Capítulo 5 - Fragmentos do passado
Venha como você é, como você era
Como eu quero que você seja
Como um amigo, como um amigo
Como um velho inimigo
...
Leve o seu tempo, se apresse
A escolha é sua, não se atrase
Tire um descanso, como um amigo
Como uma antiga memória
(Come As You Are - Nirvana)
🍂
Aflita e em pânico, procurei algo com o que pudesse me defender, temendo que o invasor ainda estivesse na casa. Peguei o taco de hóquei que Tyler havia esquecido durante a mudança e corri até o quarto de Lizzie, preocupada, achando que ela poderia estar correndo algum risco, mas ao adentrar o cômodo, notei que ela escovava os dentes, já vestindo seu pijama de costume.
Suspirei aliviada. Mas precisava me certificar de que a casa estava mesmo segura, fechei a porta do quarto, para mantê-la à salvo lá dentro, então desci novamente, tranquei todas as portas e janelas e ainda de posse do taco, verifiquei os outros cômodos da casa.
Nada parecia ter sido mexido, exceto por meu laptop que eu poderia jurar ter deixado fechado antes de sair. Devo estar chegando num estágio avançado de loucura, só pode. Me desesperando à toa desse jeito.
Li uma história para Lizzie dormir, mas dessa vez ela não falava de princesas. O livro escolhido foi O Mágico de Oz e Lizzie agora quer ser como a heroína Dorothy Gale, pois segundo ela, a mesma tem um coração bondoso e faz de tudo para ajudar os amigos. É, minha bebê parece estar crescendo.
Fui para meu quarto afim de ler alguma coisa, mas não consegui me concentrar. A forma como deixei o laptop até poderia ter sido diferente, não me recordava com precisão, agora as luzes e a porta, tenho certeza absoluta da forma que as deixei.
Adormeci em meio a pensamentos um tanto quanto perturbadores.
🍂🍂🍂
- Lizzie querida, está na hora de levantar. A mamãe tem muita coisa pra resolver hoje e a tia Emma vai te levar para a escola.
- Podemos fazer panquecas? - Indagou a pequena, ainda se espreguiçando sobre a cama.
Sorri com sua pergunta cheia de segundas intenções. Lizzie sabe que só faço panquecas aos sábados, quando temos tempo de comer tranquilamente e ultimamente, tem odiado ir para a escola. Os coleguinhas zombam dela, por causa das sardas e do cabelo ruivo. Por sorte ela fez uma amiga, Nora Wells a filha do diretor, logo uma protege a outra e eu fico mais tranquila em deixá-la em meios os lobos. Crianças podem ser perversas.
- Você sabe que a mamãe tem que trabalhar. Não sabe? - afaguei seu rosto com carinho - Mas eu prometo que vou te buscar na saída da escola e faremos suas panquecas com muita calda de chocolate.
- Está bem, mamãe! - Lizzie deixou a cama e logo estava vestida e pronta, à espera de Emma.
As duas seguiram para o colégio e eu fiz tudo o que Scott havia pedido, antes de, por fim, dirigir até o escritório e começar meu turno. Não queria dar motivos para que ele me criticasse, logo pela manhã.
Assim que cheguei, fui recepcionada por Hannah, que como de costume, bebia seu café despreocupadamente na cantina.
- E aí, como foi a noite? - indaguei.
- Ótima! - ela abriu-me um belo e largo sorriso, mas logo em seguida o escondeu - Pena que hoje é o último dia do Steve em Salt Lake.
- Não fique assim, amiga - consolei - Quem sabe ele volta? Ou você pode visitá-lo nas férias.
Ela sorriu, mas o olhar era tristonho.
- Onde está o Henry - tentei mudar de assunto, vendo que ela poderia começar a chorar em segundos - Não o vi quando cheguei.
- Está na mesa dele - Hannah respondeu - Não sei porque não veio tomar café até agora.
- Vou chamá-lo - Dei de ombros e segui até a mesa de Henry, o mesmo folheava alguns papéis e eu poderia jurar que estava me evitando.
- O que houve com você?
- Oi?
- Eu perguntei o que houve com você. Está esquisito, não foi tomar café e não consegue olhar em meus olhos.
