Capítulo 23

Nunca havia sido apegada ao pai. Nem ao menos poderia dizer para si mesma e para os outros que havia sido criada pelos pais. A mãe havia morrido no seu parto. O pai sempre esteve ocupado ou talvez ele simplesmente não queria estar presente. Magunum era um homem frio, complicado e duro. Acsa já tinha escutado diversas histórias a respeito dele. Já sabia a historio do reinado dele de cor. Sabia tudo, menos sobre ele de fato. Ela não conhecia o próprio pai e disso tinha certeza. Magnum havia se jogado do quinto andar da torre. Alto o bastante para quebrá-lo ao meio como uma fruta podre. Ela estava tendo uma crise de pânico neste momento, andando de um lado para o outro, entrada de ar fazendo seu peito arfar enquanto Katlin tentava mantê-la calma.

— Tenho que saber — Disse se soltando de Katlin para ir até a porta.— Tenho que saber se é verdade, Katlin!

A amiga tentou segurá-la, mas Acsa já estava no corredor, de roupão, cabelos soltos esvoaçantes pés apressados na direção do gabinete de Alexey, agora que o salão de baile já estava vazio e apenas os criados limpavam tudo. Ela passou por eles como um fantasma. Uma assombração, chamando a atenção de todos ali, enquanto Katlin ia atrás dela. Acsa abriu a porta do gabinete, quando nem um dos guardas consegui segurá-la antes que ela fizesse, e lá estava ela. Dentro da sala em vestes de dormir, os olhos inchados, cabelos soltos e pés descalços. Alexey se virou com os braços cruzados sobre o peito forte, olhando para ela com uma expressão que poderiam julgar muito bem, se o conhecessem, que ele estava assustado e surpreso com ela.

— Alexey —Gritou arfando, o peito subindo e descendo.— Diga-me, diga-me que é mentira!

Alexey engoliu seco, olhando para ela. Katlin entrou no escritório também. Ele lançou um olhar repreensivo para a criada quando ela ameaçou levar Acsa de volta.

— Deixe-a. — Disse para Katlin que se afastou concordando.—Alteza, eu iria contar, mas...

— Diga-me!

— Está morto.— Disse frio e sério, erguendo o queixo.— Recebemos uma carta informando que se matou noite passada.

— Mentira...— Disse tremendo, as mãos sobre o rosto, olhando para ele.— Ele nunca...meu pai nunca...— Soluçou.— Não, não pode ser...Foi você? Você mandou que o matasse!

— Eu lhe dei minha palavra, Acsa, que não faria mal a você nem a seu pai, mas vossa alteza real pareceu não lidar com a pressão.— Alexey disse dando as costas para ela e respirando fundo.

— Não foi a pressão, seu insensível!— Ela correu até ele, socando suas costas. Mas aquilo não chegou a machucar mais que um beliscão.— Me levou embora e ele ficou sozinho! — Acsa gritava chorando.— Ele só tinha a mim!

Alexey se virou, segurando os ombros de Acsa se abaixando para ficar de sua altura, ele olhou nos olhos dela. Acsa viu os olhos negros brilharam pela primeira vez e aquilo acalmou ela de alguma forma. Ela sabia que no fundo ele estava certo e estava lhe falando a verdade. Alexey não havia matado Magnum, nem ordenara que o fizessem. Magnum havia se matado porque não sabia como lidar com a revolta do seu próprio povo. E porque ele era um péssimo governante. Por isso que sua ferida doía mais ainda, por que o inimigo do seu país estava lhe confortando e pior ainda, porque funcionava.

— Um Mallmann sozinho no mundo é um destino cruel, minha garota.— Ele disse tocando o rosto dela.

Os joelhos de Acsa fraquejaram e ela caiu aos pés do conde chorando.

...

Escrever era algo que de alguma forma, foi a única coisa que lhe restara e ela se arrependeu de não ter feito isso da maneira correta quando ele ainda estava ali entre eles. Mas agora, com a caneta e o papel em sua mão, Acsa não conseguia nem ao menos chorar mais. Era como se tudo por dentro de si, estivesse podre, duro e morrendo.

Nada que viveu até o momento daquela dor poderia se comparar àquele sofrimento, nada, ela sabia disso agora e se sabia disso, um medo sem igual lhe corroia até os ossos. Pois sabia que coisas piores poderiam acontecer e ela nem conseguia imaginar. Nem saberia dizer se aquilo era sofrimento. Talvez aquilo nem nome tivesse. Era um carrossel de sentimentos tão fortes que deixavam a alma e o corpo abatidos de cansaço. Quando após três dias sem dormir se passaram, o corpo finalmente repousou na cama. Acsa sentia como se estivesse travando uma luta num campo de guerra. Dormiu sem querer dormir. Simplesmente, o corpo se desligou, porque sabe que se não fizer isso não suportaria. Acsa aprendeu outra lição naqueles dias que se seguiram. Que o corpo é que comanda no momento do luto.

Poucas foram as vezes que queria até mesmo a presença de Katlin ao seu lado, muito mais ainda eram as vezes que queria conversar com qualquer um que fosse, ou comer, ou respirar. Não queria a menor aproximação e o mínimo sinal de conhecimento, porém, ela não pode escolher. A dona morte é uma ladra muito furtiva, que rouba ao ponto de lhe deixar vazia e oca por dentro.

