A fada da escuridão e um adeus

Minha mãe fechou sua mão esquerda, que estava livre, sugando todo o escudo da casa. Depois, ela abriu-a novamente. Uma espécie de bolha transparente e rosada formou-se a nossa volta. Não demorou muito e a casa começou a ranger muito mais. Fazendo um barulho estridente. Pó de gesso e de madeira caíam do teto. Fendas gigantescas de rachadura corriam por todos os cantos.

Eu apertei sua mão direita com muita força, num reflexo involuntário do medo que sentia.

De repente, as paredes despedaçaram-se, voando escombros para todos os lados, uma manada de ogros avançou em nossa direção. Minha casa estava inteiramente destruída. Não foi fácil ver tudo o que eu tinha, ver o meu lar ser reduzido a ruína em segundos.

O teto da casa desabou sobre nossas cabeças quando um rabo de lagarto gigantesco o atravessou. Os ogros negros atacaram o escudo com suas garras e dentes afiados. Rugindo como feras vorazes. Alguns usavam armaduras enferrujadas e espadas robustas. O escudo nos protegeu. Mas ele tremia com os impactos e piscava como uma tv velha chiando.

- Flora! - Gritou Herba, percebendo que minha mãe, assim como eu, estava paralisada pelo choque. - Tire-nos daqui!

Ela caiu em si. Recompondo-se, voltou a se concentrar. E o escudo pareceu estabilizar-se. Os olhos dela tinham aquele brilho rosa novamente e um par de asas rosadas surgiram em suas costas, como uma flor brotando da terra. Não de pássaros como as da Herba e do Thomas, mas asas como as das fadas dos contos. Era a coisa mais bonita que eu já tinha visto. Elas emitiam um brilho, como pó de glitter. Eu estava maravilhada.

Em um impulso, ela nos tirou do chão, batendo suas elegantes asas delicadas. Segurando sua mão, eu flutuei, acompanhando seu itinerário. Herba e Thomas também voavam, ganhando velocidade com suas majestosas asas de penas.

Nós voamos até o alto das nuvens. A escuridão estava muito intensa. O cheiro forte de podridão ainda podia ser sentido, mas estava menos forte lá de cima. E os ogros que possuíam asas ainda nos perseguiam pelos ares.

Em meio a fuga, minha mãe gritou:

- Herba, Thomas, esperem!

Todos pararam de avançar, mas continuaram batendo suas asas para se manter voando. Herba indagou, ofegante:

- O que foi, por que estamos parando?!

- Preciso ver uma coisa. - Minha mãe respondeu.

Herba coçou os cabelos, irritada:

- O que você quer ver?! Precisamos sair daqui!

- Só um minuto! - Ela pediu e depois direcionou seu olhar para baixo em direção à massa de ogros. - São muitos Herba, nunca vi tantos reunidos...

- Sim, por isso precisamos sair daqui! - Herba estava impaciente.

- Não, isso pode ser uma oportunidade!

Herba arregalou os olhos:

- O quê?! Você só pode estar maluca!

A essa altura os ogros voadores já tinham nos alcançado e batiam enlouquecidamente contra o escudo.

- Pessoal, o que está havendo com vocês? Vamos logo! - Interferiu Thomas, também começando a ficar impaciente.

Ele foi ignorado pela minha mãe. Ela carregava um olhar obstinado de quem tinha tido uma ideia perigosa:

- Herba escute, eu quero pedir algo importante pra você.

Herba engoliu seco, não estava gostando do rumo da conversa:

- O que você está pensando em fazer Flora?

- Eu vou sair e vou lutar, vou dizimar o máximo desses desgraçados que eu conseguir.

- Eu sabia que você tinha perdido a cabeça! Flora, se eles pegarem você, estará tudo acabado, para esse mundo e para o nosso! - Respondeu Herba, nervosamente.

- É por isso que eu preciso que você proteja a Silva de agora em diante. - Depois de falar isso, minha mãe olhou para mim e me puxou. Ficamos frente a frente.

Eu não fazia ideia do que ela estava falando, mas eu não a deixaria sair daquele escudo, era tudo que eu conseguia pensar.

