Capítulo XXVI
Mikaela Evans⭐
Quando Ethan finalmente chegou em casa, eu pulei do sofá onde estava sentada e corri na direção dele. Sabia que algo estava errado pelo tom da sua voz ao celular ou por já ter desenvolvido algum tipo de empatia com ele. Não. Isso seria loucura.
Sentimentos de alívio e preocupação se alternaram quando eu o vi. A roupa preta poderia camuflar algum sangramento, por isso eu precisava tocar nele para ter certeza de que estava tudo bem. Rapidamente o passei em revista e bastou atentar para o rasgo na camisa, onde o sangue seco denunciava um ferimento para confirmar que minha intuição estava certa.
- Meu Deus, você tá ferido!!
- Tô bem menos ruim do que aparento. - ele se adiantou em dizer para me tranquilizar, sem sucesso.
- Isso não foi um dia de treinamento, não é?
- Não. - respondeu com uma calma que chegava a ser irritante.
- Vai me contar o que aconteceu?
- Armaram uma cilada para o Brian e eu tive que resgatá-lo. Ele tá machucado, mas melhor que os caras, isso eu garanto.
- Como?! Onde?! Cadê o Foxie?
- Deixei ele em casa, com a Sarah.
- Por que ele não veio com você? Ele tá muito ferido? Me conta a verdade...
- Se ele tivesse muito ferido, eu o teria levado para o hospital.
Precisei raciocinar por um momento, antes de lhe dar razão. Não por duvidar do que ele dizia, mas por estar muito preocupada com o Brian.
- Por que não me falou antes? - acusei exasperada.
- Certas coisas não se diz por celular. - retrucou sendo racional.
Silenciei e minha postura tensa o fez se aproximar e tocar meus ombros carinhosamente, com o intuito de me acalmar.
- Fica tranquila. Garanto que ele tá bem com a Sarah. Aliás, era tudo que ele queria hoje.
- Eu sei que sim. - concordei, menos apreensiva.
Ethan se afastou para tirar toda a roupa e depositou as chaves do carro e o celular sobre a bancada. A calça tinha resquícios de lama, assim como as mangas da blusa e ele deixou todas as peças na lavanderia. Observei que não havia outras lesões escondidas sob o traje, felizmente.
- Por que atacaram o Foxie?
- O amigo de infância voltou para se vingar, mas deixou escapar que não era só um acerto de contas. Alguém o pagou para dar uma lição no meu irmão e mandar um recado pra mim.
- Você tem idéia de quem poderia ser?
- A primeira desconfiança cai sobre o delegado federal. O Yuri, o ex amigo que mandei dessa pra pior, tinha informações sobre o Brian que só um policial de alta patente teria acesso.
- Mas por que o Marco Aurélio faria isso agora? No meio das seções da Corregedoria?
- Além das nossas desavenças passadas, tem um motivo fresquinho para querer se vingar. Na intervenção no Porto ficou nítido que ele queria se livrar de mim, por eu estar cruzando seu caminho mais uma vez. Só não o fez por ter muitas testemunhas no local.
Ele discorria sobre o ocorrido, enquanto tirava o relógio, a pulseira e o anel de algum material escuro que sempre usava e os depositou ao lado dos outros objetos.
- Seria maquiavélico usar o passado do Brian pra te atingir. E seria algo muito grave, mesmo para um delegado esconder.
- Pela grana que o Yuri recebeu e a promessa de uma atividade mais lucrativa, deduzimos que existe mais alguém envolvido. Quem deu a ordem final para executar essa emboscada.
- Você acha que foi o Kassian?
- O tipo de negócio do árabe não pode deixar pontas soltas. Brian e eu somos as pontas soltas.
- Eu não devia ter feito nada disso... Eu preciso desaparecer, Ethan.
- Nem pense nisso.
Nossa conversa foi interrompida pelo toque do aparelho e ele o pegou, sem no entanto tirar os olhos de mim.
Era a Sarah para dar notícias do Brian. Nenhum ferimento era profundo, ele estava medicado e de repouso. Entendi que ela iria passar a noite com ele, o que me surpreendeu e agradou.
Não arrisquei mandar um beijo para o meu amigo com receio de causar embaraço entre o casal, mas Ethan o fez e piscou para mim, parecendo mais relaxado após ter notícias do irmão.
- Mikaela tá mandando um beijo pro Brian. Obrigado, Sarah. Por tudo. - ele encerrou a ligação - Não disse. Ele tá sendo bem cuidado e por quem ele mais deseja.
- Será que não atrapalhou o clima do casal, mandar um beijo meu?
