Capítulo 8
O dia amanheceu brilhante, a luz do sol entrava pela janela do cômodo como um convidado mais que bem vindo. Acsa se levantou, fez suas necessidades, se lavou e saiu do quarto, encarando o corredor vazio, o que a surpreendeu. Geralmente havia guardas de prontidão, ou criados andando de um lado para o outro pelo corredor. Ela estava com um vestido sem muito tecido e anáguas, como era de costume aos que costumava usar na corte Ilyana. O tecido leve e fresco de tonalidade laranja, era encorpado pelo corpete que lhe apertava levemente o quadril e o busto, era amarrado por pequenas fitas amarelas. O sapatos eram botas amarradas por cadarços bem presos e o pequeno salto quadriculado lhe permitia andar sem dificuldade. Seguiu até chegar na escada, onde desceu para o salão que estava movimentado pelos criados que andavam de um lado para o outro arrumando, prendendo, enfeitando cada canto. O lustre que parecia pesar uma tonelada estava sendo preso no teto. Os cristais eram pedras que eram do tamanho da mão de Acsa, correntes douradas brilhantes e velas grossas e brancas. Cerca de vinte criados desenrolavam o carpete vermelho no chão, enquanto outro grupo arrumava a mesa longa que devia ter oito metros no final do são. As mulheres da cozinha enfeitava cada uma delas com frutas, flores e pedras. Havia os mais perfeitos pratos de porcelana, tão finas que chegavam a ser transparentes, e Acsa pensou que poderia quebrá-los apenas se tentasse tocá-los. Os talheres de prata eram enfileirados em uma sequência perfeita. As taças de todas as formas e tamanhos para cada bebida específica.
Sentiu uma pancada nas coxas, se abaixando para encara o garotinho com roupas perfeitamente passadas. Parecia um cavaleiro em miniatura. Os cabelos castanhos escuros, olhos da mesma cor. As bochechas tão fofas que Acsa sentiu vontade de apertá-las. Ele tinha a ponta do nariz avermelhado, pensou que talvez estivesse gripado, mas poderia ter pego uma boa dosagem de sol enquanto brincava lá fora. Notou que escondia de maneira desajeitada, atrás das costas uma vasilha de metal com balas dentro. Acsa tocou o topo de sua cabeça, quando escutou um grito feminino na porta lateral que dava acesso para o jardim na ala norte.
— Conde Gabriel, volte já aqui!
A mulher grande como um cavaleiro de Ilya, de cabelos loiros gritou pelo garotinho enquanto se aproximava com certa dificuldade enquanto segurava o vestido entre a mão direita.
— Eu já disse que não fui eu!— A voz fina do garotinho se mesclava com o jeito sapeca e amedrontado quando ele se escondeu atrás de Acsa, enquanto segurava seu vestido com a mão pequena.— Não deixe que ela brigue comigo!
Ele pediu olhando para Acsa com os olhos arregalados. A mulher parou na frente de Acsa ofegante, como se tivesse corrido uma maratona, mas também pela idade em que mantia, não deveria correr tanto quanto corria a pelo menos vinte anos atrás.
— Conde Gabriel, venha aqui, está sendo rude na frente de sua Alteza.— Ela disse se abaixando para ficar do mesmo tamanho que o garotinho, como uma mãe que dá bronca por mal comportamento, lhe apontando o dedo.— Venha, não seja malcriado.
— Você é a princesa? — Ele saiu de trás de Acsa com os olhos arregalados e a boca aberta.— É?
Acsa concordou com a cabeça olhando para baixo, o campo de visão em que o garotinho se mantia, então a mulher aproveitou a distração do garoto para lhe retirar das mãos a vasilha de doces, ele se virou com um bico enorme para ela.
— Lady Tiana, sabe que eu sou o conde deste país não sabe? Se eu quiser comer todos os doces do mundo eu posso! — Ele disse bravo para a mulher que não parecia dar a mínima.
— Já disse que poderá comer todos os doces que quiser amanhã no baile, agora passe aqui, ainda não terminou seu dever.— Ela deu espaço para que ele se juntasse ao seu lado.
Ele demorou para o fazer, mas antes disso se virou para Acsa, os olhos escuros brilhando e a boca entreaberta com os dentes pequenos e tortos na boca.
— Você também irá para o baile, princesa? — Perguntou cruzando os pequenos e gordos bracinhos por cima do peito, que havia um colete com botões prateados por cima da camisa branca.
— Certamente, meu senhor.— Ela disse imitando uma voz grave.
— Bem, neste caso irei pedir que dance comigo.— Ele disse sorrindo.
Acsa acabou rindo também, levando a mão ao busto, com o dedinho levemente esticado, com os olhos semicerrados para ele, quando caminhou para o lado da mulher.
— Seria uma honra, meu senhor.— Respondeu sorrindo.
Então o garotinho saiu sorrindo com a mulher para a direção da escada. Acsa sabia que o governo da Teslia era mantido por três condes em cada distrito do país, só não imaginava que um deles era apenas uma criança. Ela achou aquele fato fantástico. Ainda sorria, boquiaberta encarando a ornamentação do salão, quando sentiu um toque leve no ombro esquerdo, se virando apenas para encarar o rosto de Katlin, com um de seus sorrisos matinais. Lembrou-se que ainda era manhã e eles já estavam trabalhando duro como se fossem receber os cinco reinos ali.
— Caiu da cama, alteza? — Ela perguntou segurando uma cesta de frutas, uvas, maçãs e bananas.— Acordou mais cedo que o habitual.
