Capítulo XXIV

Ethan Hawkeye☀️

Apoiando meu irmão, caminhamos até a saída do galpão. Ainda que aparentemente os ferimentos não fossem graves, ele estava tonto.

Minha intenção era me evadir o mais rápido possível e não estar no local, caso alguém tivesse acionado a polícia.

- Espera aqui. Tenho que buscar meu rifle.

- Pqp, Ethan! - ele olhou os corpos caídos no pátio e a Kawasaki que seria a prova da nossa presença ali - Nos metemos em uma merda federal!

- Sei como resolver isso e recuperar a sua moto. Vamos embora.

Eu já tinha uma idéia de quem poderia contornar a situação e apagar nossa participação naquele cenário dantesco.

Apesar de poder alegar a motivação de perigo iminente para eliminar os agressores do Brian, se eu pudesse evitar mais aquele processo, assim o faria.
Passamos pelo portão e seguimos pela rua deserta, até onde estava meu carro. Ele sentou no banco do carona e, depois de guardar a arma, entrei no lado do motorista.
Brian respirava cansado pelo esforço e demorou a falar, dando tempo para nossa adrenalina baixar.

- Como me achou? - perguntou.

- Os garotos da praça me deram a dica. Por que você não falou do Yuri?

- Tá acontecendo tanta coisa com você... E também não pensei que ele faria algo assim.

- Um cara como ele só piora com o tempo. Você deveria saber.

- Crescemos juntos, eu não achei...

- O Yuri sempre foi a laranja podre do cesto. Só precisava de um empurrão pra cair do lado errado.

- Agora ele tá morto...

- Poderia ter sido você.

Eu estava sendo pragmático demais e amenizei o tom quando percebi que meu irmão estava abalado não só pelo que passou, mas por quem foi o causador.

- Brian, não podemos baixar a guarda e dar a chance ao inimigo de nos surpreender.

- Eu sei. Aprendi a lição.

Brian gemeu quando passou o cinto pelo abdômen e olhei para ele preocupado. O pior ferimento no rosto era um corte no alto do nariz que já tinha parado de sangrar, a boca estava cortada e inchada, além dos arranhões pela face e nos braços. Ele havia sido chutado várias vezes e caiu da moto, então poderia ter algo mais sério.

- Vou te levar na emergência pra ver se tem algum ferimento interno.

- Melhor não.

- Se tiver uma costela quebrada vai doer pra krlho.

- Certeza que não. - falou, apalpando partes do próprio corpo - Fico de molho uns dias e mantemos em sigilo.

- Certeza? Como vamos explicar essa cara toda arrebentada?

- Para todos os efeitos, foi uma queda de moto.

- Ninguém vai acreditar, você é nosso melhor piloto.

- Se essa história se espalhar, vai ser um prato cheio pro Comandante pegar no meu pé. Me leva pra casa.

- Ok. - concordei a contragosto.

Dei a partida e nos afastamos daquele local sinistro.

Meu celular vibrava sem cessar no modo silencioso. Brian o pegou no suporte entre os bancos, pois eu estava dirigindo e viu mais de seis ligações e várias mensagens.

- Atende a Mikah. Ela deve tá surtando.

- "Oi minha gata... só vou deixar o Brian em casa... tá tudo bem... juro... beijo."

Desliguei o celular e deixei de lado.

- Quando chegar em casa eu explico com calma.

- Melhor assim, pra ela não se apavorar.

- Você gosta dela, né?

- Como uma irmã... prima é melhor, já que vocês estão juntos.

Assim que estacionei na rua onde ele morava, a porta de um Cherokee azul escuro, parado na calçada do prédio, abriu.

- Sarah! - Brian reconheceu a morena que veio apressada na direção do nosso carro.

- Cap!!! O Brian? - indagou ao me ver sair do carro.

- Ele tá aqui comigo.

Dei a volta e abri a porta do carona onde ele estava. Sarah se aproximou e passou na minha frente, quase entrando no carro para olhar o amigo de perto.

- Meu Deus! O que aconteceu?

- O outro cara tá bem pior.

Brian tentou rir da própria piada e colocou a mão do lado das costelas, onde foi agredido.

- Você tá muito machucado. Vamos para o hospital agora.

- Foi só uma briga de velhos amigos. - alegou.

- Capitão?!!! - ela recorreu a mim em busca de apoio.

- Já dei uma geral nele. Não tem nada quebrado.

