Cercados

Comecei a perder os sentidos. Minha visão estava escurecendo. Mas naquele momento ainda pude ver uma espada de luz dourada atravessar o braço da criatura, decepando-o. Suas garras soltaram-se do meu pescoço. Cai no chão, tossindo e tentando recuperar o fôlego.

A minha frente estavam um par de asas abertas, majestosas, que me lembraram as asas de uma águia, mas bem maiores. Eram negras com manchas brancas e completamente brancas nas pontas.

Incrédula, arregalei os olhos. Logo percebi que as asas pertenciam a uma pessoa, era o Thomas!
Ele olhou para mim. Seus olhos estavam com uma coloração mais forte. Quase amarelos. Certamente lembrou-me de uma águia.
Ele não demorou seu olhar sobre mim. Rapidamente precisou voltar a lutar. Várias criaturas monstruosas tentavam entrar pela janela. Não eram de fumaça como as que normalmente rondavam a cidade. Essas lembravam ogros, super musculosos, com pele negra de lagarto. Umas maiores, outras menores. As mandíbulas eram grandes e os dentes afiados. Algumas voavam com suas asas de diabretes.

Thomas era muito habilidoso com a espada, parecia que tinha feito isso a vida inteira. Sua espada de luz atravessou o corpo de uma das criaturas, degolou outra. E ele chutou mais uma que estava se esgueirando para dentro. Ele era uma máquina de matar monstros.

— Silva! Oh, meu Deus, filha... — Minha mãe correu até mim, em pânico, depois de adentrar a sala e ver a situação — Seu pescoço... — Ela passou suas mãos trêmulas pelas marcas deixadas pelo estrangulamento.

— Mãe... não consigo mexer o pescoço — gemi, assustada e ofegante.

Herba também entrou na sala. ela olhou a situação rapidamente e enrijeceu as mãos, invocando um arco e flecha de luz esverdeada. Em seguida um par de asas gigantescas, brancas com algumas penas verde-claro, brotaram em suas costas. Com muita precisão, ela começou a acertar as criaturas que ousavam passar pela janela.

— Flora, não vamos conseguir parar todas, são muitos! — Herba gritou.

Minha mãe ficou de pé, tinha uma expressão séria em seu rosto. Seus olhos verdes ganharam uma luz rosada, ela levantou os braços. A luz rosa também brotou de suas mãos e começou a jorrar, como uma fonte abastada de água, se espalhando por toda a casa. A janela quebrada foi bloqueada, como se tivesse sido colocado uma bolha rosa opaca sobre ela. As criaturas pararam de entrar.

Ela abaixou as mãos e todo o brilho rosa dissolveu-se. Ela voltou para perto de mim. Eu ainda estava em choque por tudo o que eu tinha visto.
Minha mãe passou suas mãos sobre meu pescoço, sua mão iluminou-se mais uma vez e apagou-se em seguida. Toda a dor que eu estava sentindo sumiu. Eu conseguia mover meu pescoço novamente.

Levei a mão ao meu pescoço e olhei para minha mãe confusa, duvidando do que via. Por um instante todos ficaram em silêncio. Percebi que olhavam para mim com uma mistura de receio e espanto, esperando por alguma reação da minha parte, depois de descobrir seus segredos.
Eu estava me sentindo enganada, por todos terem ocultado as coisas de mim, até mesmo Thomas. Um turbilhão de sentimentos passava dentro de mim. Mas então eu finalmente pensei:

"Se não fosse por eles, se não fosse pelos seus poderes, agora eu estaria morta...".

Eu abri minha boca pra falar, mas logo fui interrompida por Herba:

— Espere. Eu sei que tudo isso é confuso e que você deve estar pensando que mentimos para você sua vida inteira...

Eu assenti com a cabeça e franzi as sobrancelhas. Realmente, também pensei isso.

— Nós sabemos que você quer e merece uma explicação — Ela continuou — Mas esse não é o momento, temos um problema maior pra resolver agora. E se não agirmos logo, todos nós vamos morrer. — Seu tom de voz estava bem sério.

Eu olhei para minha mãe, ela abaixou a cabeça, com pesar. Depois olhou para mim novamente e acenou positivamente, num sinal de concordância com o que Herba havia dito.

Levantei-me do chão. Ainda estava trêmula. Mesmo assim os encarei e falei com firmeza:

— Tudo bem, por hora não vou perguntar nada sobre isso. Mas depois... Depois eu exijo uma explicação!

Percebi que minha mãe apertou as mãos com força.

— Então... — continuei — qual é o plano para sairmos daqui?

— Tem um escudo em volta da casa Silva. Eles não vão entrar aqui. — Minha mãe falou.

— Flora, você não está pensando em ficar, está? — Perguntou Herba, levando a mão a testa, com preocupação.

