Capítulo 25 - Ruínas

E eu não posso suportar a dor
E eu não posso fazê-la ir embora
Não, eu não consigo suportar a dor
...
Como pôde acontecer isso comigo?
Eu cometi meus erros
Não tenho para onde fugir
A noite continua
...
Enquanto sumo aos poucos
Eu estou cansado desta vida
Eu só quero gritar:
Como pôde acontecer isso comigo?
(Untitled - Simple Plan)

🍂

- Como assim emboscada? - me afastei da porta e dei espaço para que Anthony adentrasse.

- Eu não sei, mas pela forma que aconteceu, tudo se encaixa - bufou, passando pelo sofá e andando em círculos como se tentasse se acalmar - Ontem à noite recebi um chamado, quase no final do expediente. Um homem bastante exaltado, dizia que a mulher havia sido agredida próximo ao parque estadual.

Juntei as sobrancelhas e fiz sinal para que ele prosseguisse. Não estava entendendo onde aquele relato dele se tornava tão óbvio que eu ainda não havia percebido.

Ele subiu as mangas da camisa social, levou as mãos à cintura e continuava andando ao redor dos móveis. Aquilo já estava me dando nos nervos, mas preferi não provocar. O assunto parecia sério, à julgar pelos machucados espalhados por sua face.

- Tia Emma - Lizzie chamou nossa atenção - O que tá acontecendo? - nem havíamos nos dado conta da presença dela alí.

- Nada, minha querida! - tentei amenizar a situação - Isso é conversa de adulto.

Seus olhos pararam sobre Anthony e brilharam por conta das lágrimas. Sem pronunciar nada, ela correu na direção do homem e o abraçou. Anthony retribuiu com carinho, nitidamente comovido com o ato tão espontâneo e verdadeiro da criança.

- O que houve com o seu rosto, tio Tony? - Questionou ela, com os olhos arregalados na direção das lesões.

Ele sorriu. Era notável o afeto que sentia pela garotinha em seus braços, o que me fez sorrir também. Sarah estava certa, sabia o que fazia, mesmo amando Scott, Anthony era sim uma ótima escolha.

- O titio caiu, princesa Liz - mentiu para não alarmá-la - Mas vai ficar tudo bem. Logo estarei bom.

- Você tá mentindo! - bateu o pé, contrariada - E a minha mãe?

Aquela pergunta sempre me partia o coração, era difícil lidar com uma criança em meio aquele caos e contar-lhe a verdade parecia cruel demais, mas felizmente, Anthony tomou as rédeas da situação.

- Escute, Liz - ele ajoelhou-se em frente a ela, alisando seus cabelos e tentando manter um sorriso calmo e terno nos lábios - A mamãe vai voltar logo e vamos explicar tudo o que está acontecendo, eu prometo, mas você precisa ser paciente, obedecer os seus avós e a tia Emma. Promete?

- Prometo! - disse ela, com a voz embargada e esfregando os olhos molhados pelo choro.

Era minha deixa - Agora suba e troque de roupa pra irmos juntas até a casa do vovô e da vovó. Ok?

Lizzie anuiu com um gesto de cabeça e nos deixou à sós outra vez. Deixei que ela sumisse pelo corredor e me voltei para Anthony, retomando a conversa.

- Continue - pedi - Não estou entendendo onde é que você quer chegar.

- Emma, o parque - disse pausadamente, com as sobrancelhas erguidas, parando para me encarar pela primeira vez desde que chegou.

- Onde Tyler foi encontrado morto? - indaguei, começando a ligar os pontos.

- Exato - balançou a cabeça positivamente - Eu fui atacado da mesma forma, entrei em luta corporal com o agressor e quando ele viu que não atingiria seu objetivo, correu pro meio da vegetação.

- Conseguiu ver o rosto dele?

Anthony deu de ombros e coçou a cabeça - Infelizmente não. Ele usava uma espécie de touca ninja e capuz de um casaco de moletom.

- Maldito! - cerrei os punhos tão fortemente que acabei perfurando a palma das mãos com minhas longas unhas - Me diz, o que esse cara quer exatamente?