- Tem certeza, Brian?

- Tá tudo bem, Sarinha. - ele afirmou.

- Vamos entrar antes que a vizinhança apareça nas janelas.

Entramos no prédio e subimos pelo elevador lento e estreito por ser muito antigo. A grade pantográfica abriu barulhenta no 5º andar e a agente segurou a pesada porta de madeira, enquanto eu apoiava o Brian até a entrada do nosso apartamento.

- A chave? - ela perguntou.

- No vaso.

Falamos juntos eu e ele, pois lembrei que era costume da nossa mãe deixar uma chave naquele local.

Sarah abriu e deu passagem para eu levar o ferido até o sofá da sala onde ele sentou, gemendo mais do que antes e angariando toda atenção da jovem para si.

- Onde dói? A cabeça? Tá tonto? Tá enjoado? Me fala, Brian. - a jovem o observava aflita.

- A cabeça dói... as costelas... e meu nariz será que quebrou??

- Ainda acho que devíamos ir para o hospital fazer um raio-X.

- Só preciso dos seus cuidados pra ficar bem.

- Onde tem material de primeiros socorros?

- No armário do banheiro.

Ela seguiu apressada na direção do corredor.

- Você disse que não tava tão mal assim. Pára de fazer drama.

- Mano, eu podia ter morrido hoje sem ter uma conversa franca e definitiva com a Sarah. Não vou perder essa oportunidade, quero que ela fique aqui.

- Finalmente vai tomar uma atitude.

- Só se vive uma vez.

Sentei na poltrona ao lado que fazia parte do conjunto estofado de couro caramelo. Brian não mudou muita coisa e a decoração do apartamento era a mesma da época em que vivíamos com nossos pais. Exceto pela tv moderna, o vídeo game que era o lançamento mais recente e a aparelhagem de som e blu-ray, tudo parecia igual. Ligado em tecnologia, ele mantinha no quarto que dividimos por alguns anos, um computador potente e mais de uma tela para navegar na internet.

Dona Beatriz, nossa mãe, havia escolhido cada objeto de decoração. Os móveis de madeira nobre, as almofadas e mantas. As porcelanas e cristais que ela mantinha protegidos dentro de um móvel chamado cristaleira, que hoje é classificado como estilo vintage, que eram usadas nas ocasiões festivas. Cada detalhe contava a história de uma mulher e mãe zelosa, de sábias palavras e conselhos. Ela não precisava elevar a voz para nos convencer de qualquer coisa. Meu pai dizia que ela nos ganhava pela doçura de suas palavras e a firmeza de seus argumentos. Além da alegria espontânea que o Brian herdou.
Aquela casa me trazia todas as boas lembranças da infância e de como tudo mudou abruptamente, após a convocação e a partida do nosso pai. A tristeza silenciosa e o choro contido quando recebeu a notícia do falecimento do marido, a serviço da marinha canadense, apagaram o sorriso que nos encantava.

Anos depois, ela aceitou pacificamente a minha decisão de me alistar nas Forças Especiais, o que me afastaria por um bom tempo do convívio familiar.

Lamento profundamente o fato de não ter estado nos seus últimos momentos de vida, o que deixou um sentimento de impotência que eu nunca superei. A saudade dói muito mais quando estou aqui.
Hoje poderia ter acontecido uma tragédia que felizmente consegui evitar. Não que qualquer morte não tenha o seu horror, mas perder meu irmão daquela forma seria algo insuportável. Olhei para seu estado lastimável e agradeci a Deus por ele estar comigo.

- Ethan... Ethan...

- Estava pensando...

- Me entregaram pro Yuri. Alguém viu a minha ficha e contou a versão de que eu delatei a operação dele pra conseguir ser admitido na ACIS.

- Seu processo e dos garotos é sigiloso. Se existisse tal informação, não seria qualquer um a ter acesso.

- Contaram a mentira e ele acreditou.

- Yuri falou quem foi?

- Não. Só que alguém pagou 200 mil pelo serviço. Cem mil já estava com ele. E ainda prometeu algo mais rentável que roubo e clonagem de carros.

- Tráfico? Armas?

- Ele disse que temos inimigos.

- Podemos cogitar o Marco Aurélio, mas sem provas seria uma acusação muito grave.

- O que nos leva a deduzir que o federal está realmente trabalhando para o Kassian.

