Capítulo XXVIII

Mikaela Evans⭐

O semideus estava deitado com a cabeça sobre o meu colo e sua respiração morna ainda me causava arrepios. O lençol cobria parte da sua nudez, mas eu vislumbrava o ângulo das costas que terminava em um bumbum perfeito para um homem daquele tamanho.

Depois de toda intensidade e voracidade com que nos amamos, estávamos saciados e silenciosos. Contudo, o pensamento que eu queria evitar invadia minha mente como uma idéia fixa e inexorável.

— Ethan... Eu preciso ir... — quebrei o silêncio, sentindo minha voz embargar na garganta.

— Vai não. Tá gostoso aqui.

— Eu preciso ir embora.

Algumas lágrimas escaparam e eu as sequei, incomodada por estar tão chorosa. Até então, nunca havia sido tão emotiva.

Eu precisava tomar a decisão. Ou melhor, agir como havia planejado antes de encontrar o Ethan. Eu tentei a sorte e não deu certo. Prolonguei meu tempo aqui, seduzida pelos seus olhos celestes, pela proteção dos seus braços e o aconchego do seu corpo. Agora era chegada a hora de partir.

— Preciso sumir por um tempo. Até o Kassian me esquecer ou desistir de mim.

— Qual é o seu plano?

Ethan continuou deitado, apoiado no antebraço e o outro braço sobre o meu corpo, evitando assim que eu me levantasse.

— Sair do país e ir para um lugar fora do circuito dos milionários e fora do radar do Kassian. Talvez eu mude o cabelo ou use lentes…

— Você não tem um plano “B”? Que inclua “nós”?

— Não tive tempo de fazer um plano “B” porque tudo que aconteceu entre a gente foi mais rápido do que eu conseguia raciocinar. Não que tenha sido ruim, só passional demais.

Enquanto falava, fazia carinho no cabelo dele, descendo meus dedos pela nuca e seguindo até a linha do pescoço. Era irresistível não tocá–lo e seria impossível esquecer tudo que vivemos naquela casa.

— Tem um lugar que ele não conhece. — falei com a voz mansa, pronta para fazer outra revelação — Nos encontramos na Europa e minha vida antes dele nunca o interessou. Na verdade, quanto menos laços eu tivesse com o passado, melhor seria para que nada me impedisse de acompanhá-lo.

— É típico dos loucos possessivos querer ser o centro do universo.

— A única família que eu tenho está lá.

— Você me disse que seus pais morreram.

— É verdade. Só ficamos eu e minha irmã quando nossos pais morreram.

— Você tem uma irmã?!!

— Sim, ela se chama Manuela e preciso vê–la antes de sair do país.

— Eu entendo você querer se despedir dela, mas é tão importante ir lá agora?

— Não é só despedida. Quando planejei me afastar do Kassian, fiz um seguro de vida e enviei os dados de uma caixa postal, onde guardei documentos e o código de um cofre de banco. Pedi um último favor ao meu agente por não ter como o Kassian rastrear, já que eu não fazia mais parte do staff da agência.

— Você realmente pensou em tudo.

Percebi uma ponta de censura que eu deveria refutar.

— Eu precisava garantir a minha sobrevivência. Me manter sem usar meu nome ou imagem por um tempo.

— Não estou te julgando. Sei que sob pressão somos obrigados a tomar atitudes extremas.

— Se eu voltasse para Baraki, nunca mais conseguiria sair de lá. Você me entende?

— Entendo. Você não vai viajar sozinha. Eu vou junto. — falou decidido.

— Ethan, você tem um trabalho e um irmão. Será o melhor pra todos se…

— Sei o que é melhor para mim e sei o que quero. Eu não quero e não vou deixar você sair da minha vida.

Soltei o ar em um suspiro longo, sem conseguir articular uma negativa ou argumento convincente e que seriam inúteis. Então, me aconcheguei no peito dele e suas mãos nas minhas costas me davam confiança. Há poucos minutos um medo crescente invadia meus pensamentos e agora me sentia segura novamente.

— Se vamos viajar é melhor começar a preparar nossa saída logo.

