Capítulo 19 - Escolhas (part. 1)

Você sabe pelo que vale a pena lutar
Quando não vale a pena morrer?
Isso tira seu fôlego
E você se sente sufocado?
A dor tira o orgulho?
E você procura um lugar para se esconder?
Alguém quebrou seu coração por dentro?
Você está em ruínas
(21 Guns — Green Day)

                              🍂

Peguei minha bolsa e aguardei Anthony voltar da sala do Tenente coronel, já que precisava da autorização do mesmo para prosseguir com o plano de interrogar o barman.

Um longo tempo se passou. Me acomodei na poltrona e ansiosa chacoalhava o pé freneticamente, como se aquele movimento fosse fazer com que minha angústia diminuísse.

Quando finalmente pude escutar a voz de Anthony no corredor de acesso, notei que discutia com alguém. A voz alta e feminina, parecia obstinada em ser ouvida.

Após alguns minutos de desavença verbal, ele adentrou a sala sozinho e bastante atordoado. Seus bonitos traços faciais agora abriam espaço para uma carranca à qual eu jamais havia sido apresentada — Vamos embora, Sarah!

Fiquei imóvel, analisando toda aquela circunstância em que nos encontrávamos — Com quem estava gritando, Anthony? — eu sabia a resposta, mas precisava ouvir dele próprio.

— Comigo! — uma mulher um pouco mais baixa do que eu, loira, olhos verdes e extremamente bonita, invadiu a sala com ar de superioridade e um sorriso sarcástico nos lábios — Suponho que você seja a princesinha em apuros. Estou certa?

Um ar sombrio despontou em meu rosto e não pude disfarçar o ódio súbito que me tomava por inteira. Me mantive em silêncio, mas a vontade estampada em meu semblante era de fazê-la engolir sua arrogância.

— Se recomponha, superintendente Geller — esbravejou Anthony — Isso aqui é uma delegacia e Sarah é apenas uma vítima. Não misture as coisas, isso é uma total falta de profissionalismo de sua parte.

— Me poupe de seus argumentos politicamente corretos, meu querido — zombou ela — E não venha me chamar de anti profissional, quando é você quem traz seus problemas para o trabalho.

Anthony bateu a porta para abafar o escândalo que a loira insistia em protagonizar — Escute aqui, você pode ser minha superior, mas não somos mais casados e minha vida particular não lhe diz mais respeito.

— Disse bem — ela cruzou os braços à frente do corpo e ergueu uma sobrancelha — Sou sua superior, você deve acatar o que eu digo e até a segunda ordem, o inspetor Sornoza continua responsável pelo caso Armstrong e também pelo suposto stalker que persegue a senhorita McKay.

Suposto? O que ela queria insinuar? Não pude mais me calar. Eu poderia ser presa por desacato, mas colocaria aquela policial arrogante no lugar dela.

— Olha aqui, eu não te conheço e embora saiba que seu problema comigo é motivado único e exclusivamente por conta do meu relacionamento com Anthony, não ouse me chamar de farsante nunca mais. Ouviu bem?

— Ou? — ela provocou.

— Agora chega! — Anthony se pôs entre nós — Isso aqui não é um octógono, moças. Vamos acalmar os nervos.

— Então faça o que mandei — Judith deu de ombros e murmurou — Odeio discutir com patricinhas frescas. A filha dessa aí deve ser tão mimada quanto.

Meu sangue ferveu nas veias e num surto de raiva, parti em direção a ela, como uma leoa destinada a defender sua cria — Sua vadia presunçosa, lave a boca pra falar da minha filha, vou te mostrar quem é patricinha.

Quando estava prestes a puxá-la pelo rabo de cavalo que prendia seus longos cabelos claros, Anthony segurou-me pela cintura e me girando em seus braços musculosos, fez com que eu recuasse.

Judith continuava parada em frente a porta, com a mão pronta para girar a maçaneta — Quer ser presa por agredir uma policial?

— Como você é ridícula — bufei — Aceita que a relação de vocês acabou. É mais bonito do que atacar a mulher que ele escolheu e principalmente uma criança que não tem culpa nenhuma das suas frustrações.