- Receio que seu objetivo já foi alcançado - o homem jogou seu corpo sobre o sofá, exausto com a situação que se mostrava cada vez pior - Ele queria a Sarah. Sempre foi pela Sarah e agora que ele à tem, quer que nos afastemos.

Engoli nervosa, jogando-me ao seu lado - O que vamos fazer? Não há nenhuma pista, ninguém viu Sarah sair do escritório, exceto Henry.

- Vou pedir acesso a caixa que ele enviou pra Sarah e também à necropsia do corpo de Tyler - anunciou, deixando o sofá e caminhando até a saída - Talvez haja algo, uma digital, sangue, qualquer coisa que possa ter passado despercebido pelos analistas.

Concordei e nos despedimos. Quando estava prestes a abrir-lhe a porta, a campainha soou, nos pegando de surpresa e nos entreolhamos curiosos. Era dia, os policiais continuavam cercando a casa, então Anthony fez um sinal para que eu atendesse.

Assim que abri, como um tornado, Scott invadiu a casa. Sua aparência era péssima, vestia uma camisa branca, com os botões abertos, mangas dobradas e bastante amarrotada, as calças sociais pretas também pareciam estar em seu corpo tempo demais para continuarem passadas.

Era deplorável o seu estado. Olheiras abaixo dos olhos denunciavam a falta de sono e os cabelos bagunçados, nada habituais, transmitiam o tamanho do sofrimento que sentia.

- Scott, isso é jeito de entrar na casa dos outros? - repreendi.

O olhar de Anthony sobre Scott já não era de desconfiança, embora não suportasse a presença do outro, agora conseguia reconhecer que no fundo os dois queriam a mesma coisa. Encontrar Sarah.

- Onde está o notebook da Sarah, Emma? - seus olhos vagueavam pela sala, em busca do que queria.

Franzi a testa sem entender nada. Scott não parecia bem, estava transtornado e não explicava o motivo de estar ali. Anthony paralisado, apenas analisava os movimentos de Scott, como se existisse muita lógica no que ele pedia. Eu era Coraline, andando pelo seu novo mundo. Nada fazia sentido.

- Como não pensei nisso antes? - Anthony finalmente se manifestou.

Os olhares deles se cruzaram e as mentes pareciam em sintonia. Eu continuava no mundo paralelo.

- Eu estava em casa, pensando em tudo o que aconteceu com Sarah, antes do rapto e então lembrei da tal invasão - explicou - Sei que ela tem uma câmera não integrada, por que usamos nas vídeo conferência.

Anthony foi até ele - É nossa melhor chance.

- Vocês querem, por favor, me dizer o que está acontecendo? - questionei irritada com todo aquele falatório interno.

- Lembra da noite que Sarah jurou que a casa havia sido invadida? - Scott fez-me recordar brevemente do ocorrido - Ela disse que a porta dos fundos estava aberta e que o computador parecia ter sido mexido.

- A webcam dela pode ter sido rackeada, Emma - falou Anthony, tentando aclarar minhas dúvidas - Cybercriminosos costumam utilizam programas de acesso remoto, chamados de RAT, com comando total sobre o computador.

- Isso quer dizer que esse maluco pode estar nos vigiando agora? - um frio cruzou-me a espinha.

- Só no ambiente onde o computador está - explicou Scott.

- Acho que fica no quarto da Sarah.

- Vamos destruir a webcam - disse o advogado - Esse cara não pode continuar tendo acesso à casa.

- Não - Anthony se opôs - Deixe-o lá e evite circular pelo local - ordenou em seguida - Precisamos manter a calma, ele não pode desconfiar de nada. Se levarmos esse computador até um dos peritos da delegacia, o cara pode suspeitar, temos que saber qual a melhor forma de proceder.

- Está bem, mas com base no conhecimento dele em tecnologia, podemos supor que o sumiço do celular da Sarah não foi uma coincidência - alertou Scott - Ele deve ter monitorado ela todo esse tempo, por diversos meios diferentes, até se sentir seguro pra enfim levá-la.

