Lycans
Os dias se passaram rapidamente, mas eu estava para surtar. Parecia ser a pior semana da minha vida. Art havia simplesmente sumido do mapa. Na verdade, nem ele, Gui e Diego deram sinal de vida. Nem mesmo para Mel. Os pais dela haviam ligado na segunda-feira, e depois disso, sumiram também. Imagina a tensão que nós duas estávamos.
Papai e Alice entravam e saiam de casa o tempo inteiro. Até mesmo mamãe, que não é mística e tem um escritório de advocacia disse que não se lembrava de outro momento, desde que ela conheceu papai, que houvesse deixado a central tão inquieta e com tantas missões.
E o pior de tudo, eu estava mal, muito mal, para falar a verdade. Queria dar mais atenção para Mel, mas simplesmente não conseguia. Isso obrigou Alice a pedir para que Ivan -sim, meu primo Ivan, que tinha a mesma idade que Mel – viesse para minha casa passar um tempo conosco.
Me obriguei a ir as aulas justamente por ser a última semana da escola. Mesmo que eu e a Dani não fossemos prestar nenhum vestibular, era nosso último ano. Eu tinha que dar conta! Eu tinha que participar das despedidas!
Mas meu corpo doía, doía de todas formas, em todos os lugares. Era tão bizarro que pela primeira vez consegui sentir meu calcanhar, se é que isso era possível. Doía levantar, sentar, comer, respirar. Além disso havia o cansaço. Era como se eu estivesse cansada para qualquer coisa.
Na quarta-feira minha avó resolveu que viria para Belo Horizonte, para ajudar a cuidar de mim. Ela pegou o ônibus do interior de manhazinha e no início da tarde já estava instalada no quarto de hóspedes da minha casa – com isso, Ivan foi transferido para o escritório.
A primeira atitude de vovó foi me convencer a ficar em casa nos dois últimos dias de aula. Concordei em ficar na quinta-feira, mas na sexta-feira eu fazia questão de ir. Nem que estivesse dopada de analgésico.
Minha avó riu e me garantiu que seria preciso muito mais que analgésico para que eu conseguisse levantar da cama na sexta-feira. Comecei a chorar desesperadamente, porque eu não queria perder meu último dia no colégio, o que levou vovó a prometer que pediria para Gália, a avó de Sabrina para fazer uma poção que me mantivesse de pé, ao menos na sexta-feira.
Depois disso ela saiu do quarto resmungando que tudo seria mais fácil se os meninos não estivessem em alguma missão sabe-se lá onde, mas do lado da alfa do bando. Eu simplesmente desconsiderei. Eram informações demais para absorver e eu sentia dor demais para tentar começar a considerar qualquer coisa que ela havia dito.
Mel também me fazia companhia todas as noites, quando chegava do treinamento da central. Ela ficou tão ansiosa para ajudar que aprendeu a fazer massagem com minha avó e enquanto eu, ela e Ivan víamos series na televisão, Mel ficava massageando minhas mãos, ou meus braços, ou uma perna.
Me sentia um pouco mal por vê-la fazendo massagem em mim, como se eu estivesse abusando da boa vontade da garota. Mas ela me garantiu que não havia problema nenhum e que, ela quem estava abusando da nossa boa vontade ficando lá em casa há tanto tempo. Além disso, Mel queria ajudar. Percebi que ela se sentia mal por me ver sofrendo com tantas dores. No fim das contas, simplesmente deixei que ela fizesse massagens, era reconfortante.
Ninguém me disse exatamente o que estava acontecendo, e, no fundo, eu queria explodir por conta disso. Era óbvio que tinha alguma coisa a ver com o meu poder de Adestradora. Olha bem, eu estava passando por algum processo maluco e tinha o direito de saber o que diabos estava acontecendo comigo, mas não tinha força alguma para exigir que me desse uma explicação digna. Só suspirava e deixava quieto, desde que fizessem a dor parar.
Na quinta-feira, acordei de madrugada com dor e, junto comigo a casa inteira acordou também. Mel pulou do colchão para pegar um óleo de massagem que minha avó havia deixado na escrivaninha. Meus pais, minha avó, Ivan e Alice entraram no quarto e me olhavam preocupados.
- Acho melhor chamarmos Gália, mamãe. Ela não vai aguentar até sábado. – Ouvi papai falar com vovó.
