Capitulo 03 - Karen
Eu estava parada em pé em frente um túmulo. O túmulo de Will, meu filho mais novo. John e Maryon estavam ao meu lado, a mulher me abraçava e, apesar de não retribuir o abraço, também não conseguia me afastar. Meu ex-marido tinha o olhar fixo na pedra de mármore, seus olhos estavam secos, mas o pesar em seu rosto era sincero.
Meu filho mais velho estava parado na minha frente, ele segurava uma rosa negra em sua mão, e a apertava com tanta força que tinha certeza que os espinhos estavam fincados na carne. Seu corpo estava tremendo por causa dos soluços assim como o meu e, como eu, ele também não fazia nenhuma tentativa de chorar em silêncio.
As palavras "Amado filho e irmão" gravadas na lápide não chegavam nem mesmo perto de descrever o que aquela maldita doença havia tirado de nós.
— Foi sua culpa, você sabe – Disse John com a voz rouca e eu me virei para ele – Não me olhe assim, você sabe que é verdade...
Eu queria dar um tapa no rosto cínico daquele desgraçado. Ele havia me abandonado com dois filhos pequenos por causa de uma mulher mais jovem e agora estava me culpando pela morte de Will.
— Ele está certo – Maryon se afastou de mim e abraçou John – Você matou seu filho. Você podia ter encontrado a cura, mas desistiu e agora ele está morto.
— Eu tentei – Solucei – Eu juro que tentei.
— Você não tentou o suficiente, mamãe – De todas as acusações foi essa a que doeu mais, Zach olhava para mim com os olhos vermelhos, o corpo ainda tremendo pelos soluços, a rosa em sua mão salpicada por seu sangue – Você o matou. Você matou meu irmão.
Abri os olhos assustada e percebi que estava sentada na poltrona da biblioteca. O encosto estava inclinado para trás e havia um cobertor sobre mim. Me sentei reta e notei que o computador tinha sido desligado e os livros que estava lendo estavam, agora, empilhados num canto da mesa.
"Zach" Pensei. Ele parecia tão preocupado comigo nos últimos tempos quanto com Will. Estava sempre trazendo algo para eu comer quando pulava alguma refeição, tentando me fazer dormir ou sair de casa um pouco, prometendo que ficaria com o irmão.
Até mesmo ajudava nas pesquisas, embora, no fundo, eu soubesse que ele não acreditava realmente que havia uma cura para ser encontrada. Depois de três malditos meses procurando, eu estava perdendo as esperanças também.
As imagens do sonho voltaram vividas em minha cabeça e senti uma lágrima correr por meu rosto. Eu não podia desistir, não podia deixar que o pesadelo que me assombrava todas as vezes que fechava os olhos se tornasse realidade.
Me espreguicei tentando aliviar a tensão de minhas articulações doloridas, olhei para o relógio da parede e vi que já havia passado do meio dia.
Ao sair da biblioteca senti um cheiro bom de comida, desviei do meu caminho para o banheiro para ver quem estava na cozinha. Zach estava parado em frente ao fogão mexendo algo em uma panela.
Ele se virou quando entrei e sorriu para mim. Apesar do sorriso, seus olhos estavam vermelhos como se tivesse chorado. Essa realização quebrou algo em mim, Zach sempre foi forte e agora parecia ter voltado a ser a mesma criança que chorava ao ralar o joelho caindo da bicicleta.
— Ei, mãe – Ele me cumprimentou, tentando soar normal apesar de sua voz um tanto trêmula – Dormiu bem?
— Sim, – Respondi. Era uma verdade parcial, pois, apesar dos pesadelos, não podia negar que estava bem mais descansada que nos últimos dias. Eu não comentei nada sobre o fato de ele ter me coberto. Conhecia bem os meus filhos e sabia que Zach se sentia desconfortável quando as atitudes de carinho dele eram reconhecidas. - O que você está fazendo?
— Miojo – Olhei para ele com descrença e ele sorriu, seu sorriso era mais verdadeiro agora – Uma receita da internet, espero que fique bom, investi cinco pacotes de miojo nisso. Sei que não é a comida mais saudável para Will, mas ele merece uma folga de todos os vegetais. Juro que daqui a uns dias ele vai começar a fazer fotossíntese.
Não pude deixar de sorrir um pouco com isso, eu queria apontar o quanto era importante que Will comesse direito, mas não consegui.
Foi só então que lembrei que era sexta-feira e normalmente Zach estaria na loja de penhores naquela hora. Pensei em chamar sua atenção sobre o assunto, mas decidi contra isso. Eu mesma não dei as caras na minha loja de tecidos nos últimos sete dias. Minha empregada, Anne, estava atendendo e gerenciando tudo sozinha.
— Will está lá fora? – Perguntei tentando soar descontraída.
— No quarto – Foi a resposta simples que recebi.