- Desculpa, Sarah. Só estou muito ocupado para conversar hoje.
Desisti de tentar. Não é de hoje que noto que Henry é um pouco excêntrico, tem hábitos nada convencionais e imaturos para sua idade, mas independente de qualquer coisa, ele é uma boa pessoa. Hannah diz que ele nutri uma paixão platônica por mim, mas acho que é só coisa daquela cabecinha de vento mesmo.
Durante toda a manhã, trabalhei em alguns casos específicos de clientes com problemas judiciais envolvendo multas de trânsito e acidentes sem gravidade maior. Scott odeia ter que cuidar desse tipo de causa, então pediu que eu o deixasse à par de tudo antes das audiências. Eu tenho certos conhecimentos advocatícios, já que fiz dois semestres e meio na área do direito, logo após terminar o ensino médio. Nem preciso dizer que tranquei por causa de meu casamento com Tyler. Não é mesmo?
Já que Scott ainda não havia dado às caras no escritório, tomei a liberdade de cobrar alguns clientes e remarcar as visitas agendadas para a parte da manhã.
Hannah estava envolvida em seus papéis, seria uma semana cheia para ela, então quase não conversamos. Henry continuava pensativo e inquieto, o que me deixava estranhamente exaltada. Não gosto de ver meus amigos com problemas e não ser capaz de ajudá-los.
Por volta do meio dia, quando eu já me preparava para ir almoçar, Scott adentrou pela porta do elevador principal. Vestia um terno preto como de costume, mas a gravata vermelha era novidade para mim. Ele detesta cores vibrantes, sempre escolhe as de tom mais neutro.
- Bom dia, senhorita McKay - cumprimentou sorrindo, o que era utópico por parte dele - Senhor Davis, senhorita Simons - acenou com a cabeça para meus companheiros.
"Já chega! Agora passou dos limites. Isso é alguma pegadinha?" Pensei.
- Bom dia, senhor King! - responderam em uníssono. Eu limitei-me a calar.
- Senhorita McKay, pode por favor me acompanhar até minha sala?
"Pronto! Acabou a farsa. Lá vem a desmoralização e os insultos infundados."
- Com prazer, senhor King!
Adentrei seu covil esperando ser açoitada com palavras de baixo calão, mas ao invés disso, Scott me surpreendeu com algo completamente diferente do que eu estava acostumada a receber dele.
- Feliz aniversário, Sarah - me entregou uma pequena caixa de uma joalheria extremamente cara da região - Espero que goste. Eu mesmo que escolhi.
Acredito, ou melhor tenho certeza de que ele diz a verdade, já que sou eu quem sempre compra os presentes que Scott oferta aos clientes e até mesmo as suas namoradas.
- Eu queria ter entregue na boate, mas acabei me atrasando aqui no escritório e quando consegui chegar até a Village Club, a parte superior já estava quase vazia, eu tentei...
- Espera! - o interrompi - Como sabia que eu estava na boate sábado à noite?
- Emma me convidou - disse ele constrangido - Pensei que soubesse.
- Se você estava lá, por que não falou comigo? - aquela história não fazia o menor sentido.
Ele coçou a cabeça - Eu vi você conversando com um cara perto do bar, no andar de baixo, não encontrei Emma e então resolvi ir embora - sorriu sem jeito - Mas... Você não vai abrir seu presente?
Abri a caixa vermelha aveludada e me deparei com um lindo bracelete, confeccionado em ouro rosé e seis pontos de diamante brown. Uma jóia linda, mas também muito cara, sem dúvidas.
- É lindo, mas não posso aceitar, Scott - fechei a embalagem e estiquei a mão para que ele pegasse de volta - Isso deve ter custado mais do que o meu carro.
- Eu insisto, Sarah! - ele recusou-se a pegar a caixa - Veja isso como um sincero pedido de desculpas por tudo que te fiz passar nesse último ano. Sei que fui um canalha, tentando me vingar por ter sido trocado por aquele vendedor de leite sem nenhuma formação.
- Scott...
- Não precisa dizer nada, "ma belle". Só aceite o presente, comprei especialmente pra você.