Alice apenas suspirou, assentindo e saiu para ligar para Gália. Mamãe sentou na minha cama e acariciou minha perna levemente enquanto Mel enchia as mãos de óleos e massageava meu braço.
- Não tem como fazer a dor dela parar, Fábio? É sofrimento demais...
- Não existe uma forma menos sofrida de passar pela transformação, Aurélia. – Cortou minha avó. Ela sentando-se ao lado de mamãe e se juntando a Mel na massagem.
- Elas já estão vindo. – Alice entrou novamente no quarto e se virou para Ivan e papai – Eu gostaria que vocês saíssem do quarto, vou tentar ajudar a Ady.
Meu pai e Ivan assentiram, saído do quarto. Alice fechou a porta e se sentou perto de mamãe. Alguém tirava eu pijama me deixando apenas de calcinha. Aos poucos, várias mãos começaram a massagear meu corpo com o óleo. Fechei os olhos firmemente com uma dor insuportável. Me sentia um tanto quanto sem ar. Apertei os lençóis da cama o o mais forte possível e olhei para Alice chorando.
- Faz parar... Tá doendo muito... – Soltei quase sem forças.
Eu não sabia exatamente o que estava acontecendo porque não conseguia vê-las. Me sentia nauseada, com uma vontade louca de vomitar.
- Vai passar, meu bem. Só aguente mais um pouco. – Distingui a voz de Alice, um tanto mais doce que o normal.
Ouvi uma movimentação no quarto e algumas mãos pararam de fazer o trabalho que estavam fazendo sob meu corpo.
– Mel, você é a mística mais forte aqui. – Era a voz de Alice novamente. - Eu não posso ajudar Adelle. Seria como ajudar uma borboleta a sair do casulo. Se eu fizer, a vida da Ady ficará ligada à minha magia e eu não posso fazer isso com ela. Mas você Mel... Você tem o poder de Eva e não é uma Primeira Imortal.
- Eu acho melhor não interferir. – Comentou vovó, preocupada.
- Não se preocupe, Dôra. Mel vai fazer a mesma coisa que Gália fará quando chegar aqui. Eu não devia ter mandado os meninos para longe. Foi um ato imprudente de minha parte. Me perdoem. – Lamentou Alice.
Mamãe soltou um soluço ali perto, acariciando levemente minhas pernas. Ouvi vovó suspirar.
- Mel você se importaria de emprestar um pouco de energia para a Ady aguentar esses dias sem os meninos? Você só vai precisar descansar um pouco depois. – Pediu Alice.
- Claro que não me importo! O que faço? – Mordi levemente meu lábio inferior e senti que Mel segurava minhas mãos com força.
Ela sorriu para mim e sussurrou um "Vai passar" como uma promessa.
- Apenas repita o que eu disser, e veja a dor de Ady saindo do corpo dela como uma nevoa preta, imagine isso. – Alice havia voltado para perto de mim, e se sentou na cabeceira da cama, colocando a minha cabeça em seu colo.
- Certo. – Concordou Mel, se ajeitando na cama ao meu lado.
- Ady, meu bem, isso vai te ajudar a relaxar e dormir até Gália e as outras chegarem está bem? – Alice passou a mão carinhosamente pelos meus cabelos tirando-os do meu rosto soado.
Mel deixou uma mão repousar em cima da minha testa e a outra em minha barriga, exatamente da forma que Alice dissera para ela fazer. As duas ficaram em silencio por um tempo e respiraram fundo.
Ouvi-as sussurrarem palavras que eu não conhecia e aos poucos senti que a dor ia passando até que pude relaxar e, exausta, cair no sono.
Não soube bem por quanto tempo dormi. Apenas me lembro que acordei, ainda com muita dor, quando Gália, Viviane e Sabrina estavam envolta da minha cama. Vovó, mamãe e Mel estavam um pouco atrás delas. O black out da varanda estava aberto e a porta também, para deixar que a corrente de ar passasse.
Quando olhei para as Sacerdotisas percebi que estavam de mãos dadas em um semicírculo. Era o meio de um ritual. Fechei os olhos novamente, esperando pacientemente que toda a dor sumisse de uma vez e eu pudesse descansar.
Aos poucos, a dor se transformou apenas em um pequeno incomodo nos músculos. Se espalhava pelo corpo todo, mas parecia que eu apenas estava cansada depois de um longo dia de exercícios. Respirei aliviada e quando abri os olhos de novo Gália sorria para mim.
