Capítulo 21

Primeiro toque. O tecido áspero mas preciso rodeando seus olhos e sua cabeça. Essa qual, doía como o inferno. Acsa sabia que não estava mais no consultório e sim em seu quarto, apenas pelo ar. Ela tocou as ataduras de novo, com cuidado. Então um arrepio lhe correu a espinha. Estava cega, afinal? Escuta o Doutor Guts dizer em voz alta que a cirurgia teve complicações. Talvez tivesse dado errado, e se isso realmente havia acontecido, não havia mais porque Alexey mantê-la naquele palácio, o melhor, naquele país. Tocou os lençóis que lhe cobriam o corpo, depois levou a ponta dos dedos a boca, abrindo ela devagar, sua língua fez um estalo contra o céu seco.

Um peso na cama, a pele fria tocou a sua, fazendo com que seus pelos do braço se arrepiarem e repelirem ao contato.

— Quer que eu chame, Katlin para você? — Ele perguntou.

Acsa conhecia o arranhar daquela voz rouca a qualquer distância. Charles estava tão frio que ela sentiu mesmo quando ele se afastou. Ela tocou a atadura de novo, então ele a impediu.

— Água.— Disse.— Água seria bom.

Havia um tom cômico na voz dela e por isso Charles sorriu. Ela escutou, mesmo que fosse baixa. Barulho de metais e o som do líquido sendo despejado no copo animaram os sentidos dela. Charles se aproximou, ajudando que ela se sentasse, se encostando na cabeceira acolchoada. Levou o copo de vidro até os lábios secos e ela bebeu uma boa quantidade, permitindo que algumas gotas se derramassem nas laterais da boca, lhe molhando o queixo e o busto. Tocou o pulso de Charles quando acabou e ele se afastou com o copo.

— Como está se sentindo? Sente...

— Não sinto dor alguma, Charles.— Respondeu em uma certa mentira, já que sentia sim, dor de cabeça. Mas não era isso que ele queria saber e achou que a dor fosse fome e sede. E esses assuntos seriam resolvidos mais adiante.— Alias, obrigado.

Escutou ele rir de novo. Desejou estar sem a venda apenas para ver esse detalhe.

— Você quase me matou do coração, alteza.

— Me parece bem vivo.— Ela sorriu.

— Não disse que estava morto. Disse que quase me matou.— O peso do cotovelo dele, fez a lateral do colchão se afundar. Ela imaginou que talvez ele estivesse ajoelhado no chão e apoiando o corpo na cama.

— Tenho uma pergunta.— Ela disse tocando a mão dele.

Um silêncio se estabeleceu no cômodo e Charles ficou inquieto do seu lado.

— O que foi? — Perguntou alto.— Está esperando eu perguntar quais são? Diga logo.

Uma gargalhada abafada saiu de sua boca ela sentiu uma leve pontada atrás dos olhos com o esforço. Talvez ele tenha percebido, pois sentiu a presença perto demais. Tocou levemente o ombro do comandante, como se o assegurasse que estava bem, então o afastou.

— Guts disse se por um acaso eu ficaria...— A palavra soando na sua cabeça parecia o nome de um demônio, pronto para ser solto, aquilo a assustou mais do que tinha imaginado.— Cega?

Houve, por essa vez, um silêncio da parte dele. Charles ficou pensativo por um momento, mas quebrou o silêncio em seguida, se sentando na cama, ao seu lado e pegando sua mão, apenas para que a descansasse em seu colo.

— Guts disse que não saberia informar, nem se quisesse.— Ele disse.— Obriguei a jurar para mim que em dois dias você estaria bem e quando tirasse a venda, estaria enxergando.

— Do caso contrário...— Ela disse com um tom na voz que ele pensou ser aventureiro.

— Eu iria deixá-lo cego também.— Charles disse sorrindo.

— Não esperaria menos vindo de você.

— Mas que absurdo está falando? — Disse com um tom sério, mas que ela sabia que era de brincadeira.— Tem uma visão bastante estereotipada do comandante Yurian.

— É que às vezes não sei diferenciar o comandante, do campeão.

— São os mesmos.— Ele disse se aproximando, ela sentiu pelo vapor quente saindo dele, tocando suas bochechas, tão perigosamente perto que ela poderia segurá-lo se quisesse. E como ela queria, o fez.— Mas quando estou com você, tenho em mim outro que não conheço.

Os lábios dele tocaram a pele do queixo, como um arranhão leve. Depois doce e lento como um chupão. Descendo para o pescoço dela. Acsa suspirou, agarrando os ombros do comandante como se estivesse com medo de cair, mesmo que estivesse deitada.

— Charles...

— Eu nunca gostei do meu nome — Ele disse subindo e encostando seu nariz no dela.— Mas ele proferido por você é a coisa mais linda que já ouvi.