— Eu já disse pra pararem! — a voz grave e autoritária do homem nos paralisou — Judith, se quiser continuar com essa pirraça, fique à vontade. Fale com o coronel Donald's, já que foi ele quem me colocou como responsável pelos casos e exponha seus motivos para que não seja assim. Agora nós de licença, já estávamos de saída.

A mulher grunhiu inconformada. Sabia que havia perdido aquela batalha para mim, mas estava claro que não se daria por vencida, ela com certeza traria outras armas para o jogo e a guerra entre nós duas estava apenas começando.

Anthony e eu deixamos a delegacia e seguimos até o estacionamento. Pegamos meu carro e eu fiz questão de dirigir. Apesar de saber que a culpa por aquilo ter acontecido não fora dele, estava zangada com a forma que fui diminuída em sua frente e meu mau humor custaria à passar.

— Dirija devagar, Sarah — pediu-me em meio a música alta que havia posto para tocar.

Ela acha que sou uma boneca de porcelana, frágil e que precisa de cuidado — essas foram minhas primeiras palavras desde que saímos pela porta da delegacia.

— Pouco importa o que ela acha. Você é forte e sabe disso.

Acelerei o carro ainda mais e ignorando todas as broncas em que eu mesmo dava em minha irmã quando excedia o limite de velocidade, ultrapassei um sinal vermelho.

— Sarah, reduz a velocidade — ele gritou dessa vez — Tá querendo nos matar, porra?!

— A forma como me chamou de princesinha é depreciativo, pra não dizer ultrajante — a raiva me consumia e tudo o que eu queria era voltar lá e esmurrar a cara daquela vadia metida a durona.

— Para o carro!

— Não.

— Para a droga desse carro, Sarah — ele tentou guiar a direção, tirando-me de meu devaneio insano e me fazendo estacionar em meio a rua. Por sorte o fluxo de carros não estava intenso e não provoquei nenhum acidente.

Ficamos calados. Eu estava envergonhada pela forma que reagi diante das provocações tão fúteis e desprovidas de verdades à qual fui submetida e Anthony parecia pensar no que dizer.

— Os meus planos mudaram desde que você e a Lizzie entraram na minha vida — ele finalmente quebrou o silêncio —  e não me importo com nada que Judith pensa ou quer, só me preocupo com você e sua segurança.

— Desculpe por ser tão imatura, mas ela conseguiu me tirar do sério.

— Quer ir pra casa?

— Não. Vamos até a boate, depois almoçamos juntos.

Ele assentiu. Deixei que tomasse a direção do veículo, já que eu estava completamente instável e sem condições de nós guiar até o local desejado.

O trajeto foi feito em total calmaria. Trocamos algumas palavras sobre o clima e outras bobagens rotineiras, apenas para que o caminho não se tornasse constrangedor, mas estava nítida a minha irritabilidade e o desconforto dele diante de tudo.

— Em que posso ser útil, policial? — fomos recepcionados por uma jovem de cabelos negros e bastante pálida, que nos auxiliou no interior da boate.

— Preciso que me forneça a lista dos barmans que trabalharam em vinte e sete de novembro, junto com as fichas que contenham fotos — paramos em frente ao bar, onde as luzes se mantinham apagadas e o vazio deixava o ambiente totalmente diferendo do que eu me lembrava.

— Me desculpe, senhor — a moça sem jeito falou — Não tenho autorização pra lhe dar esse tipo de informação sobre nossos funcionários sem um mandado, mas se quiser falar com o meu chefe e dono do local, vejo se ele pode recebê-los.

Toquei o braço de Anthony para chamar-lhe a atenção — Eu conheço o dono, ele é amigo pessoal da Emma — depois virei-me para a mulher de olhos arregalados e pedi — Pode dizer a ele que quem está aqui é Sarah McKay?

A morena sorriu, um pouco mais calma e amistosa com nossa presença — Claro que sim, senhorita.

Nem bem a recepcionista havia se retirado e pudemos vê-la voltar, nos indicando uma porta ao fundo do local — Fiquem à vontade! — nos deu espaço para que adentrássemos e fechou a porta atrás de si, nos deixando à sós com David Williams o dono da Village Club.

— Sarinha, meu amor — David era homossexual assumido e sua aparência era de um rapaz na casa dos vinte, mas isso se dava muito pelo seu jeito alegre e extrovertido, nos conhecíamos a bastante tempo, muito embora sua afinidade fosse maior com minha irmã — Fique à vontade. Vejo que trouxe companhia.

