, vai sendo deixado de lado depois que crescemos e perdemos, inevitavelmente, a pureza e a inocência de quando éramos crianças.
Saímos do cinema e Lizzie parecia encantada com sua nova descoberta. Pediu-me que desse à ela o livro que contém a história original e quer também assistir ao filme antigo. Deus, por que tive que dar essas informações à ela?
- Sabe, acho que tem um exemplar desse livro na biblioteca da delegacia - disse Anthony à Lizzie.
- Tem biblioteca na sua delegacia? - indaguei sarcasticamente - E com livros infantis?
- É que atendemos muitas mães com filhos pequenos, em ocorrências de violência doméstica e casos de agregação à menores, então fizemos um mutirão e arrecadamos da guarnição alguns volumes infantis pra deixar as crianças mais à vontade no âmbito policial.
- Isso é muito atencioso da parte de vocês - elogiei.
- Você gostaria que eu trouxesse ele para você ler, Lizzie?
- Sim! - gritou ela, animadamente, soltando-se de mim e pegando na mão de Anthony - Obrigada... Ham, você é muito legal, tio Anthony.
- É, mas depois que a mamãe ler ele pra você, temos que devolvê-lo, pra que mais crianças possam conhecer o Grinch, tá filha?
Ela maneou a cabeça positivamente, ainda segurando na mão de Anthony.
Ele então abaixou-se em meio ao corredor do shopping e a ergueu em seus braços - E agora vamos tomar um Sunday com muita calma de chocolate e todos os confeito que essa princesa merece.
Era tão adorável vê-lo lidar com minha filha daquela forma, saber que ela estava feliz e confortável com aquela situação, que a imagem que Henry havia instaurado em minha mente, fazendo crer que Anthony era meu stalker, aos poucos ia se dizimando e a vontade de encontrar com Scott mais tarde, me parecia cada vez mais absurda.
Estaria eu diante de um homem perfeito? Não seria tão fácil me convencer inteiramente disso, embora eu houvesse baixado um pouco a guarda, meu instinto protetor de mãe estava ligado, sempre alerta e a qualquer sinal negativo que eu pudesse perceber vindo dele, as coisas mudariam de figura. Eu não deixaria que alguém fizesse mal à ela, nem que para isso eu tivesse que mover céus e terra.
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