O casulo

- Sim majestade, encantamento. E muito poderoso, nem mesmo nossa magia foi capaz de identificá-lo. - A fada curandeira explicou.

- Vossa majestade tem ideia do que possa ter acontecido a esta criança? - A outra fada questionou.

Herba estava bem pensativa. Circulou pelo quarto algumas vezes, agoniada. Depois se voltou para as fadas:

- Eu tenho uma ideia do que possa ser isso.

- Ai, está doendo... - Gemi, respirando pesado.

- Majestade, o que deseja que seja feito? - Perguntou a fada, olhando-me com preocupação.

- Tratem dos sintomas. Esperaremos para ver se o corpo se acostuma com o encantamento.

- Sim majestade. - As duas concordaram, curvando suas cabeças.

Herba abaixou-se, aproximando-se de mim e segurou minha mão suada:

- Fica calma, não vou deixar nada acontecer a você Silva.

- Obrigada Herba... - Respondi, com dificuldade.

As fadas deram-me um tipo de chá de ervas luminosas para tomar. Depois disso, acabei adormecendo.

Tudo estava escuro.

"Onde estou?" - pensei, assustada.

Tum-dum, tum-dum, tum-dum...

O tempo todo eu ouvia o som de um coração batendo.

A minha frente, eu vi um coração pulsando. Nele havia uma semente fincada. Ela estava começando a brotar. Seus filetes esverdeados cresciam em volta do coração, precionando-o.

- Ah... - Gemi, levando a mão ao meu peito.

- Silva... Silva... - Ouvi uma voz familiar ecoando naquele vazio.

Senti os pés molhados. Olhei para chão e percebi que estava cercada por água a se perder de vista, uma água clara e cristalina. Dava pra ver que era fundo, mas eu não estava afundando. E por mais que tudo aquilo parecesse loucura, eu não estava sentindo medo.

- Silva... - Ouvi novamente alguém me chamar.

Algumas pétalas rosadas começaram a passar por mim. Eu as segui, caminhando sobre a água, até chegar a uma espécie de ilha muito pequena. Nela havia uma grande árvore de cerejeira, bela e imponente. Carregada de flores rosas, que por vezes faziam chover suas delicadas pétalas.

Quando me aproximei da ilha avistei uma mulher de costas. Ela usava um vestido comprido, rosa claro, que balançava como se houvesse uma brisa passando por ele. Ela olhou para mim. Aqueles cabelos loiros, aqueles olhos verdes e aquele sorriso gentil eram inconfundíveis:

- MÃE! - Eu corri em sua direção, as lágrimas escorriam pelo meu rosto. Eu a abracei muito forte. Ela cheirava a rosas. Minha mãe sempre exalou esse gostoso aroma. Seu abraço carinhoso fez meu coração aquecer-se novamente. Nada mais importava. Eu queria ficar alí com ela para sempre. - Mãe... eu senti tanto a sua falta... - Falei, aos soluços.

Ela acariciou meus cabelos com sua mão macia e olhou-me com os olhos carinhosos de sempre:

- Minha filha... Me perdoa por não estar mais com você... Se nós estamos tendo essa conversa, significa que eu não estou mais viva.

Eu puxei o fôlego para conseguir falar:

- O que... O que você quer dizer?

Ela sentou-se calmamente na grama e deu umas batidinhas no chão, chamando-me para sentar ao seu lado. Eu obedeci.

- Eu sou uma mensagem, uma sombra do que já fui... Estou aqui para ajudar você, mas sou limitada. Não poderei responder tudo. Você entende?

Eu abaixei a cabeça, decepcionada:

- Você não é a minha mãe?

Ela abraçou-me novamente:

- Eu sou, querida. Sou um fragmento limitado, mas sou. - Sua expressão ficou triste.

Eu a encarei por alguns segundos. Mesmo que fosse só um fragmento, era tão bom poder vê-la novamente. Eu a abracei apertado:

- Pra mim não importa... Obrigada por estar aqui...

Ela sorriu pra mim e beijou minha testa, como costumava fazer.

- Silva... Preciso conversar algo com você... - Sua expressão ficou um pouco mais séria.