— Mas Herba... E tudo o que temos feito e construído aqui?! Não podemos simplesmente abandonar tudo como os outros fizeram! — Minha mãe retrucou, exaltando-se um pouco.

Herba colocou suas mãos nos ombros da minha mãe:

— Flora, você está se escutando?! Isso não é razoável! — Ela puxou o fôlego, tentando recuperar a calma — Olha, eu sempre estive ao seu lado e apoiei todas as suas decisões, você sabe disso, não sabe? Sabe das coisas que deixei pra trás para te seguir até aqui... e não estou dizendo que me arrependo...

— Eu sei Herba — minha mãe acariciou o rosto de Herba, com os olhos vermelhos.

Herba respirou novamente:

— Precisamos ser realistas. Não temos muita escolha aqui. O seu escudo não é invencível, tanto que se rompeu há alguns minutos! Eu sei que você não está tão forte. Os seus poderes já não são mais os mesmos Flora!

— E o que você sugere?! Voltar para o reino?! — Minha mãe esbravejou.

— É a nossa melhor saída...— Herba respondeu, abaixando a cabeça com pesar.

— Não, isso não. Significaria a nossa derrota... Significaria desistir das criaturas desse lugar.

— Eu sinto muito Flora, fizemos tudo o que podíamos...

— Podemos nos abrigar com os outros aliados.

"Aliados? Do que elas estão falando?" — Pensei, frustrada — "Vou precisar ter uma longa conversa com minha mãe, tem muita coisa que ela não está me contando!".

— Eles ficariam honrados em recebê-la, mas isso não vai funcionar. — Herba respondeu.

— Por que não? — Minha mãe perguntou.

— Estamos cercados aqui, eles nos descobriram. Se conseguirmos chegar até lá com vida, porque vai ser um longo caminho, levaremos essa massa de ogros até eles também. É o que você quer, colocar a vida deles em risco?

— Não, claro que não! — Ela ficou em silêncio por um momento, como se estivesse refletindo. E depois disse:

— Você está certa.... O caminho mais curto é pelo portal para o reino.

— Mas de todo jeito teremos que lutar para passar por eles — disse finalmente Thomas, que todo tempo esteve sério e calado. — E afinal, onde fica esse portal?

— Fica na floresta, não muito longe daqui. — Minha mãe respondeu.

— E como vamos passar pelas criaturas? — Perguntei, tendo calafrios só de imaginar.

— Atacando — Respondeu Herba. — E depois correndo muito.

Eu arregalei os olhos, assustada.

"Não parece um bom plano para mim..., mas eles têm poderes, certo? Talvez seja o suficiente. Se ela está sugerindo isso, deve ter confiança em suas habilidades". — Pensei.

Minha mãe abraçou-me, quando percebeu minha expressão de espanto:

— Nós vamos conseguir meu bem, tenha fé. — Seu abraço era tão reconfortante. Ela sempre foi uma boa mãe para mim, muito afetuosa. Eu não conseguiria odiá-la. Se escondeu as coisas de mim, deve ter tido algum bom motivo.

— Qual saída vocês estão pensando em usar? — Thomas perguntou.

— A porta da frente, não faz muita diferença, estamos cercados de todo jeito — Herba respondeu, dando os ombros. — Pelo menos já fica no rumo da floresta — concluiu.

— Está bem, vamos fazer logo isso! — Disse minha mãe, com mais confiança — Thomas você poderia emprestar um de seus moletons com capuz para Silva? — Pediu.

— Claro Flora. — Ele foi até o canto da sala, onde estava sua mochila, porque dormiria lá esta noite se as coisas não tivessem saído do controle, pegou o moletom e depois o entregou para mim.

Vesti o moletom branco do Thomas, ficava bem maior em mim do que nele. As mangas estavam sobrando. Tive que dobrá-las. Parecia que eu estava usando um vestido e não uma blusa de frio. Por um instante o cheiro gostoso do moletom fez meu coração palpitar. Era o cheiro do Thomas.

— Está bom — conclui minha mãe, cobrindo minha cabeça com o capuz.

Eu assustei, meu rosto corou por um instante.

— Para que isso? — Perguntei, envergonhada.

— Não quero que eles vejam você. — Minha mãe respondeu.

Todos nós nos posicionamos em frente à porta principal da casa, encarando-a em silêncio. Havia uma tensão no ar.

— Nós vamos simplesmente sair? — perguntei, o medo estava revirando meu estômago.

— Não, não vamos simplesmente sair — minha mãe respondeu. — Eu quero que todos vocês permaneçam juntos, entenderam?

Eu assenti com a cabeça.

— O que você planeja fazer Flora? — Thomas perguntou.

— Eu irei desfazer o escudo em volta da casa e irei refazê-lo apenas a nossa volta. — Respondeu. Ela olhou para mim, oferecendo sua mão. Eu a agarrei. — Prontos?

Todos fizeram sinal de concordância. Mas de certo ninguém ali estava pronto.

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