- Contei sobre nós para a Sarah.
- Você contou?!!
- Falei que estamos juntos.
- E ela?
- Ficou surpresa e aliviada. Acho que agora eles se acertam, se meu irmão for esperto.
Seguimos juntos para o quarto e o Ethan foi direto tomar banho. Eu abri o armário do banheiro onde estava a caixa de primeiros socorros e fiquei à espera. Ele lavou vigorosamente o ferimento e a água escorreu rosada pelo chão do box, me deixando novamente aflita. Após se secar e enrolar uma toalha na cintura, voltamos para o quarto, onde ele se sentou na cama e eu no chão, aos seus pés.
- Deixa eu fazer um curativo. Tá doendo?
- Só está ardendo um pouco.
Examinei atentamente o corte irregular na pele abaixo das costelas que para mim parecia enorme e precisava de cuidados médicos.
- Não é melhor ir dar uns pontos?
- Você e a Sarah tem mania de hospital. - recusou.
- O arame poderia estar enferrujado.
- Minhas vacinas estão em dia, não se preocupe.
Percebi que ele não mudaria de idéia, então me dediquei a cuidar da lesão.
Na caixa havia curativos de vários tamanhos do tipo hidrocolóide, usados para proteger e acelerar a cicatrização no pós-operatório. Apliquei o spray antisséptico e apertei o adesivo com cuidado sobre a pele.
Em nenhum momento ele expressou sentir qualquer desconforto, somente respirava devagar, mantendo os olhos fixos em mim.
- Ficou ótimo. Obrigado.
- Vai ficar uma marca bem aqui.
Toquei com carinho o abdômen delineado e permaneci sentada, olhando com admiração e preocupação aquele homem forte e imparável, porém não invencível.
- Mais uma pra coleção.
- Além de todos os pequenos cortes nas costas e essa. - deslizei o polegar sobre a cicatriz em diagonal que ele tinha no antebraço.
- Essa foi quando tive que quebrar uma parede de vidro para retirar pessoas presas em um local incendiado. Não tive tempo de proteger o braço e levei alguns pontos.
- E essa? Parece o sol. - apontei a marca circular no ombro, cujos pontos pareciam raios de sol.
- Essa aqui foi um progétil que atravessou o músculo e por sorte não atingiu a clavícula. O cara que fez a sutura era novato na missão e estava mais nervoso do que eu.
- Essa aqui? - acariciei a barba macia.
- Ganhei aprendendo a andar de skate. Quem nunca levou um tombo, não teve infância. - brincou - Escondi da minha mãe o quanto pude pra escapar da bronca e fui costurado pelo farmacêutico do bairro.
Ajoelhada, beijei onde os pêlos escondiam a pequena cicatriz no queixo e suguei seu lábio inferior. Ethan segurou minha nuca e invadiu minha boca com paixão. Seus beijos eram sempre luxuriosos e um start para algo mais, porém nos afastamos de comum acordo para continuar a conversa.
- Você sempre minimiza seus ferimentos.
- Porque nada se compara a esse aqui. - apontou o quadril - Quando você tem um ferimento muito sério que demanda um longo tempo de recuperação, ele se torna uma referência de quanta dor você é capaz de suportar.
Pela abertura da toalha, eu vi a linha da cicatriz que descia até a coxa, além das marcas onde os pinos foram colocados para fixar a placa no osso.
Não poderia mensurar quanta dor ele teve que suportar e depois de tudo não desistiu de fazer o bem, ainda que em menor escala, porém com o mesmo perigo.
A idéia de que Ethan poderia ser novamente ferido me causou um aperto sufocante no peito. E se da próxima vez fosse com gravidade? E se fosse por minha causa?
- Sei que dessa vez foi inevitável, mas quantas vezes você ainda vai fazer isso?
- Isso o quê?
- Enfrentar todo tipo de ameaça, sem nem pensar nas consequências.
- Quantas vezes forem necessárias para que nenhum dos meus se machuque ou morra. Isso inclui você.
Perdi o ar e meu coração disparou. Lágrimas inundaram meus olhos e pisquei seguidas vezes para evitar chorar.
- Não quero... - sussurrei com a voz falha.
- O quê?
- Não quero que se machuque e muito menos que morra.
- Me machucar faz parte do ofício. Te proteger foi uma escolha minha.
Estávamos tão próximos que eu podia ver minha imagem refletida na pupila negra, circundada pelo gélido azul das íris.
- Eu matei os caras que sequestraram meu irmão e farei de novo se for preciso para proteger quem eu amo.