No final da tarde, sentada na cadeira da escrivaninha, ainda com o papel e a caneta na mão, mas sem nem um rabisco nele, Acsa ouviu a porta se abrir sem ao menos uma batida antes. Se virou encarando os olhos sérios e castanhos de Charles, que entrou devagar no quarto, parando no meio do cômodo, olhando para o lado como se não soubesse ao certo o que estava fazendo ali.

— Acsa, eu...— Começou por dizer, mas as palavras se perderam em sua gargantas antes mesmo de chegarem a boca.

Acsa se virou, ainda sentada, mas olhando para ele.

— O que?

Charles balançou a cabeça em negação, dando de ombros, ainda em silêncio. Um suspiro saiu dele, como se estivesse tão cansado como ela.

— Acho que não há nada que eu possa dizer para aliviar sua dor, talvez se eu ficar calado seja melhor.

Acsa deu um leve sorriso, mas saiu como uma careta de dor. Ela olhou para os próprios pés.

— Sinto-me perdida, Charles.— Finalmente disse.— Estou quebrada e acho que não posso me consertar nunca mais.

Ele deu alguns passos até parar em sua frente, com os olhos sérios, se ajoelhou só sobre o joelho esquerdo, ainda se apoiando na bengala.

— Se sei bem como as coisas funcionam, é que de fato as coisas se ajeitam com o tempo. Esperar é o melhor remédio para a dor, uma hora ela sempre irá passar.

Charles tocou o rosto dela, formando um concha com a mão, aquecendo a pele da bochecha dela.

— Eu preferia ter ficado sabendo de outra forma. Eu preferia uma mentira bem contada, juro que não iria me importar.— Ela suspirou trêmula.— A forma como me foi dita doeu demais.

— Alexey estava pensando em uma forma para lhe contar, eu estava...—Charles balaçou a cabeça olhando para ela com uma interrogação se formando em seus olhos.— Espere...Quem lhe disse?

— Aquele rato de esgoto. — Acsa ergueu a cabeça, afastando o rosto da mão de Charles.— Lorde Hastings.

Charles se levantou com um impulso e com a ajuda da bengala, se pondo de pé.

— Idiota.— Disse nervoso.— Isso que ele é, não é nada menos que um idiota.

Acsa limpou uma lágrima sorrateira que ameaçou escorrer pela bochecha, antes mesmo que fizesse.

— Me atacou como se fosse uma meretriz. Quis me pegar à força no corredor, se Katlin não tivesse chegado a tempo ele teria...— Charles nem ao menos terminou de ouvir ou que ela completasse a frase, caminhou rápido na direção da porta. Acsa se levantou o seguindo, mas ele parou bruscamente na frente da porta.— Onde está indo?

— Resolver o problema. Não me espere, vá para a cama. Vou pedir que Katlin fique com você essa noite.

Então passou pela porta, batendo ela com uma força que pelo corredor e pelo andar de baixo foi possível escutar o estrondo da madeira.

Alexey estava ouvindo um lorde falar enquanto lhe mostrava o mapa de Gilian e Fihel, ele parecia interessado na estratégia que o rapaz com pouco mais de 20 anos falava, mesmo que soubesse que não iria funcionar por uma dúzia de fatores que ele anotará na cabeça enquanto o garoto falava com empolgação. Mas ele não o desanimou nem o advertiu, escutou calado enquanto o rapaz apresentava as teses.

— E neste caso o exército faz muito mais preenchimento que as naves, e se pegarmos por esse lado, nós...— O rapaz dizia quando a porta do gabinete se abriu tão bruscamente como a três dias atrás.

Charles entrou mancando com um olhar que até mesmo o conde se sentiu intimidado, mas nem por isso se levantou. Seguiu os passos do comandante com o olhar, quando ele parou do outro lado da mesa e encarou o lorde.

— Senhor...— O Lorde começou a dizer olhando para Alexey quando Charles apontou para ele.

— Preciso tratar com meu senhor, saia do gabinete agora.—Ele rugiu mas o Lorde ficou paralisado, não por afronte, mas de medo do comandante.— Por Deus, neste cômodo eu o superior a você, sou o mais alto aqui depois dele, então ordeno que saiam agora.

— Com licença, vossa graça.— O homem praticamente correu para fora da sala com os papéis na mãos.

Quando a porta se fechou e só os dois permaneceram na sala, Alexey cruzou as pernas e olhou de lado para o comandante.

— Pelos céus, Yurian — Ele disse.— Onde estão seus modos? Explique esse show todo, e não demore, estava fazendo algo importante.

Charles se aproximou da mesa.

— Lorde Hastings destratou a princesa, ela me informou que ele foi completamente rude, expôs a morte do rei seu consentimento do parlamento e tentou...— Charles engoliu seco como se não conseguisse proferir a palavra.—Tentou desvirtuar sua pessoa...

— Por Deus, Yurian — Alexey revirou os olhos, levando a mão as têmporas e suspirando.—Veio até meu gabinete e atrapalhou minha reunião para me contar fofocas?

— De modo algum, vossa graça.—Ele negou com a cabeça.

— Então que diabos você quer, homem?

— Eu só vim informá-lo, senhor, que vou pegar ele neste momento.

Alexey deu de ombros olhando para ele.

— Ah, claro.— Concordou.— Lorde Hastings me deu muito trabalho em sua adolescência e achei que melhoraria com o tempo, mas como ele é filho do Duque de Fortinet Maye e tem muita influência em toda Meanbling.— Ele disse descontraído.— Você sabe das regras, não mate o Lorde.

— Mas eu irei deixá-lo mal.

— Acho que talvez ele mereça. — Alexey pegou uma xícara com chá e levou aos lábios.

— Com licença, meu senhor.

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