- Exatamente! Eu vasculhei a casa após a invasão, procurando por câmeras escondidas, mas não encontrei nada. O notebook foi um erro primordial - falou Anthony, inconformado consigo mesmo, sacando o celular do bolso - Vou entrar em contato com a delegacia e ver o que consigo.

O policial deixou a casa, parando em frente à varanda para telefonar. Scott pensou por um momento, depois soltou um suspiro longo e deixou seu corpo repousar sobre o sofá. Seu pescoço amoleceu e a cabeça tombou no encosto.

- Você está um lixo! - proferi - A quanto tempo não toma banho? - não obtive resposta - Está com um cheiro horrível.

Seu olhar encontrou o meu e um sorriso lhe escapou dos lábios - Você não tem jeito, não é menininha?

Ele me trouxe para mais perto de si, seus braços me acolheram e toda a postura firme, a força e a coragem que eu usava para mascarar o coração dilacerado no peito foi se esvaindo e lágrimas começavam a brotar em um choro doloroso demais para segurar.

Lizzie desceu as escadas, usando o vestido azul florido que ganhara de Sarah em seu aniversário e aquilo fez meu choro se tornar ainda mais audível.

Mostrando toda sua sensibilidade e principalmente maturidade para a idade que tinha, minha sobrinha correu até mim, entrou em meio ao nosso abraço e mesmo sem saber o real motivo para o sumiço da mãe, ela não fez nenhuma pergunta, apenas chorou, como se palavra nenhuma fosse capaz de explicar melhor o sentimento de saudade do que a libertação do pranto acondicionado em nossos corações.

- Desculpa ter que interromper, mas preciso ir até a delegacia - o desconforto que a cena de nós três abraçados causou a Anthony era visível - Um profissional capacitado na área de informática será enviado pra cá, ele vai verificar o computador e tentar achar um modo de, quem sabe, rastrear o cara através dele.

Ele nos deu as costas, saindo novamente por onde havia entrado e em um súbito momento de comiseração, deixei Lizzie e Scott e o segui para fora.

- Anthony! - gritei para chamar-lhe a atenção - Espera!

O loiro virou-se e depositou sobre mim seus lindos e impressionantes olhos azuis. Eu ainda não os havia notado, em meio a todo aquele caos em que nossas vidas se encontravam, Sarah era a única que prendia minha atenção, mas eu preciso confessar, naquele momento, pude notar o quanto Anthony era bonito e finalmente me render ao fato de que algo nele me atraía bastante.

- O que foi, Emma? - ele estalou os dedos à minha frente, acordando-me de meu desatino - Você está bem?

Tentei não transparecer o nervosismo diante da minha própria inabilidade de lidar com os fatos: aquele homem mexia comigo e isso era inegável, mas por ele ser apaixonado por minha irmã e ainda existir uma remota chance de se reconciliarem, eu não poderia, de forma alguma, pensar em deixar o que quer que fosse que eu sentia por ele, me dominar.

- Só queria dizer que se souber de mais alguma coisa, qualquer coisa, por favor, me avise - não era aquilo que eu gostaria de dizer, mas foi apenas o que meus lábios conseguiram pronunciar.

Anthony tocou minha mão com os dedos da sua e sorriu lindamente. Seus dentes brancos e as covinhas formadas em suas bochechas me fizeram corar. Senti o calor que me invadia o corpo e tive medo que ele pudesse notar o quanto aquele seu ato havia me desestabilizado.

- Nós vamos achá-la! - afirmou, dando-me as costas e seguindo até sua viatura.

Fiquei acompanhando a cena e tentando me recompor. Eu sou Emma Mckay, a mulher racional e agarrada em convicções nada sentimentais, nenhum homem é capaz de me abalar e não vai ser agora, num momento como esse, que deixarei me levar por um par de olhos bonitos.

Voltei para dentro, já um pouco mais tranquila e vi que Lizzie continuava nos braços de Scott, enquanto ele lhe falava algo sobre um gato que parecia muito com Bella. Minha sobrinha, atenta à história, sorria e indagava Scott sobre poder ver o tal felino.