Ethan determinou com a objetividade de quem aceitou o inevitável e já tinha um plano de ação formulado na mente. Após alguns instantes abraçados e que para mim poderiam durar a eternidade, sentamos lado a ladou. Eu vesti a blusa e ele a calça do mesmo conjunto que lhe pertencia.

— Vou fazer duas ligações. Amor, você pode separar algumas roupas minhas e pôr na mala?

Amor. A palavra dita por ele de forma tão natural sempre me causaria um calafrio na espinha.

— Claro. Não é difícil escolher suas roupas. — afirmei sorrindo.

A primeira ligação foi para o Brian. Eu ouvi parte da conversa enquanto reorganizava minha sacola que estava abandonada há dias, por eu quase sempre estar usando as roupas do Ethan.

— Brian, como você tá? — ele ouviu a resposta e sinalizou ok para mim — Quero que venha pra cá. Agora. Traga seu vídeo game e seus filmes pra passar um tempo aqui em casa.

Me dirigi ao armário para separar as roupas dele. Peguei dois casacos, calças cargo, camisetas de malha e os adoráveis conjuntos de moletom que se moldavam ao físico estupendo do guerreiro nórdico. Dobrei tudo e coloquei dentro da valise de couro que ele usaria.

Qual não foi minha surpresa quando abri uma gaveta e junto das boxers, achei três das minhas lingeries que desapareciam como mágica toda vez que a gente se amava. Resgatei as peças, pois já estava ficando sem opções. Quando comprei aquelas roupas íntimas, nunca imaginei que despertaria esse fetiche no Capitão.

— Ethan, seu tarado.

Do outro lado do quarto, ele acompanhava meus movimentos e se percebeu algo, disfarçou mandando beijos no ar e continuou a conversa.

— Peça a Sarah pra te dar uma carona. Nem pensar em vir de moto. Eu sei que foi devolvida, meu colega da civil não faz trabalho pela metade. Tá, ela tá aqui do meu lado.

Ele esticou o braço e me entregou o celular. Mesmo tendo notícias, ouvir a voz do meu amigo me fez sentir mais aliviada.

— Oi, Foxie. Fiquei muito preocupada com você.

“— Eu sou vaso ruim. Ninguém me quebra.”

— Ainda bem. Não sei o que faria…

Eu já estava ficando emocionada só de pensar na possibilidade de ter acontecido algo pior, quando ele falou o que realmente importava em toda aquela situação.

“— Mikah, eu e a Sarah estamos juntos! Eu tô feliz pra caramba!”

— Eu também estou super feliz por vocês. E nem estou com ciúmes.

“— Não precisa. Você mora no meu coração. Beijos.”

Devolvi o aparelho e o irmão que estava ao meu lado finalizou a ligação com uma ordem.

— Te aguardo aqui, mano. Sem demora.

A conversa seguinte foi com o Santoro. Ethan informou de forma resoluta que iria se ausentar da Agência por motivos pessoais, porém sem revelar o ocorrido com o irmão. Ele permaneceu com a expressão séria e a voz firme, respondendo às indagações do Comandante de forma sucinta.

Nesse momento, fui até o banheiro buscar alguns itens de toalete e os remédios que o Ethan usava. Me assustava saber que ele tomava comprimidos de tarja preta, mas entendia que às vezes eram necessários.

Entre as várias opções sobre a bancada, escolhi a versão do HBoss Infinite, com a combinação de maçã verde e canela que turbinou nosso primeiro affair na cozinha e que passei a usar, pois sabia que o deixava alucinado. Aquele aroma sempre me traria as melhores sensações e se ao final daquela breve viagem a nossa separação fosse inadiável, levaria aquele frasco comigo. Não para despertar lembranças que se perdem com o passar do tempo, pois o Capitão era inesquecível, mas para abrandar a dor quando a saudade apertasse demais. Fui pega em flagrante inalando o perfume, quando ele apareceu na porta.

— Tudo bem?

— Amo esse perfume. Nunca vou esquecer teu cheiro.

— Nem precisa. Vai sentir em mim todo tempo que eu estiver ao seu lado. — disse convicto.

Ethan se aproximou e fiquei aprisionada entre o tórax desnudo e a bancada. Levantei meu rosto e na ponta dos pés alcancei seus lábios tentadores, deslizei minha língua entre eles, ditando o ritmo do beijo terno e lento para marcar na memória mais uma virtude que era exclusiva dele. Ser grande e forte, ao mesmo tempo delicado e cativante. Permaneci com os braços em volta da sua cintura quando o beijo findou e ele indagou.

