08. Arredor de Memórias

Ajudar a decorar a casa das meninas foi, sem dúvidas, o momento mais empolgante desde que chegamos aquela dimensão. Pendurar as encantadoras e adocicadas flores nas janelas e usá-las para decorar os cômodos já mobiliados, obrigado por isso, Rúbia, foi divertidíssimo.

A casa se assemelhava bastante a um chalé. Era bem maior por dentro do que aparentava por fora, inteira feita de madeira, com telhas simétricas, várias janelas e dona de uma chamativa chaminé feita de tijolos. Ao seu entorno, o pessoal — com a minha ajuda, é claro — construiu um magnífico jardim, repleto de todos os tipos de flores que a Celina conseguiu encontrar pela floresta.

— Fizemos um ótimo trabalho — falou Hélio, terminando de plantar a última flor.

— Sim, e não teríamos conseguido sem a sua ajuda e a do Alfajor, obrigado, meninos — disse Celina.

Perfeito. Pensei que não teria todo o meu trabalho duro reconhecido.

— Agora nós estamos prontas para conhecer seus pais — disse Olga, correndo em direção ao Sal. — Me deixa subir, Sal, me deixa subir.

Beleza, talvez eu esteja mesmo com ciúmes. Ela falou que eu era único, mas não dava para negar que um unicórnio era bem mais interessante do que um beija-flor...

— Bem lembrado, Olga. Meus pais vão adorar conhecer vocês.

Uma a uma, as irmãs subiram em Sal, que logo galopou paraíso à frente. Sempre impecável. Eu não aguentava mais fingir que a presença dele não me incomodava.

Não demorou muito até estarmos diante de uma pequena casa. Não se parecia com a nossa, possuía o tamanho parecido, mas a decoração era completamente diferente. Tinha menos flores e o jardim era inteiro monocromático. Que flores eram aquelas? Ah, eram tulipas. Um jardim de tulipas amarelas. Bonito, mas nada criativo. Um casal saiu junto da residência e esboçou uma reação de surpresa ao nos ver.

— Mãe, cheguei! — cantarolou Hélio, pulando bruscamente do unicórnio —, e trouxe visitas.

— Filho, que demora! Seu pai e eu já tínhamos começado a achar que você tinha se perdido — disse a mulher, dona de longos cabelos pretos e vestindo um vestido turquesa. — E quem são esses três lírios de ouro que você trouxe?

— Mãe, essas são as filhas da Serena: Celina, Rúbia e Olga — introduziu-as Hélio, apontando para cada uma conforme dizia seus nomes. — E, meninas, essa é minha mãe, Miriana, e esse é meu pai, Osvald.

Os dois adultos não conseguiram conter a surpresa e, tampouco, a emoção. Ficaram maravilhados quando seus cérebros entenderam que a ninfa, a quem tanto eram gratos, havia tido três filhas.

— Eu não acredito! Tantos anos sem notícias da Serena e agora recebemos logo três de uma vez... — comentou Miriana, tentando conter as lágrimas.

— Vocês eram muito próximos da nossa mãe? — falou Olga, olhando atentamente os dois adultos parados à sua frente.

— Mais ou menos — respondeu Osvald. — Foi algo súbito. Nos conhecemos em um momento difícil da nossa vida. Estávamos sem emprego e tínhamos perdido nossa casa em uma enchente violenta...

— Conhecemos Serena e ela, de imediato, nos classificou como uma de suas preciosidades — completou Miriana. — Quando ela ofereceu Célazul para ser nossa casa, soubemos que ela era especial...

— Estamos aqui há quase vinte anos — disse Osvald, olhando ao redor e contemplando a beleza vista por seus olhos.

— Não conhecíamos esse lado da nossa mãe — confessou Rúbia, intrigada —, na verdade... nós mal conhecemos qualquer lado dela.

— Entre nós três, eu acho que fui a que melhor conheci nossos pais. Eu tinha 14 anos quando eles... partiram.

— Como assim... partiram? — perguntou Miriana, mudando rapidamente a expressão.

— Meninas, por favor, entrem — disse Osvald, tomando à frente. — Vamos conversar melhor lá dentro.

Não sei se foi o grande número de informações recebido de uma vez, mas as irmãs ficaram claramente mais introspectivas. Suas mentes pareciam estar longe. Distantes da realidade.

A casa de Hélio, assim como a nossa, também parecia ser maior por dentro. Provavelmente também tinha sido construída por um ser mágico. Serena, suponho.

O sofá azul escuro era largo e comprido. Quando todos se acomodaram, o silêncio, que pairava no ar enquanto todos se encaravam com um olhar de contemplação, era inquietante — pelo menos para mim.

— Nós... nós estávamos todos juntos no carro... quando aconteceu... — contou Celina, hesitante.

— Quando aconteceu exatamente? — indagou Miriana, pálida.

— Sete anos atrás.

—Tudo isso... é por isso que não recebemos notícias há tanto tempo... — constatou Miriana. — E vocês? Onde têm vivido esse tempo todo?

— Em um orfanato — respondeu Rúbia, séria.

— E como descobriram Célazul? — indagou Osvald, tão confuso quanto à esposa. — Quer dizer... eu suponho que se vocês não vieram antes, é porque não tinham conhecimento.

— E você está certo, senhor Osvald — disse Celina. — Nós não fazíamos ideia de que esse lugar existia. É claro, sabíamos sobre os nossos poderes, pois nossos pais nos instruíram sobre eles, mas não fazíamos ideia que a mamãe tinha esse refúgio escondido.

— É, eles nos passaram milhares de regras, como: não usar os poderes em público, não contar aos humanos sobre a magia e não causar danos a ninguém com nossos poderes, mas nunca mencionaram nada sobre esse ou qualquer outro lugar — disse Rúbia com um tom de frustração em sua voz.