- Adelle, sua avó vai conversar com você sobre tudo o que está acontecendo com seu corpo. A garantia que eu te dou é de que até sábado você sentirá uma dor comum, como a que está sentindo agora. Coloque emplastos e faça massagens como vocês vieram fazendo até hoje. Sábado nós nos encontramos à noite na Sede da Central, está bem? – Fiz um sim com a cabeça e ela sorriu para mim. – Certo... Dôra converse com ela, sim? Vamos meninas. – Com isso, Gália e Viviane saíram do quarto.
Sabrina passou por mim e segurou minha mão.
- Ady, se precisar liga, ou peça para alguém me ligar. Eu peguei o feitiço que vovó fez. Se precisar de mais reforço para a dor sumir eu venho correndo, tá bem?
- Obrigada, Sá. – Sussurrei baixinho, ela fez um movimento com a cabeça sinalizando que não se importava.
Quando todos saíram do quarto, vovó sentou-se na beiradinha da cama e se virou para mim, com um olhar amoroso.
- Como está se sentindo, fadinha? – Fiz um leve esforço e consegui me sentar na cama sem problemas, então dei de ombros.
- Cansada, e com um incomodozinho lá no fundo, mas só. – Ela fez um sim com a cabeça e sorriu.
- Ivan está louco para te ver. Ele e seu pai. Estavam proibidos de entrar aqui no quarto. Você sabe, é melhor fazer a magia se você estiver nua. – O comentário me fez rir.
- Vou colocar uma roupa e descer depois. – Garanti com um meio sorriso.
Vovó me estendeu o longo vestido, azul-claro, que estava dobrado cuidadosamente na minha escrivaninha e eu o passei por cima da minha cabeça, cobrindo minha nudez.
- Faça isso, meu bem. – Vovó me lançou um sorriso doce e suspirou. - Ady, você tem alguma noção do que está acontecendo aqui? – Fiz um não com a cabeça. Ela me analisou por um tempo, então pegou minhas mãos carinhosamente entre as dela. – Você não é só uma Adestradora, você vai virar uma Lycan.
Acho que minha cara de horror foi tão terrível que vovó se aproximou para a cabeceira da cama, me aninhando em seus braços.
– Não é nada para se preocupar, você não vai virar um lobisomem. Não será algo que a fará perder a cabeça, entende? Agir apenas pelo instinto. Você se tornará uma Lycan, forte e poderosa. Será a alfa do bando. Até Guilherme será seu subordinado. E não precisará mais de proteção. Com essa magia que vai sair de você, que vem do nosso sangue, os meninos não correrão mais o risco de se transformarem em lobisomens, longe ou perto de você – Franzi o cenho e a olhei, lembrando dos pensamentos de Arthur no domingo.
- É por isso que consigo ler os pensamentos deles, na forma humana, agora? – Perguntei confusa. Vovó ficou me olhando com a sobrancelha erguida, então resolvi explicar. – Domingo, a Morte apareceu para mim e para Art para falar algo sobre Mel... Não se preocupe, vovó! Ela só veio falar sobre Mel e mandar o recado para Alice .
Vovó franziu a testa, e ficou me observando atentamente por um longo tempo. Então com um movimento resignado, ela concordou, resmungando que conversaria com Alice sobre o assunto depois.
- Não que ela vá me falar alguma coisa, se achar desnecessário... – Vovó me apertou um pouco mais e deu um leve riso. – Depois de um tempo, querida, quando você estiver mais velha, vai se acostumar com Alice não te dando todas as informações necessárias. – Garantiu, me fazendo revirar os olhos.
– É... Até entendo o lado da Lils, mas que irrita, irrita. – Dei um leve riso, então suspirei, retomando o foco. – Mas então eu ouvi os pensamentos de Art e estávamos ambos na forma humana...
- Oh, sim querida, agora vocês quatro poderão se comunicar pelos pensamentos na forma humana e, com um pouco de treino, poderão se transformar em Lycans quando bem entenderem, não só na lua cheia. Claro que a lua cheia irá dar mais forças para vocês. – Completou como se fosse óbvio e eu fiz um sim com a cabeça, demonstrando que estava entendendo, ela sorriu. – Eu sei que é confuso, novo e pelos Deuses dolorido, mas vai ser para o bem. Você verá...
Ficamos nos olhando por um tempo. Era uma mudança e tanto. Não era apenas mais um poder que resolveu aparecer. Era o que fecharia nós quatro. Ficaríamos completos.