— Terminamos aqui?

— Depende…

Focado na missão de sair o quanto antes, ele desprezou minha provocação e contornou meu corpo sem se afastar para conferir o que havia exposto sobre a bancada.

— Preciso levar alguns remédios.

— Estão na nécessaire. Algo mais?

— Obrigado. Sairemos logo que eu fale com o Brian. Quero que ele fique aqui enquanto eu estiver fora.

— Ok. Vou me vestir. Ahhh, achei minha lingerie junto das suas boxers. Alguma idéia?

— Devolve, são minhas agora. Você quer meu perfume. Eu quero algo mais… íntimo.

— Seu tarado…

Tentei sair, mae ele me segurou, fazendo meu corpo colar no dele novamente.

— Se eu disser que você não conhece metade dos meus desejos.

— Eu sei que você não vai querer demonstrar agora, então não me provoca.

Apertei o danadinho que dava pulos dentro do moletom e aproveitando a distração, escapei do banheiro.

Eu vesti a calça e o tênis que a Sarah havia trazido para mim no primeiro dia, combinados com uma das blusas de malha que comprei. Ethan escolheu uma camisa cinza, calça cáqui e uma jaqueta de tecido leve marrom escuro. Sem fugir da paleta de cores que o deixava muito charmoso.

Quando terminamos de arrumar as duas sacolas de viagem, ficamos à espera na sala. Ethan estudou nosso trajeto para calcular o tempo na estrada e possíveis opções para diminuir ao máximo o tempo de dezoito horas previstas e deixou o percurso gravado no notebook para o irmão acompanhar.

Recebi o jovem casal com meu sorriso mais sincero e afetuoso. Brian segurava a mão da morena e pelos olhares que trocavam, era explícito que estavam no auge do encantamento dos namorados. Aproveitando a proximidade da dupla e antes que a Sarah pudesse se afastar, envolvi os dois em um abraço apertado.

— Estou muito feliz, de verdade.

Falei olhando diretamente para a agente que sorriu ainda tímida. Só então atentei para as marcas no rosto do rapaz. O curativo no nariz que disfarçava o inchaço, além de alguns arranhões pela face e quando o abracei, percebi que se encolheu dolorido.

— Ahhh, meu Deus… Foxie…

— Tá tranquilo, Mikah. A Sarinha cuidou de mim a noite toda.

— Por mim teria levado ao pronto socorro. — a morena interviu.

— Seus cuidados foram um bálsamo para minhas feridas. Não preciso de mais nada.

— Chega de mimar esse moleque. — o Capitão desdenhou — Ele tá pronto pra outra missão.

— Nem pensar! — Sarah prontamente defendeu o namorado — Ele tem vários hematomas no tórax e… bem, ainda precisa de repouso.

— Sem dúvida. O Foxie tem que ser cuidado, assim como você foi por mim, Ethan. — endossei a defesa da agente.

— Vocês vão anular todo treinamento que dei a ele com essa proteção.

— Sou o queridinho das moças. Aceita, mano.

— Vou te mostrar o queridinho. Vem cá.

Obedecendo ao irmão, Brian se aproximou e recebeu um forte abraço que o fez gemer, mais de contentamento do que de dor.

— Quero que fique aqui. — Ethan manteve as mãos sobre os ombros do irmão enquanto falava. — Vou levar a Mikaela para outro lugar e preciso saber que você estará seguro.

— Você vai embora, Mikah?

— Minha presença aqui colocou vocês na mira do Kassian. Não me perdoaria se algo pior tivesse acontecido. É melhor que eu me afaste enquanto ele está preso.

— Não vamos pagar pra ver as cartas do árabe. Já sabemos que ele tem peões dispostos a fazer o trabalho sujo. — Ethan reconheceu com desgosto — Quero que fique na minha retaguarda, atento aos passos do Al-Maghrabi.

— Vocês vão para onde?

— Tenho uma irmã que mora em uma cidade do interior, vou até lá, antes de sair do Brasil.

— Você acha que vai ficar protegida lá? — Sarah perguntou preocupada.