Ela colocou sua mão sobre meu peito. Depois disso, uma luz rosa envolveu todo o seu corpo e o meu peito. E recitou algumas palavras:

- A semente que cair em boa terra, dará boa colheita.

Sua voz ecoava na minha mente. Eu senti um pulsar forte no meu coração. Parecia que eu teria um infarto. Senti uma corrente de energia fluir em mim. Uma luz branca brotou da minha pele e logo se apagou.

- O que... o que foi isso? - Perguntei, assustada.

Ela não respondeu minha pergunta. Puxou-me e envolveu-me num forte abraço:

- Eu amo você filha. - Seus olhos estavam cheios de lágrimas.

- Mãe... Eu também te amo - minha voz saiu chorosa.

- Flora... O que você vai fazer? - Perguntou Herba, espantada - Mas ela já sabia a resposta.

Minha mãe a ignorou e me entregou nos braços de Thomas.

- Flora... - Herba insistiu, em um tom de ameaça.

Ela finalmente olhou para Herba:

- Eu tenho que fazer isso...

- E se eles pegarem você...- Herba continuou repetindo.

- Agora eles não terão mais os meus poderes.

Herba sabia que minha mãe não mudaria de ideia. Ela colocou sua mão sobre o ombro dela, com uma expressão séria:

- Eu vou com você! Lutarei até o fim ao seu lado.

- Mãe, do que vocês estão falando?! Estão loucas! - Esbravejou, Thomas.

Minha mãe afagou o rosto de Herba com ternura:

- Eu sei que você lutaria. Mas preciso que você proteja a Silva. Leve-a ao Reino das fadas e não deixe que saibam sobre ela. É a melhor forma de mantê-la segura. Entendeu?

Antes que Herba pudesse responder, mamãe a empurrou e saiu do escudo.

- NÃO! - Eu gritei em desespero.

Herba tentou sair do escudo para ir atrás dela, mas acabou colidindo em suas paredes, que agora estavam rígidas como um vidro. Ela esfregou o ombro e gemeu:

- Au... - Fechou a cara e mesmo assim continuou batendo com vigor.

Thomas e eu tentamos ajudar, batendo nossas mãos contra o vidro.

- Não vai quebrar... - Concluiu Herba, depois de várias tentativas, abaixando a cabeça com frustração.

- Não! - Eu vociferei e continuei esmurrando o escudo, obstinada, gritando. Sem me importar com minhas mãos doloridas começando a ficar vermelhas - Mãe! Mãe! - A essa altura ela já estava longe, ela passou pelos ogros muito rapidamente. Eu só pude ver uma luz rosa se locomovendo. Depois disso os ogros foram atrás dela.

Thomas afastou-me da parede, eu chorava, sem mais forças:

- É inútil Silva... - Ele falou.

- Por que ela fez isso... por quê? - Eu lamentava, em desespero. Thomas me abraçou um pouco mais forte.

- Vamos descer até lá! Mesmo que não possamos sair daqui, ainda podemos nos mover. - Sugeriu Herba.

Thomas concordou e voamos de volta. Eles aterrissaram na copa de uma árvore. O cheiro desagradável de podridão intensificou-se novamente. Mas eu estava tão tensa que isso nem me incomodava mais.

- Lá está ela! - Alertou Thomas, apontando o dedo em sua direção.

Tudo que podíamos fazer era assistir. Meus olhos acompanhavam apreensivamente cada um de seus movimentos.

Ela batia suas asas, permanecendo acima dos ogros. Os que estavam no chão pulavam para tentar alcançá-la. E os que tinham asas circundavam-na, atacando-a, inutilmente. Porque apenas com um mover de suas mãos, luzes rosadas eram expelidas bombardeando as criaturas, abatendo-as em seguida.