— Bom dia, David — cumprimentei-o com um beijo em sua face — Desculpe incomodar assim tão cedo. Esse é meu namorado e também inspetor de polícia Anthony Ricci.

David apertou a mão de Anthony, mas o ar duvidoso ainda pairava sobre seu semblante — E em que posso ajudar, policial Ricci?

— Estamos investigando a morte de Tyler Armstrong e também o assédio que Sarah vem sofrendo desde a noite de seu aniversário, comemorado aqui na sua boate — explicou Anthony — Achamos que os dois casos estão interligados de alguma forma.

— Entendo — David caminhou até sua cadeira, destravou uma gaveta na mesa do escritório e retirou algumas pastas plásticas e de diferentes cores — Lavínia me disse que precisam dos nomes de quem trabalhou nos bares naquela noite. Certo?

Assentimos e ele prosseguiu.

David me alcançou uma das pastas de cor vermelha — Aqui está a ficha de todos os meus funcionários e esses são os barmans.

Folheei as fichas de forma minuciosa, tentando achar o homem de olhos claros que me cantara no bar. Rolei os olhos por uma página, a foto batia, era aquele homem, eu tinha certeza — É esse, Anthony. Christopher Jonson. Esse é o caro que trabalhava no bar naquela noite.

Já com a informação em mãos, pegamos o endereço do homem e nos despedimos de David. Ele ficou um pouco tenso em nos deixar ter acesso ao dados pessoais de seu empregado, mas Anthony lhe garantiu que não haveria nenhum problema e ele então cedeu.

O endereço nos levou até uma casa modesta, no fim de uma rua pouco frequentada. O lugar era ermo e com moradias distantes umas das outras, como se o bairro ainda estivesse em formação.

Tocamos a campainha e aguardamos pelo homem que procurávamos, mas no entanto, fomos recebidos por uma criança, na faixa de uns seis ou sete anos, muito sorridente e imperativa.

Ao nos ver, a pequena correu para dentro de casa chamando pela mãe e também pelo pai. Por entre o vão que ela deixara aberto, pude ver a figura de um homem se aproximando da porta.

— Pois não?! — ao se deparar conosco, o rapaz ao qual eu lembrava bem, pareceu surpreso e um tanto quanto inquieto.

— Senhor Jonson?

Christopher não tirava os olhos de mim — Sim, sou eu. O que desejam?

— Lembra-se de mim? — questionei.

Ele sacudiu a cabeça positivamente, fechando a porta atrás de si e nos mantendo para o lado de fora da casa — Olha, a minha mulher é muito ciumenta e se eu a constrangi naquela noite, me desculpe, não foi minha intenção... — apavorado, ele não parava de falar.

— Ei, calma, rapaz. Eu sou policial — Anthony o interrompeu — Só queremos fazer algumas perguntas sobre aquela noite. Pelo que vejo, você se recorda muito bem da Sarah. Não é?

Envergonhado, ele admitiu — Claro que me lembro, dos dois pra falar bem a verdade. O que querem saber?

— Você sabe me dizer se mais alguém, além de mim, se aproximou dela no bar?

Christopher coçou a cabeça, pensativo — Bem, haviam dois homens próximos a ela — ele parecia puxar as lembranças pela memória — Um deles era alto, magro, loiro e com barba por fazer, o outro era Scott King, o badalado advogado.

Anthony me lançou um olhar acusatório, como se aquela informação fosse crucial e eu houvesse ocultado.

— Esse rapaz alto, você o conhece? — perguntei.

Ele negou — Lembro de vê-lo beber no balcão após a saída de vocês dois, mas assim que o advogado se aproximou do bar, o rapaz logo se retirou.

— E meu celular? — arrisquei perguntar, talvez ele pudesse saber algo a respeito — Eu o perdi naquela noite. Sabe se alguém o encontrou?

Ele maneou a cabeça em negativa — Mas talvez o advogado saiba de algo, afinal tomou o mesmo banco em que a senhorita estava.

Anthony e eu trocamos um olhar preocupado e já sabíamos o que precisava ser feito. O próximo interrogado seria a pessoa que Anthony desejaria nunca mais voltar a ver. Meu chefe Scott King.

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