Scott, notando minha presença, pôs Lizzie sobre o sofá e ajeitou-se para se despedir - Bom, acho que vou indo - disse, já de pé - Tenho coisas pra ajeitar no escritório e como você mesma disse, estou um caco e preciso de um banho.

- Lixo - zombei - Eu disse que você está um lixo.

Lizzie riu com o que eu disse, fazendo Scott voltar seu falso olhar zangado na direção da pequena menina.

- Pare de rir ou não te levo pra conhecer o Senhor Gato, hem?

Ela selou os lábios e fingiu passar um zíper. Aquele momento de descontração era preciso, andávamos sempre muito tensos. Lizzie tinha apenas cinco anos, era uma criança e embora soubesse que algo definitivamente não andava bem, que o sumiço da mãe era preocupante, ela precisava se divertir.

Scott nos deixou e após arrumar as coisas de Lizzie em uma pequena mala, para que pudesse passar a semana com os avós, pegamos Bella e saímos.

No caminho ouvimos música e cantamos. Eu precisava ser forte por ela e também por meus pais, Sarah já fez muito por mim e o mínimo que posso fazer é o que sei que ela gostaria, manter a família unida e não perder as esperanças.

Deixei Lizzie com meus pais, mas meu coração apertado, de alguma forma, estava ciente de que uma tragédia se anunciava.

- Vá com Deus, querida! - foram as palavras ditas por minha mãe, assim que passei pela porta.

Lizzie me deu um beijo carinhoso e meu pai me acompanhou até o carro. Seu olhar me remetia ao passado, quando durante os milhares de crimes que se acumulavam sem solução, ele passava noites em claro, se culpando pelas famílias que não obtinham justiça.

Beijou-me a testa afetuosamente e murmurou - Tome cuidado, Emma. O mundo é cheio de pessoas impetuosas, você precisa saber distingui-las.

Com aquela frase tão cheia de sentido, entrei em meu carro e voltei para o lar de minha irmã, pensativa. "Saber distingui-las", as palavras flutuavam por minha mente e os pensamentos se misturavam em busca de respostas.

O silêncio da casa, assim que regressei, era atormentador. Me senti perdida, com medo do que viria, com medo de nunca mais poder ver minha irmã, mas também com a certeza de que meu pai estava certo, o criminoso estava próximo e era preciso saber identificá-lo.

Após jantar um prato nenhum pouco nutritivo de macarrão instantâneo, pensei em dormir na sala, mas era arriscado não voltar ao quarto, o stalker podia desconfiar de algo e não adiantaria a ajuda do tal especialista que Anthony disse que enviaria.

Deitei-me um pouco incomodada com o fato de possivelmente estar sendo filmada, vista por alguém indesejado, mas era preciso agir naturalmente. Dormi embalada pelo som de grilos, do lado de fora da janela.

Acordei sobressaltada, por volta das três e meia da madrugada, coração pulava no peito e um terror desproporcional ao momento me invadia.

Apanhei o celular e desci até a cozinha, passando pelo quarto de Lizzie, num impulso de quem se preocupa, para só então lembrar que ela estava com os avós. Peguei uma jarra de água da geladeira e pus sobre o balcão, indo até o armário em busca de um copo, quando o som do celular soou, me fazendo saltar e derrubar o objeto de vidro que segurava.

Assustada, segurei o aparelho que não parava de tocar e mesmo amedrontada, temendo algo que meu coração já me alertava desde quando deixei a casa de meus pais, analisei a chamada. Número desconhecido.

Alguns segundos para assimilar tudo o que podia envolver aquela ligação e então atendi. Foi quando uma voz masculina, do outro lado da linha, despejou sobre mim a pior notícia que eu poderia receber em toda a minha vida.

Ao final, deslizei minhas costas lentamente pelo gélido balcão de gesso, me sentindo febril, trouxe os joelhos para junto de meu corpo e os abracei, como uma criança indefesa e com medo do escuro. Fechei os olhos e me permiti chorar, um choro alto e estridente e naquele momento senti que o mundo desabava em minha cabeça.

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