Ela fechou os punhos e fez bastante força. A luz rosa ficou mais intensa a sua volta, como uma chama de energia. As criaturas foram repelidas por essa luz. Movimentando suas mãos, quase como um maestro conduzindo a orquestra, ela começou a evocar vários poderes diversos ao mesmo tempo. Por vezes lascas de gelo afiadas eram jogadas, atravessando o peito de alguns ogros. Por outras, labaredas de fogo eram expelidas contra a multidão, queimando-os, até virarem cinzas. Em um outro movimento, um tornado surgiu, arrastando muitas criaturas para a morte. O chão tremeu, abrindo algumas fendas que engoliram alguns ogros desafortunados. Das fendas, grossas raízes de árvore brotaram, esmagando e destroçado todos a sua volta. O céu iluminou-se quando ela levantou sua mão e abaixou-a, fazendo cair vários raios de luz amarelada sobre eles.

Tudo que se escutava era o estrondo de raios no céu, o vento uivando intensamente e o granito das criaturas sendo mortas. Parecia o juízo final dos ogros. Eu não fazia ideia de que ela era capaz de fazer essas coisas. Nem de que era possível algo assim sequer existir.

"BUM - BUM"
O chão começou a pular onde nós estávamos. "CRAAC, CRAAAC" - e escutamos o som de galhos se quebrando. Um lagarto negro gigante de olhos vermelhos passou por nós. Demorou alguns minutos até que perdêssemos de vista seu logo rabo, cheio de grandes espinhos pontudos.

Todos nós ficamos boquiabertos, com cara de abobalhados, enquanto olhávamos a inacreditável criatura passar. Meu coração pulou para a boca naquela hora.

Ele aproximou-se da minha mãe e graniu ferozmente, expelido gotas de sua saliva esverdeada repugnante:

GRRAURRR!

Em seguida, ele tentou abocanhá-la com sua grande mandíbula, cheia de dentes enormes e afiados.

Eu prendi a respiração por um momento.

Ela conseguiu desviar. Por um instante ela dedicou toda sua atenção para o lagarto gigante. Forçou-se a fazer aparecer uma grande espada de chamas em sua mão. Em um impulso, ela golpeou a criatura partindo-a ao meio. Espalhando gosma para todos os lados.

Eu fiz vômito. Aquilo era nojento!

Ela ficou ofegante depois daquilo, dava pra ver em sua Expressão que estava começando a se cansar.

Em uma pegada do que parecia ser seu último fôlego, ela girou a espada e fez expelir chamas para todos os lados, como em uma explosão, que destruiu boa parte dos ogros que estavam lá. Percebi que os que sobraram começaram a fugir em debandada.

Era isso, ela tinha conseguido! Eu me animei. Estava aliviada também. Mal consegui acreditar nas coisas que estava vendo.

Finalmente ela relaxou. Respirando pesadamente. A espada sumiu. E o brilho rosa diminuiu de intensidade.

- Flora! - Herba gritou, sacudindo seus braços. - Venha!

- Mãe! - Eu também a chamei.

Ela sorriu para a gente e acenou. Veio voando em nossa direção. Nós também fomos ao seu encontro.

A escuridão dissipara-se um pouco. Atrás da minha mãe, pude ver até mesmo a lua cheia resplandecente, iluminando-a.

Fiquei tão aliviada por ela estar voltando para dentro do escudo. Estava quase lá.

- Venha logo! - Continuei gritando, ansiosa. Todos nós gesticulávamos, num sinal animado para ela vir.

Mas então eu congelei e estremeci, quando avistei um grande tentáculo negro a perseguindo.

- CUIDADO! - Eu esbravejei, em desespero.

Mas antes que ela pudesse nos alcançar, o tentáculo atravessou seu peito, fazendo respingar sangue da sua boca.

- Não... NÃOOO! - Eu gritei.

Ela nos olhou com seu rosto pálido, puxando o ar com dificuldade e estendeu sua mão, que se iluminou mais uma vez e com o que pareceu ser sua última força, ela atirou a luz em nossa direção e desfaleceu por completo. Seu corpo ficou pendurado naquela coisa.

E antes de sermos lançados floresta adentro, eu pude ver atrás dela uma forma humana. Usava uma capa preta, mas o corpo era feminino. Eu não vi seu rosto, mas podia ver seus olhos vermelhos. E o mais bizarro, ela tinha asas parecidas com as da minha mãe, mas eram completamente negras.

"Uma fada da escuridão... " - Foram as palavras que passaram pela minha mente.

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