— Só descobrimos graças à mamãe, que me contou em um sonho — disse Celina.

— Provavelmente uma daquelas aparições mágicas preservadas pelo tempo. Ela devia querer que soubéssemos disso e, como morreu sem nos contar, a magia fez isso por ela — teorizou Rúbia.

— Nenhuma chance de ela estar viva? Escondida em algum lugar? — questionou Hélio.

— Não. Nenhuma... — respondeu Olga, cabisbaixa.

O clima não melhorou depois da conversa. Todos continuaram quietos e silenciosos na sala. Lá fora, o clima também tinha mudado um pouco, uma chuva tinha se iniciado. Pelo visto, teríamos que ficar lá por mais um tempo.

— Bom... gostariam de um chá? — perguntou Miriana, levantando-se e tentando mudar o humor.

— Sim! — disseram as irmãs em uníssono.

O resto da tarde, por mais surreal que possa parecer, foi mais caloroso. O casal era divertidíssimo e, juntando suas piadas de tios aos causos do passado de Benjamin e Serena, eles fizeram as três garotas gargalharem como nunca.

— Todas essas histórias foi a sua mãe quem nos contou. Após nos mandar para cá, ela vinha nos visitar rotineiramente e sempre nos fazia rir.

— Obrigada por nos contar tudo isso, dona Miriana — falou Olga depois de levar um gole de chá à boca.

— Ah, querida. Não há de quê. Será um prazer ter vocês como vizinhas aqui, nesse paraíso.

— Sim, podem contar com a gente e com o nosso filho, Hélio — assegurou Osvald.

— Sim, o Hélio já nos ajudou bastante — disse Celina. — Foi ele quem nos mostrou o lugar ideal para construir nossa casa. É bem aqui perto.

— É... eu pensei que seria legal nós sermos vizinhos... — falou Hélio sem graça.

— Nosso filho conhece esse lugar como a palma da mão. Tenho certeza de que ele não fará questão de levá-las para conhecer os outros lugares, não é, Hélio?

— Não, mamãe. Claro que não. Na verdade, seria um prazer imenso.

— E quais são esses outros lugares que nós precisamos conhecer? — perguntou Rúbia.

— Ah, vários. A Floresta Tempestuosa, a Floresta das Tabebuias, o Vale dos Unicórnios e muito mais.

— Já estou ansiosa.

— Pessoal, a conversa foi ótima, mas, agora que a chuva passou, precisamos ir. Nós sequer conhecemos nossa casa direito. Temos tanto a organizar... Sabem como é — disse Celina.

— Ah, tudo bem, querida — disse Miriana, sorridente. — Voltem sempre que quiserem, nossa casa também é de vocês.

— Igualmente, dona Miriana.

Despedidas feitas, agora era hora de voltarmos para casa. O caminho de volta foi quieto. Ninguém tinha muito a falar e o silêncio não era incômodo. Em casa, nosso jardim parecia mais um zoológico. Os animais atraídos por Olga mais cedo ainda continuavam lá.

— Olga... esses animais estão dando muita alegria e vida ao nosso jardim, mas não acha que eles estão um pouco... em excesso?

— Claro que não, Celina. Eles estão se divertindo tanto e o jardim continua limpo. Eu pedi que eles não fizessem cocô por aqui e nem destruíssem nossas flores.

— Sério? Então está perfeito. Vamos entrar, preciso conversar com vocês um assunto sério.

Óbvio que, se o assunto era sério, eu estaria presente — e se não fosse sério também.

Entraram depressa e, sentadas ao sofá da sala, elas se encaravam, ansiosas.

— Viemos morar aqui para ficarmos seguras, vocês sabem, né?

— É óbvio, Celina — retrucou Rúbia.

— Mas... vocês também sabem que um dia teremos que ir embora, não é?

— Por quê? Aqui é perfeito, tem tudo que nós precisamos... — disse Olga, sobressaltada.

— Eu sei, corujinha, eu sei, mas não podemos nos esconder aqui para sempre. Mais cedo ou mais tarde, teremos que confrontar quem quer que esteja nos seguindo.

— Então nós estamos aqui meio que de férias? — falou Rúbia.

— Não necessariamente. Aqui estaremos bem e seguras, então poderemos treinar nossos poderes com mais liberdade do que no orfanato. Quanto mais treinarmos, mais fortes ficaremos.

— Então temos que ficar mais fortes para derrotar os malvados?

— Isso mesmo, Ol.

— Não sei se essa ideia me anima... quer dizer, aqui tem tudo. Por que não podemos ficar com tudo, inclusive a paz?

— Porque, Rúbia, não queremos viver como fugitivas de um crime que nós nem sabemos se cometemos. Qual é, garotas, vocês não querem saber o que esses monstros querem de nós?

— Sugar nossa felicidade? — sugeriu Olga.

— Roubar nossos poderes? — disse Rúbia.

Teorias boas. Eu também acrescentaria o "roubar meu néctar".

— São boas teorias, mas não passam disso: teorias. Precisamos pesquisar e enfrentar essas criaturas para saber a verdade — disse Celina.

— Tá bom, mamãe. Agora podemos conhecer nossos quartos? Eu quero ver como meus desenhos se materializaram — falou Rúbia, levantando-se e correndo escada acima.

— Você fez um quarto para cada uma? — percebeu Celina, analisando cada detalhe do ambiente, deslumbrada, conforme subia as escadas.

— Fiz, sim.

— Então eu vou ter que dormir sozinha? Mas eu não quero dormir sozinha...

— Ah, não se preocupa, Ol. Estaremos bem ao seu lado — falou Rúbia, assistindo ao olhar de alívio de sua irmã.

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