Eu enxuguei as lágrimas, precisava me acalmar:

- Tudo bem, estou ouvindo... - Respondi, fazendo-me de forte.

- Eu sei que vai ser difícil seguir a vida sem mim... Mas eu te peço minha querida, continue vivendo e seguindo em frente. Não se prenda demais a minha morte...

- Vai ser difícil - Respondi, com a voz chorosa.

Ela afagou o meu ombro:

- Eu sei... Mas você vai precisar superar isso e seguir em frente minha filha... Não há mais nada que você possa fazer por mim, a não ser seguir em frente. Não há utilidade na tristeza, Silva. Você pode até chorar e se entristecer, mas a vida é feita para ser seguida sem olhar para trás e apesar de todas as dificuldades. Cada um de nós têm uma missão a ser cumprida. E se você piscar, por um segundo, você perderá de vista o que realmente importa.

- Mas mãe, como eu vou conseguir viver sem você?

- Você vai conseguir! Pode ser que você não se esqueça, mas com o tempo a dor diminui e a ferida sara. Aquilo que você não pode mudar, você não pode se preocupar, entendeu?

Eu assenti. Aquelas palavras mexeram comigo. Comecei a pensar que era isso que eu queria guardar dela. Sua força, sua positividade. Minha mãe sempre passou isso pra mim. Decidi que seguiria seus ensinamentos e enfrentaria tudo com coragem. Talvez assim, lá do céu, ela sentiria orgulho de mim.

Eu sorri para ela, mais confiante:

- Eu entendi.

- Tem outro assunto que eu preciso tratar com você...

- Qual? - Perguntei, agora sentindo-me mais calma e confiante.

- Seus poderes... - Ela apontou o dedo para o meu peito.

- Meus... Poderes?

- Isso. No dia em que você nasceu, decidi bloquear os seus poderes.

- Mas por que você faria isso? - Franzia as sobrancelhas.

- Para proteger você. - Ela acariciou meu rosto.

- Daquelas criaturas?

- Sim... Você nasceu em um período em que nosso povo e os humanos vivenciavam uma grande instabilidade e eu precisava protegê-la... - Ela suspirou.

- Por acaso você veio até mim para desbloqueá-los? - Perguntei, esperançosa.

- Na verdade não... Eu ainda acho que é melhor você se esconder. Mas seus poderes estão florescendo e meu feitiço não está conseguindo contê-los. E provavelmente seu corpo está sentindo o atrito dos dois...

- E por que isso está acontecendo logo agora? - Perguntei.

- Ah querida... Isso é por causa do feitiço que lancei em você... lembra-se?

- Sim! Alguma coisa com a semente! Você não quis explicar o que era aquilo. Senti algo muito estranho naquele dia! - respondi.

- Isso mesmo...

- Aliás, o que foi aquilo?

Ela suspirou novamente e segurou minha mão:

- Foi algo que eu precisava fazer. Não imaginei que faria seus poderes se manifestarem...

- Você não está explicando direito... - Questionei, entortando os lábios.

- Pela sua segurança, eu não posso dizer. Mas se for preciso, retornarei mais uma vez, está bem assim?

- Bem, bem, não está... Mas pela sua expressão, acho que não vou arrancar nada de você... - Respondi, dando os ombros.

Ela sorriu:

- É verdade. - Depois ficou séria novamente. - Seja como for Silva, você tem uma escolha a fazer... Você pode adormecer seus poderes novamente ou deixá-los florescer, mas... - Ela levantou o dedo indicador - Se escolher deixá-los florescer, seu corpo pode não aguentar por causa do conflito com o feitiço de bloqueio...

- E você não pode desbloquear? - Perguntei sem hesitar. Era o que eu queria,  desenvolver meus poderes. Principalmente para conseguir me defender sozinha e para não ser um fardo para mais ninguém. Eu poderia falar da boca pra fora que iria adormecê-los, mas não conseguiria mentir para o meu coração.

Ela balançou a cabeça:

- Não posso. Nesta forma, não há mais nada que eu possa fazer...

- Entendo... - Apertei as mãos com força. Frustrada.

De repente começou a ventar forte.

- O que está acontecendo?! - Perguntei, assustada.

