O DEMÔNIO DE DUAS FACES


— Saia demônio! — Ordena o pastor. Sua voz é serena, mas forte. Seus olhos não titubeiam fitando a menina.

Telminha, dos seus 10 anos de idade, solta um grito angustiante e chacoalha-se como quem tem uma convulsão, aquietando-se em seguida. A mãe corre e abraça a criança, enquanto o pai fica imóvel. Assustado. Depois, olhando para o pastor pergunta:

— Quanto devo ao homem de Deus?

— Nada. O importante é que sua filha está livre do demônio. — Responde o pastor fechando a bíblia, que se comove ao vê-la abraçada junto ao corpo da mãe.

— O senhor sempre foi pastor? — Pergunta o pai da menina olhando para sua esposa abraçada a filha.

— Quem me dera... Deus entrou na minha vida há 10 anos. — Virando-se para o pai da menina Pr. Novaldo conta seu testemunho: — Eu fui um matador. Tirei a vida de muita gente. Tanto de quem prestava quanto de quem não merecia. O dinheiro aparecia a pessoa sumia, simples assim. Hoje salvo as pessoas das garras dos demônios. Essa agora é minha missão e minha penitência.

Duas semanas depois, Pr. Novaldo é chamado novamente para socorrer Telminha. Expulsar um demônio de novo? Essa pergunta chicoteou seu coração. Não demorou muito para que estivesse diante da criança.

Pr. Novaldo aproxima-se e ordena que o demônio largue a menina, o que acontece de pronto. Sem gestos bruscos ou espalhafatos, Telminha cai no colchão igual uma pedra que se afunda n'água. Quando o pastor se vira para ir embora, escuta uma voz rouca chamando-o baixinho.

A criança abre os olhos e com suas lagrimas agradece ao pastor.

Novaldo não sente paz dessa vez. Na verdade, ele sente compaixão. Os pais agradecem ao pastor que sai com a Bíblia presa em sua mão. Segurando-a contra si, como se tivesse cravando uma faca no seu peito.

Não demorou cinco dias para a menina ser afligida pela terceira vez. Mãe e pastor chegam na casa quase que ao mesmo tempo. O pai com o rosto arranhado, estava parado na sala, falando nada com coisa alguma, observando a filha quebrando tudo dentro do quarto.

Novaldo quando entra no quarto, encontra a menina espumando e urrando igual um cão raivoso. O ex-matador de aluguel, aproxima-se de Telminha e ajeita seus cabelos grandes, lisos e assanhados.

— Sai demônio. — Novaldo fala baixinho e abraça a pobre criança. Quando tenta se levantar Telminha segura-o, como quem pede para que não vá embora.

Os pais estão absortos na destruição do quarto.

Antes de ir embora, Pr. Novaldo para na porta da casa açoitada pelo demônio e avisa que voltará pela manhã trazendo a Ceia do Senhor ou A Eucaristia. A liturgia irá cessar de uma vez por todas o mal naquela casa, garante ele.

Assim que os primeiros raios de sol despontam no horizonte, Novaldo já se encontra com o pão e o vinho na frente da casa. Não demora muito para a família estar num semicírculo com o pastor explicando sobre o Demônio das Duas Faces.

O primeiro pedaço de pão e a primeira taça com vinho vai para o pai, porque é assim deve ser. Primeiro o cabeça da casa, é o que está escrito. É a liturgia. É o sagrado.

— Cof! Cof! — Tosse o pai. — A minha garganta... hum, ardendo. Cof! Cof! — A tosse aumenta — Desculpa... — Fala o pai justificando a tosse que não para. — Não sei o que...

A frase mal acaba de ser dita quando o sangue é despejado em patacas pela boca do pai da menina. A mulher antes de tentar socorrer o marido é impedida pela filha.

Tosse. Sangue. Tosse. Queda. Mãos agarrando o pescoço. Sangue. Mais sangue. Desespero. Falta de ar. Medo. Morte. Falta de ar. Mais sangue vivo. Veneno de Baiacu. Corpo paralisado. Culpado. Culpado. Culpado.

— Essa agora é minha missão e minha penitência. — Fala Pr. Novaldo olhando com desprezo para o corpo sem vida. Os olhos do pai de Telminha estão saltados para fora, do tamanho de duas bolas de sinuca. O demônio de duas faces morrera.

— Você está livre menina... esse demônio não volta nunca mais.


Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top