— O Kassian não tem conhecimento dessa local e nunca conheceu ninguém da minha família, então é um lugar seguro.

— Vou com a Mikaela pra conhecer e ficaremos lá por um tempo. Caso não seja seguro, iremos pra qualquer outro lugar.

Ethan havia trazido para a sala uma maleta preta que não era de viagem e sim um estojo para guardar suas armas pessoais. Ele apoiou sobre a mesa e abriu, retirando uma espingarda calibre 12 e a cartucheira com a munição que sabendo seu alcance destrutivo, eram assustadoras.

— Parece que estamos indo pra guerra. — falei ao ver o pequeno arsenal exposto.

— É pra nossa proteção na estrada.

— Melhor estar preparado. — o agente mais novo apoiou — Vai levar a Glock também?

— Melhor ter uma pistola extra.

Enquanto os irmãos faziam uma rápida conferência nas armas que não eram usadas com frequência, Sarah e eu nos afastamos e sentamos no sofá da sala.

— Sarah, eu...

— Mikaela…

Atropelamos as palavras por querer aproveitar aquele breve momento e esclarecer qualquer mal-entendido que tenha havido entre nós.

— Agora que você sabe sobre mim e o Ethan, peço desculpas se causei alguma dificuldade entre você e o Brian.

— A culpa foi da minha insegurança. Demorei muito tempo até me decidir.

— Eu gosto do Foxie como um irmão e torço para que vocês fiquem juntos por muito tempo.

— Eu espero que o melhor aconteça entre você e o Cap. — disse com toda sinceridade — Ele é uma pessoa incrível que eu respeito e admiro muito.

— Vou aproveitar cada dia com ele e me afastar se for preciso para protegê–lo. — finalizei.

Terminada a conferência, Ethan acondicionou as armas e munições dentro da outra sacola grande, onde transportava o rifle de uso profissional e que ficaria camuflada na mala do carro. No coldre colocou a pistola Taurus que sempre usava.

— Tudo pronto. Já podemos ir.

Me despedi do Brian com um abraço bem demorado, agora que estava tudo esclarecido a namorada não precisava sentir ciúmes.

— Não é uma despedida para sempre. Prometo que nos veremos antes de você sentir minha falta.

— Só dizer onde você tá que iremos te encontrar, Mikah.

— Já estou com saudades. — confessei abraçada ao meu amigo, sem conseguir disfarçar a emoção.

— Nós somos os mocinhos da franquia. No final nos damos bem. Sobrevivemos. — disse para me dar confiança.

— Aahh raposinha, você é a melhor pessoa que eu conheci aqui.

— Eu sei. — reconheceu sem nenhuma humildade — Eu vi o roteiro da viagem. Ele vai querer pilotar 12/16 horas direto, mesmo que o faça sentir dor quando chegarem. Não deixa. Sei que está tomando remédios outra vez, precisa comer. Obrigue ele a se alimentar. Ok?

— Vou tentar, mas você sabe que o Capitão é teimoso quando quer.

— Você consegue. Cuide para que ele chegue inteiro e pronto pra ação, se for necessário.

— Esse será o meu argumento.

Eu não queria chorar e tornar a despedida dramática, então me virei para a Sarah e a abracei sem cerimônia.

— Vocês estão começando algo lindo e forte. Quero que vivam isso sem preocupações. Fiquem bem e se cuidem.

Ethan se aproximou para se despedir da cunhada e do irmão.

— Brian, assim que eu tiver a certeza do que vou fazer, te aviso. Será uma separação breve. Não vamos ficar longe por muito tempo.

— Eu sei irmão. Tô aqui pra tudo que vocês precisarem.

— Eu digo o mesmo, Cap. Pode contar comigo. — Sarah anuiu.

Saímos de casa e nos abraçamos mais vezes antes de entrarmos no carro, prolongando ao máximo a despedida. Pelo retrovisor da Hilux, observei o novo casal abraçados, até perder a imagem de vista quando atravessamos os portões do condomínio.

Ethan segurou minha mão e sorriu sem dizer nada. Nosso olhar expressava tristeza pelo que momentaneamente deixamos para trás e a incerteza do caminho que escolhemos seguir à nossa frente.

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