- Chegou a hora Silva!

O Vento começou a puxar-me, eu agarrei as mãos da minha mãe:

- Mãe, eu não quero ir! - meus pés saíram do chão, fui erguida como uma pipa.

- Você precisa continuar vivendo! Cumpra a sua jornada! - Minha mãe falou com lágrimas nos olhos. Depois disso ela soltou minhas mãos e a forte corrente de vento me levou.

Ouvi pessoas conversando ao meu redor:

- Olhem, ela está acordando!

Alguém segurou minha mão, carinhosamente:

-Silva, eu estou aqui meu bem! - Era a voz da Herba.

Eu abri os olhos. Vi o rosto preocupado da Herba, as fadas curandeiras estavam logo atrás, com uma expressão tensa.

Não demorou muito e voltei a sentir a dor no meu peito, estava mais forte do que antes. Apertei os olhos com força, contorcendo-me:

- Ahhh.... Está doendo!

- Majestade! Precisamos fazer alguma coisa, ela pode acabar morrendo! - uma das fadas alertou.

-Morrendo?! - Herba levantou-se, ofegante - Deixem-me sozinha com ela!

- Mas majestade... - A fada insistiu.

- É uma ordem! - Herba gritou.

Assustadas, as fadas fizeram uma reverência:

- Sim, majestade... - E deixaram o quarto.

Minha respiração estava pesada. Doía muito, mas eu não desistiria dos meus poderes, eu precisava suportar.

Eu olhei para Herba. Ela estava em pé, ao meu lado. Ela estendeu suas mãos sobre mim, bastante concentrada. Seus olhos iluminaram-se com uma luz verde que irradiou-se até a suas mãos.

Eu não consegui nem ao menos perguntar o que ela estava fazendo. Só conseguia pensar na forte dor no meu peito. Eu estava suando muito.

De repente, cinco círculos de luz rosa brotaram do meu corpo. Herba começou a movimentar as mãos. Percebi que os círculos acompanhavam o movimento. Ela os mudou de posição algumas vezes com bastante esforço. Depois disso, os círculos sumiram em uma faísca.

Uma luz branca irradiou-se por todo meu corpo, era muito forte. Depois apagou-se novamente. A dor havia sumido.

Herba sentou-se exausta em uma poltrona próxima a minha cama.

- O que você fez?! - Perguntei com os olhos arregalados.

Ofegante, como se tivesse corrido uma maratona ela respondeu:

- Eu desbloqueei seus poderes. - Ela permaneceu estirada na poltrona, exausta.

- Mas como?! Como você sabia como fazer?! - Perguntei, ainda permanecendo deitada, sentindo-me fraca.

- Sua mãe, ela ensinou-me como fazer... Não era o que ela queria, mas se eu não fizesse, você poderia morrer... - Ela entortou a boca, provavelmente sentindo-se culpada por ir contra a vontade da mamãe.

Eu descansei a cabeça no travesseiro, aliviada. Estava salva! E agora teria meus poderes para cuidar de mim mesma.

- Silva, olhe! - Herba saltou da poltrona.

Eu comecei a sentir umas cosquinhas no meu peito. Quando olhei, filetes esverdeados que pareciam a raiz de alguma planta estavam brotando do meu peito.

"Droga! Comemorei cedo demais! Quando esse tormento vai acabar?!". Pensei, frustrada.

Olhei para Herba com cara de espanto:

- O Que é isso?! - Herba estava paralisada - Herba?!

Os filetes começaram a se espalhar por todo meu corpo.

- Eu... eu não sei! - Herba finalmente respondeu.

Os filetes estavam entrelaçando-se, nesse ritmo eu ficaria toda coberta por eles:

- Herba! Faça alguma coisa, por favor! - Supliquei.

- Calma Silva, eu posso não saber o que é isso, mas tem haver com seus poderes, eu acho que não vai machucar você... - Herba, respondeu. Não senti confiança eu seu tom de voz.

- Você acha?! Herba, me ajude! Hummm... hum... hum.. - Os filetes cobriram minha boca. A última coisa que vi, antes dos filetes cobrirem-me por completo, foi o rosto tenso da Herba, dizendo que eu ficaria bem.


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