- Preciso pensar em uma merda de cada vez. No momento temos outra prioridade.

Sarah voltou com um estojo na mão e sentou ao lado do ferido, ajeitando as almofadas para deixa-lo confortável.

- Então, vão me contar o que aconteceu?

A jovem perguntou enquanto avaliava os machucados do amigo. O sangue que escorreu do corte no nariz e no pescoço grudou na pele e davam uma aparência bem pior ao Brian que reclamava a cada investida da jovem para limpar, usando uma gaze embebida em soro.

- Foi uma briga com um ex amigo. - ele amenizou, mas ela não engoliu.

- Vai esconder a verdade de mim? Cap? - ela virou para mim com olhar inquisidor.

- Ele foi atacado e sequestrado.

- Por quem? Algum dos nossos casos?

- Em princípio, não. Foi o Yuri e foi por vingança.

- Yuri? Aquele?

- Isso mesmo. Meu amigo que foi preso naquela parada errada. - Brian confirmou.

- Mas se vingar porquê?

- Alguém disse a ele que fui eu o delator do esquema de roubo. Yuri me acusou de ter traído nossa amizade por uma vaga na Agência. Ele juntou uma galera e veio atrás de mim.

- Como você o resgatou? E esses caras podem tentar de novo? - dirigiu-se a mim.

- Não vão mais nos dar dor de cabeça.

A agente entendeu prontamente o que havia acontecido e voltou sua atenção para o Brian que aguardava seus cuidados.

- Isso pode causar um grande problema. Talvez meu pai consiga...

- Eu vou resolver essa questão, sem envolver a ACIS. Fica tranquila.

Me afastei e fui até a pequena varanda do apartamento para fazer uma ligação. A voz da velha raposa conhecida ressoou do outro lado. Era um delegado da velha guarda que já havia colaborado com a Agência em uma operação naquela área.

"- Delegado Pereira!!

- Cap. Hawkeye!!! Quanto tempo!!

- Sinal que tava tudo nos conformes.

- Sinal de que agora não está mais.

Ele sabia que eu só recorreria a ele se o assunto fosse sério.

- Tá precisando de quê? Homens ou armas?

- Acabei de dar perda total na velha oficina de desmanche. O local você sabe qual é e o líder da gangue também. Preciso de uma limpeza no local, sem deixar rastros.

- Foi o vacilão do Yuri?

- O fdp juntou um bando de vagabundos, roubou a moto e sequestrou o meu irmão.

- Brincou com a vida. Fazer o que, né. Tem gente que não aprende.

- Quebra essa pra mim, Chefe. Quero reaver a moto sem ter que fazer registro de roubo. Ok?

- Você não pede. Aqui você manda.

- Conto com a sua discrição.

- Discrição é meu nome, Hawkeye.

- Fico te devendo essa.

- Nosso bairro está em paz outra vez. Isso basta. E o garoto Brian, como está?

- Felizmente não sofreu nada sério.

- Ainda bem. Te dou notícias, Capitão.

- Abraço, Chefe."

Se fiz inimigos, não lamento por eles. Na guerra precisamos de aliados. Na vida, precisamos de amigos.

Encerrei o contato e voltei para a sala, onde a Sarah examinava as feridas do Brian que se encolhia a cada toque. Um novo casal estava prestes a se formar e não seria eu a empatar.

- Vou nessa. Sarah, cuida dele por favor.

- Se tiver que costurar essa cabeça dura, eu mesma faço. - ela ameaçou.

- Eu tô em boas mãos, mano.

Ele falou me enxotando, mal disfarçando o quanto queria ficar a sós com a moça.

- Qualquer coisa me liga, qualquer hora. Ok?

- Ethan, pode ir. Vai tranquilizar a Mikah, ela deve tá muito preocupada.

Sarah não disfarçou que ouvir o nome da Mikaela ainda a incomodava e para que eles se entendessem de uma vez, falei.

- Já contei pra ela, Brian. Sobre a Mikaela e eu.

- Beleza, mano. Agora não temos mais segredos.

De volta ao meu carro, fui o mais rápido que pude ao encontro da Mikaela. Depois daquele dia terrível, eu só desejava senti-la em meus braços.

A sensação de que eu estava a caminho de um oásis, após um longo dia vagando pelo deserto, era reconfortante. Apesar de saber que na manhã seguinte haveria uma nova batalha, ao menos eu teria algumas horas de descanso.

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