— Me beije como fez aquela noite.— Ela pediu.— Faça de novo.

Charles parou por um momento, desceu lento tocando os dele nos seus, mas Acsa o apertou em desespero, como se Charles fosse escapar por seus braços, fugindo dela. Mas Charles não tinha plano nem um de parar aquele beijo agora. Ergueu o corpo, apoiando o braço do outro lado do corpo dela, a deixando entre seus braços, ele desceu o corpo, a prendendo na cama. Beijou os cantos da boca, a ponta do nariz. A bochecha, e o pescoço, ela pode jurar que ele mordiscou sua orelha, dando cargas de energia por todo corpo. Acsa quase tremeu sob o toque da boca dele na sua clavícula.

— Eu não sei o que você fez comigo, Acsa.— Ele balbuciou em sons roucos que ela quase não ouviu.

— Talvez tenha sido o mesmo que você fez a mim.

Ela respondeu no mesmo tom que ele com as últimas forças e lucidez que lhe sobrará.

Um barulho da maçaneta se abrindo, fez Charles se afastar de Acsa como um gato foge da água. Indo para o outro lado do cômodo ele viu Katlin entrar com uma bandeja e um olhar de quem acha tudo suspeito.

Levou a bandeja para o criado mudo ao lado da cama e se virou para Charles com a sobrancelha arqueada, apenas para se curvar perante ele, com a mão na cintura.

— Comandante...— Ela olhou para Acsa que mesmo com a veda e as ataduras estava vermelha como um pimentão.— Acsa...hum, acho que deveria deixá-los a sós novamente? Porque eu sinto que atrapalhei algo...

— De maneira alguma, Katlin.— Charles disse com a voz alta e desenfreada deixando claro o nervosismo no ar.— Eu já estava mesmo indo. Sua alteza precisa descansar.

— Certamente que sim.— Katlin disse com os olhos semicerrados para o comandante enquanto ele ia na direção da porta.

— Com licença.— Ele acabou se curvando para Katlin quando abriu a porta tão desajeitado que fez um barulho de madeira se chocando contra a parede. Então ele escapou para fora como um cachorro assustado.

Katlin começou a rir em uma gargalhada alta, se contorcendo de tamanha graça, chegou a se sentar no chão enquanto ria como se estivesse sem ar.

— Pare de rir! Pare!— Acsa disse rindo com ela. Tentou acertar uma almofada no escuro, o que passou bem longe de acertar Katlin sentada no carpete rindo, com as mãos sobre a barriga.

— Vocês dois não tem jeito.— Katlin foi voltando aos poucos, limpando as lágrimas de alegria no canto dos olhos verdes enquanto ia até a cama.— Ele poderia esperar pelo menos alguns dias até você se recuperar? Você nem está enxergando nada, mulher!

Pegou o prato com sopa quente e uma colher, indo até a princesa, ela se sentou ao lado dela na cama. Katlin pôs um guardanapo preso no pescoço de Acsa, depois aproximou a colher cheia até ela. Acsa abriu a boca e tomou o caldo quente, fazendo um som que demonstrava que o caldo de ervas estava saboroso, ela podia se derreter só pelo cheiro. Era a especialidade de Katlin e já havia se vangloriado várias vezes por ele.

— Está delicioso.

— Eu sei, fui eu quem fez.— Respondeu enchendo outra colher e levando até ela.— Falei com Olga, ela estava com Dr.Guts.— Limpou a boca de Acsa nos cantos em que o líquido escapava, levando o guardanapo até ela.— Ela já foi aluna dele na universidade, então consegui que ela fosse falar com ele.

— Por que?

— Por que eu estava preocupada com seu estado. Quando Charles lhe trouxe ele disse que você estava...

— Sim, estava.—Acsa pareceu desconfiada mesmo sem estar de fato olhando para Katlin.

— O que você queria? Que eu visse o estado da minha amiga daquela forma e ficasse de braços cruzados? — Ela murchou os ombros suspirando. Um sorriso se formou no rosto da princesa.— Não se sinta importante, de toda forma, Olga me disse que o selo foi removido completamente e você não vai ficar cega, mas não deve tirar a venda. Não pelo menos por uns dias, então nada de cometer erros estúpidos.

— Você se preocupou comigo?—Ela fez um biquinho para a amiga.

Katlin ficou em silêncio com os olhos quase fechados encarando Acsa, com o prato de sopa na mão.

— Eu? Me preocupando com uma branca nobre? Ficou maluca?

— Ah, você só está assim desse jeito por que sabe que eu estou certa e você está errada.

Ela levou uma colherada na testa, fazendo Acsa soltar um 'ai! ' .

— Como eu poderia saber tal sensação? Eu estou sempre certa.— Disse.— Agora coma essa sopa para que o veneno que eu pus para lhe matar faça efeito rápido.

— Ha ha, engraçadinha.

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