Ouvir Scott usar meu antigo apelido fez meu corpo estremecer. Quando namorávamos, em nossa formatura de ensino médio, os pais dele nos presentearam com uma viajem à França, que tive sérios problemas para convencer meus a me deixarem ir. Desde então, Scott passou a me chamar de "ma belle", que em francês significa "minha bela". Confesso que senti saudades disso por um bom tempo, depois que rompemos.
Como sabia que seria impossível convencê-lo a pegar a jóia de volta, resolvi aceitá-la. Afinal, somente uma completa maluca recusaria um presente tão lindo e caro como aquele.
Quando eu já me retirava da sala, Scott chamou-me a atenção - Ah... Sarah, tire o resto do dia de folga, eu ando exigindo muito de você e acho que merece um descanso.
"Gente, o que está acontecendo com esse homem hoje? Mergulhou na fonte da boa vontade e gentileza. Foi? O que será que está querendo de mim?"
Deixei a sala de Scott , me despedi de Hannah e Henry, juntei minhas coisas e segui até o estacionamento, antes que meu chefe mudasse de ideia quanto a minha folga.
Adentrei meu carro e mandei uma foto de meu mais novo adereço para Emma:
- Obrigada por não me avisar que tinha convidado o Scott pra festa.
- Você sabe que essa jóia caríssima é minha, por direito. Não sabe?
- Vai sonhando, irmãzinha!
Depois do envio de centenas de emojis aleatório de Emma, liguei o carro e fui para casa animada. Almocei e ajeitei algumas coisas que ficaram pendentes desde de sexta-feira, como a limpeza da casa e do Jardim, depois busquei Lizzie mais cedo na escola e fizemos juntas as tão desejadas panquecas.
Enquanto jantávamos, recebi uma mensagem de texto:
- Não queria parecer carente ou pegajoso demais, por isso lhe dei um dia pra organizar melhor sua concepção sobre mim. Mas o que acha de sairmos para jantar amanhã à noite?
Anthony
Sorri sem notar. Demorei um pouco para responder, pois mal podia crer que o meu interesse por ele era mútuo. Era difícil assimilar o fato de não lembrar como as coisas haviam terminado naquele noite. Como eu dera meu número de telefone e o endereço de minha casa à um total desconhecido?
- Marcado! - respondi.
- Te pego as oito?
- Perfeito! Vista algo sexy - arrisquei dizer. Para não parecer tão fria e nem tão desesperada, o humor é a melhor saída.
- Vista algo fácil de tirar.
Esse homem vai acabar me enlouquecendo.
- Quem era, mamãe? - Lizzie quis saber.
- Um amigo, querida! Agora termine de comer e escolha um filme para vermos juntinhas. O que acha?
- Pode ser A Bela e a Fera?
- Claro que sim, meu bem! - sei o quanto ela gosta de dançar e cantar junto com os musicais do filme e eu adoro vê-la se divertindo.
- Yupi! - Lizzie ergueu-se e deu um pequeno pulinho contagiando todo o cômodo com sua alegria inocentemente infantil.
Enquanto eu assistia a meu próprio filme de amor incondicional, vendo minha pequena se alimentando, com os olhinhos brilhantes e iluminados de felicidade, meu celular recebia outra mensagem de texto:
- Sei que ganhou um presente caro hoje, Sarah. Eu, infelizmente, não posso dar-lhe o mesmo. O meu é simples, mas dado de todo o coração. Feliz aniversário atrasado.
A
Seria "anônimo"?
No mesmo instante em que eu terminava de ler a mensagem, a campainha tocou. Assustada, levantei-me e dei uma olhada através do olho mágico da porta, mas não havia ninguém alí. Quando abri, me deparei com uma caixa de papelão, não muito grande.
Peguei o embrulho e voltei para dentro.
Era tão estranho, não havia papel decorativo referente a um presente, apenas uma fita adesiva transparente prendendo a tampa à caixa. Com o auxílio de uma tesoura, retirei a fita e encontrei, no interior da mesma, um livro. Junto a ele havia um bilhete:
"Espero que goste. É sobre uma linda história de amor a primeira vista.
Assinado A"
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