- Por que não me contaram sobre isso antes? – Perguntei curiosa, enquanto levantava para acompanhar vovó no café da manhã. Ela parou na porta e se virou para mim.
- Normalmente o bando de lobos dos guardiões não são completos. Acho que isso nunca aconteceu no Brasil, Ady. Segundo o que Alice me explicou, para que eu pudesse vir falar com você, a última vez que isso aconteceu foi no século XIV, em Portugal.
- Por que? – Perguntei confusa, antes que pudesse me conter. Vovó pareceu pensar por um tempo, então deu de ombros.
- Pelo que entendi, era um bando de descendentes diretos dos Primeiros.
- Isso quer dizer que eu e os meninos...? – Vovó riu, balançando a cabeça negativamente.
- Oh não, não querida! Se pensarmos melhor, todos nós, místicos, somos descendentes diretos do Primeiros. Não. Pelo que Alice me explicou, tem alguma coisa a ver com a estabilização da magia...
Observei-a por um tempo, pensativa. Aquela história de estabilização da magia de novo. Eu queria perguntar o que era aquilo, o que queria dizer, afinal de contas e, porque diabos era tão importante e parecia mexer com tantas coisas. Porém, no fundo, eu sabia que não iria adiantar nada perguntar sobre o assunto, para quem quer que fosse.
Eu havia perguntado diretamente para Alice e ela disse que quando a hora chegasse, ela diria. Ou seja, se ela deu a informação sobre os Lycans para vovó, era a informação necessária.
E no fundo? Já estava muito bom, afinal, ao menos eu sabia o que estava acontecendo comigo.
Mas, Deuses, era uma mudança enorme! Eu não sabia nem por onde começar a tentar compreender. Quando viria minha mudança? O que aconteceria comigo? O que aconteceria na transformação?
- Vovó? Não era para nossa família toda ser de lobos? – Ela franziu a testa e concordou, deixando que eu continuasse a pergunta. – Por que Ivan é um Modelador de Matéria? – Vovó riu com a pergunta, e indicou para que fossemos andando para a sala de jantar para o café da manhã.
- Por que o Guardião da família de Modeladores de Matéria do nosso grupo de guardiões, na época de minha mãe, se casou com ela. Ou seja, seu bisavô. Quando seu pai e seu tio nasceram, achei que apenas um teria magia, mas então ela veio em Rick também. Ele herdou o poder de Modelador de Matéria do bisavô. – Levantei as sobrancelhas em assentimento.
- Nunca entendi por que não nos dão aulas sobre as histórias de nossas famílias, muitas coisas seriam esclarecidas... – Murmurei fazendo vovó rir.
- É, você sabe que não é o ideal, casarmos entre nós. Veja o que aconteceu com a família de Gália...
- Mas eu e Arthur somos Ly... Quer dizer... – Vovó riu com meu comentário, completamente impensado. Senti meu rosto ficar vermelho como um pimentão.
Deuses, eu nem estava namorando com ele, pra valer!
O restante do dia passou tranquilamente e sem dores, apenas fadiga. Eu não queria nem pensar no sábado, o dia exato do meu aniversário. E, aliás, que ótima forma de passar meu aniversário, me transformando em Lycan!
Ivan trouxe Dani logo depois da escola e todos almoçaram conosco, então ligamos na TV por assinatura e assistimos vários filmes que passavam na programação durante o resto do dia.
A noite Mel chegou com novidades da central, alegando, toda animada, que Art e os outros voltariam no dia seguinte pela manhã. Além dos pais dela, também.
Fiquei feliz com a notícia, queria tê-los por perto. Era estranho, porque me sentia como se fosse necessário ter 'meu bando' ao meu lado naquele momento, como se tudo ficasse mais fácil ao lado deles. Além da animação pelo fato de poder ver Art de novo, claro.
Infelizmente Mel iria voltar para casa agora que o irmão voltara. Seria mais seguro. Não sei onde era mais seguro, porque minha casa estava extremamente movimentada aqueles dias e, creio que lugar mais seguro em Belo Horizonte para Mel, seria apenas a central. Fora que, Alice morava na minha casa.
Não sei se existe lugar melhor para estar do que do lado de uma Primeira. Mas resolvi não discutir sobre o assunto. Às vezes, eles apenas queriam dar privacidade para Mel e a família. O que era uma pena. Eu estava começando a acostumar com a companhia dela.
Vovó me deu um chá para dormir e tive uma noite tranquila, sem sonhos, nem dores.
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