Era impossível argumentar frente a determinação que o Capitão demonstrava, então silenciei.
Deixei que me erguesse do chão e me guiasse para deitar ao seu lado na cama. Ethan me aconchegou nos seus braços e beijou o topo da minha cabeça. A impressão que eu tinha era de que ele queria ter a certeza que eu estaria ali quando acordasse.
Depois de tudo que aconteceu naquele dia, eu só pensava que havia trazido o caos árabe para a vida dos irmãos. Com essa ideia martelando na minha mente, foi impossível conciliar o sono.
Eu conhecia a tenacidade do meu ex marido e o poder que o dinheiro lhe atribuía. Kassian foi capaz de comprar um delegado federal e reunir uma pequena gangue, antes mesmo de ser liberto. Receava o que ele seria capaz de fazer, se descobrisse meu envolvimento com o Ethan.
O nervosismo me causava uma sede incômoda e quando olhei para a garrafa d'água que ficava na mesinha ao lado da cama, vi que estava vazia, pois o gigante que ressonava ao meu lado havia ingerido remédios antes de dormir e parecia totalmente entregue a um sono profundo.
Sem tocá-lo, admirei por alguns instantes a face que tinha os traços de um anjo protetor e ao mesmo tempo, a expressão de um anjo vingador. Um soldado forjado em batalhas que não media sacrifícios, desde que pudesse cumprir seus objetivos.
Me levantei com cuidado e saí do quarto, indo na direção da cozinha. Antes de contornar o balcão, percebi que a tela do celular acusava ligações perdidas. Logo em seguida o aparelho tocou e não pensei duas vezes antes de atender quando vi o contato na tela. Santoro.
Era a oportunidade de retornar para o caminho que determinei inicialmente, bem diferente do rumo que seguia até aquele momento.
- Ethan... - ele deduziu quando aceitei a ligação.
- Mikaela. - respondi - Como estão as coisas, Comandante?
- Não tão bem quanto deveriam. Onde está o Capitão?
Ele estranhou e expliquei vagamente, tendo o cuidado de não revelar minha intimidade com o Ethan.
- Ele tomou uma medicação e está dormindo. Mas eu precisava mesmo falar com o Sr.
- Nesse caso, podemos falar.
- O Sr. prometeu que entregaria meu passaporte em poucos dias. Que eu estaria livre quando o Kassian fosse deportado, após um acordo para abafar o escândalo do tráfico de armas. Mas nada disso aconteceu.
- Sra. Al Maghrabi...
- Evans. - o corrigi.
- Creio que nossas expectativas não saíram como esperado.
- De fato não, ou eu não estaria mais aqui.
Ele suspirou alto, revelando estar impaciente por eu o interpelar sem cerimônia. Na verdade, a minha ansiedade não me permitiu ser menos direta naquele momento.
- Não posso continuar aqui. Não é seguro para ninguém. Preciso partir enquanto o Kassian ainda está detido.
O que não fazia muita diferença, visto que ele já tinha seus asseclas para fazer o trabalho sujo.
- O Al Maghrabi foi mantido preso pelo limite de tempo permitido. Sem provas e após as acusações sobre a operação da Agência, ele estará livre em breve.
- Não acredito!!
Em segundos todo controle que eu tinha se esvaiu e passei a andar pela sala. Nervosa e frustrada, já não falava tão baixo e mal ouvia as réplicas do Santoro.
- Você sinalizou uma grande operação de tráfico de armas que não se realizou. Sinalizou com informações do terrorista Faizel que não se confirmaram. Ou não nos contou tudo ou não sabe muita coisa.
- A informação do Porto foi confirmada.
- Fora da nossa jurisdição. Isso quase custou a carreira do Capitão. O Secretário teve razão em não dar seguimento às investigações e deixar a decisão nas mãos da Corregedoria. - ratificou a posição do seu superior.
- Se eu revelasse tudo que sei, com certeza não ficaria tutelada pela Agência e teria um alvo nas costas.
- Você me pediu proteção e eu lhe dei o melhor soldado.
- O Capitão foi a minha melhor escolha. Mas nada aconteceu como imaginei. Se o Kassian tivesse sido morto, tudo teria acabado naquela casa e eu já estaria livre e longe daqui.
- Vou tentar agilizar com o Secretário a devolução do seu passaporte e garantir que você vá em segurança.
- Esse foi o nosso acordo, Comandante.
Aquelas foram minhas últimas palavras, antes de perceber a presença do Ethan e ficaram ecoando no silêncio hesitante que pairou entre nós.
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