— Ele está se sentindo mal? – Me senti uma idiota fazendo essa pergunta, meu filho estava morrendo, seu corpo cada vez mais fraco, provavelmente não conseguiria caminhar um quarteirão sem parar pelo menos três vezes para descansar. Como ele iria estar se sentindo bem?
— O mesmo – Zach disse dando de ombros tentando soar indiferente.
— Então por que ele está no quarto? – Franzi a testa. Will odiava ficar no quarto, desde que havíamos descoberto que sua doença estava em estado avançado e eu o havia proibido de sair de casa sem companhia, ele passava os dias na sala vendo TV ou no quintal de casa com seu caderno de desenhos.
— Hum, ele está bravo comigo, acha que faltei ao trabalho para vigia-lo – Eu olhei para Zach com um pouco de desconfiança – Não, mãe. Não foi por isso que eu fiquei. Sr. Carter não quis abrir a loja hoje, estou de folga.
Assenti com a cabeça. Se fosse há alguns meses eu teria certeza de que ele estava mentindo, mas o Sr. Carter realmente tinha se tornado mais generoso com Zach após descobrir sobre a doença de Will. Suspeitava que isso fosse porque, segundo os boatos, sua esposa havia morrido de câncer anos atrás. De qualquer forma, eu só tinha a agradecer pela mudança de atitude do homem, que não só havia diminuído as horas do turno de Zach, como aumentado seu salário.
Em uma atitude que me surpreendeu muito, Zach se aproximou e me abraçou. Ele não havia feito isso desde o dia que o Dr. Sanchez havia dito que a doença de Will não tinha cura. Retribui o abraço com força, sabendo que ambos precisávamos disso.
Zach não disse nada, mas eu sabia. Ele estava com medo, assim como eu, Will e até mesmo John e sua atual esposa. Todos estávamos com medo, mas nenhum de nós ia admitir isso.
Dei um leve beijo em sua cabeça quando a encostou em meu ombro, era o único jeito que eu poderia fazer isso já que Zach era mais alto que eu.
Quando Zach se afastou não olhou nos meus olhos, apenas se virou e voltou a mexer o conteúdo da panela como se nada tivesse acontecido. Olhei para ele pensando em algo que pudesse dizer mas não consegui pensar em nada.
Saí da cozinha e fui para cima. Após pegar uma muda de roupa, caminhei para o banheiro. Antes de chegar lá, porém, parei em frente a porta do quarto de Will e a abri com cuidado. Ele estava deitado de bruços na cama, o rosto virado na direção da porta com os olhos fechados, dormindo.
Os médicos haviam dito que era normal, com o avanço da doença Will iria se sentir mais cansado e dormir mais. Isso não me tranquilizava, essa maldita coisa estava tirando meu filho de mim, estava fazendo com que ele se tornasse outra pessoa. Ele não era mais o menino sarcástico e rebelde que tinha sempre uma resposta para tudo, mas um garoto triste e quebrado que se cansava com poucos passos e dormia cada vez mais.
Fui para o banheiro e entrei debaixo do chuveiro, deixando a água o mais quente que consegui. O calor e o vapor tinham uma espécie de poder calmante sobre mim, pude sentir meus músculos relaxarem um pouco e, quando acabei o banho, estava me sentindo um pouco mais humana.
Quando passei novamente em frente ao quarto de meu filho mais novo, percebi que Zach estava com ele. Eu parei de andar quando ouvi Zach mencionar seu pai:
— Papai disse que vai trazer Maryon para o jantar – Eu não tinha nada contra a atual esposa de meu marido, ela era uma pessoa simpática e, apesar de tudo, nos dávamos moderadamente bem. Assim como John e eu.
— Será que Jack vem também? – Perguntou Will, se referindo ao meio irmão.
— Provavelmente – Foi a resposta seca de Zach.
— Espero que sim – Will sempre se deu bem com Jack. Deve ser porque ambos compartilham os mesmos gostos por vídeo-games e revistas em quadrinhos. Zach, por sua vez, nunca foi próximo do garoto. Em parte, acho que isso é porque nunca perdoou John por nos abandonar, mas sempre suspeitei que a maior parte era ciúmes de Will.
Continuei meu caminho e desci as escadas de volta para a biblioteca. Ao passar pela cozinha pude ver a travessa com a comida que Zach havia preparado e três pratos sobre a mesa. Por um momento pensei em apenas ficar ali e esperar os garotos descerem, para almoçarmos juntos e conversarmos como nos velhos tempos.
Sacudi a cabeça, afastando a ideia. Os velhos tempos haviam acabado no momento em que os sintomas da doença haviam começado, cerca de dois anos atrás.
Segui meu caminho de volta a biblioteca, me ajeitei o melhor que pude na poltrona e liguei o computador. Os médicos podiam ter desistido, mas eu nunca iria desistir.
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