Acsa inclinou o pescoço para o lado, pondo as mãos na cintura. Não sabia que seu relógio biológico ficaria tão mexido naquele lugar. Geralmente Acsa dormia até às doze e nunca acordava antes disso, mas ali ela simplesmente não conseguia dormir até aquele horário.
— Não consegui dormir tanto — Respondeu olhando em volta.— O que é isso tudo?
Katlin começou a andar na direção dos fundos do salão, Acsa seguiu seus passos até pararem na mesa redonda de vidro, onde ela começou a arrumar as frutas, tirando cada uma da cesta.
— O conde resolveu dar um baile, é por causa do láoighir.— Ela explicou.— São três dias de festa pela chegada do inverno.
Aquela informação entristeceu Acsa por um momento. Estava tão feliz por finalmente ficar longe de chuva e frio que aquilo a deixou desanimada.
— É tudo muito belo.— Acsa disse olhando o brilho das uvas verdes e roxas empilhadas em uma espécie de castiçal.
— Você vai adorar — Ela disse limpando a maçã com a flanela presa na cintura.— Lá na sua terra existem bailes, certo?
— Sim — Acsa respondeu séria, voltando sua atenção para Katlin.— Mas nunca fiquei muito tempo neles para sequer dançar.
Katlin parou o que estava fazendo, se virando com os olhos arregalados como se Acsa tivesse dito mais um absurdo. Ela achava mesmo, a criada não tiver os estudo de um nobre mas sua esposa que era cinco anos mais velha, lhe ensinara tudo que os livros das universidades traziam de informação. Sabia pouco sobre os outros países, sobre a monarquia e o governo de cada um deles e sabia principalmente que um nobre poderia frequentar bailes e dançar com qualquer um que estivesse presente no salão apenas se quiser e a pessoa que fosse convidado teria que fazer, querendo ou não.
— Nunca dançou com ninguém?— Perguntou abismada.
— Certamente que já, Katlin, tive professores de dança e de comportamento....
— Não, isso não conta.— Disse negando com a cabeça.— Nunca dançou com um cavalheiro que lhe chamasse?
Acsa ficou com vergonha de responder. Pensaria que ela era alguém mimada que achava que ninguém era suficiente para ela, e por isso recusou todos os pedidos de uma dança. Mas o fato é que ninguém tivera sequer a chance de convidá-la, muito menos ela de aceitar. Quando Katlin abriu a boca para lhe perguntar outra coisa, um velho chamou por ela da escada, fazendo as duas olharem para cima.
— Devorak! Venha aqui, precisamos de ajuda na cozinha! — O homem gritou com as duas mãos na cintura como se estivesse prestes a brigar com ela.
Acsa viu Katlin revirar os olhos enquanto suspirava, mas olhou de lado para a princesa.
— Preciso ir — Disse..— Por que não fica na biblioteca, não há nada aqui por enquanto para fazer.
Acsa concordou, mas antes de responder algo, Katlin tinha corrido até o homem, os dois resmungava enquanto entravam na cozinha.
— Está mesmo lendo Abramov? — Ela escutou a voz de Charles da entrada.
Olhou para ele depois para a janela, estava ali a tanto tempo que não percebeu que já estava de tarde, nem havia almoçado, nem tomando seu chá da tarde. O sol estava num tom laranja rosado no céu e os pássaros voavam de um lado para o outro em grandes grupos.
— Sim. Já leu algum?— Pareceu curiosa.
O comandante se aproximou mais, se encostando na prateleira, com as mãos no bolso e o queixo erguido, sem olhar diretamente para ela.
— Estudei a estrutura deles quando estava na universidade do exército. Achei que havia dito para não lê-los.
— Voc~e disse para que não os lesse no corredor, não disse nada que não pudesse ler na biblioteca.— Disse e o comandante deu de ombros, fazendo ela se sentir vitoriosa.
— Também achei que não gostasse, você me parece o tipo que prefere contos épicos dramáticos de amor e morte.
Acsa levou a mão ao colo, fazendo uma expressão chocada. Se sentiu ofendida, mas deu um sorriso de lado, formando um arco no canto dos lábios carnudos.
— Por ser princesa eu não estudei em uma universidade mas, estudei filosofia e política para poder ser uma regente do rei. Então sim, eu li Abramov.
Ele se aproximou, se apoiando na mesa, encarando os livros espalhados que ela havia lido.
— Leu Duskin?— Perguntou.
— Li apenas a odisseia natural do ser.— Ela disse encarando Charlie que fez uma cara de surpresa.— E você?
— Nunca finalizei.— Charlie disse se desencostando da mesa, ficando ereto em uma posição perfeita. Acsa ficou com inveja de sua postura e arrumou a própria coluna, se pondo reta sobre a cadeira..— Deveria ir, já está tarde.
— Posso só...?— Ela apontou para o livro.
— Claro.— Ele disse dando as costas, mas se virou de novo.— Mas não demore tanto.
— Obrigada, comandante.
Antes de sair, ela escutou ele cochichar enquanto seguia na direção da porta, o suficiente alto para que ela entendesse o que estava dizendo, quando citou:
— De todas a certeza que tenho, uma é que passarei milhares de anos sem existir e outros mais estando morto.— Ele disse saindo da biblioteca.
Quando ele finalmente deixou o cômodo, Acsa cerrou os olhos fechando livro sobre o colo, ela sussurrou.
— Maldito, ele leu sim Duskin.— Ela sussurrou.
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