Capítulo XIV
Mikaela Evans⭐
A inquietação após a saída do Brian me fez limpar toda cozinha com um capricho beirando ao exagero.
Eu precisava ocupar minha mente ou surtaria naquela expectativa. E assim metade da manhã já havia passado.
Sobre a bancada, o celular silencioso era o algoz da minha sanidade.
Ouvir todo o relato emocionado sobre a história familiar e a relação de amor incondicional entre os irmãos aumentou minha saudade e a certeza de estar em falta com alguém muito importante e que nutria os mesmos sentimentos por mim.
Abri e fechei várias vezes o Nokia que o agente havia deixado para me comunicar se tivesse alguma novidade ao longo do dia.
- Só uma ligação e eu apago o registro, assim ninguém vai descobrir.
Murmurei para me convencer de que o benefício era maior que o perigo. No último ano tinha evitado fazer qualquer tipo de contato, mas aquela era uma chance imperdível, só não sabia se era segura. Receava que pudessem ficar em perigo com a minha proximidade, por isso me mantive afastada daquele local e das pessoas que lá moravam.
Além de notícias, precisava saber se minha encomenda havia chegado em segurança. Usar o serviço dos correios era arriscado, porém foi minha única opção. Enviar um portador seria ter uma testemunha e um provável delator.
Olhei novamente para o display iluminado do aparelho e teclei os números que guardava na memória. Eu sabia de cor, pois era o mesmo desde a minha adolescência.
Ouvi o toque e esperei ansiosa que alguém atendesse o telefone fixo do outro lado. Ainda uma última vez pensei em desistir e interromper a chamada, porém a saudade falou mais alto e era a chance de tranquilizar uma pessoa que deveria estar louca sem notícias minhas por tanto tempo. Por mim e por ela, valia a pena arriscar.
No terceiro toque alguém atendeu e a voz familiar me causou um misto de emoções. Saudade. Remorso.
- Manu... Sou eu...
- Mika?!!! Meu Deus!!! Porque você sumiu? Você está bem? Onde você está?
- Manu... Manuela, calma. Eu estou bem.
- Onde você está?
- Eu estou na casa de um amigo.
Simplifiquei para ela não perceber a mentira ou não conseguiria esconder a verdade por muito tempo da minha irmã. Contava com sua falta de interesse pelo mundo fora das cercas da propriedade para que ela não tivesse nenhuma informação do ocorrido com meu ex.
Após a morte dos nossos pais, ficamos Manuela e eu cuidando uma da outra. Algum tempo depois, decidida a seguir meus planos profissionais, fiz a primeira viagem para o exterior trabalhando como modelo e uma sucessão de oportunidades e bons contratos me mantiveram longe por alguns anos.
Manu se casou com seu primeiro e único namorado, Alessandro. Eles sempre foram um casal apaixonado e companheiro, pois tinham os mesmos sonhos e objetivos muito parecidos. Escolheram morar no sítio que herdamos que na época se resumia a uma casa e uma horta.
De todo dinheiro que ganhava com meu trabalho, antes de me envolver com o Kassian, enviava uma quantia considerável para que aumentassem a propriedade, adquirindo terrenos vizinhos. Eles reformaram a casa e usavam a terra para plantação e criação de animais. O que era um sítio se transformou em um haras onde Alessandro exercia sua profissão como zootecnista e Manuela se dedicava a preparar seus doces maravilhosos como sempre idealizou.
- E o seu marido árabe? - perguntou, estranhando minha resposta.
Felizmente o escândalo da prisão não chegou até eles, então decidi ocultar toda confusão em que estava envolvida.
Minha irmã sempre soube do Kassian, porém a casa da minha família representava um refúgio que decidi manter a parte. Era uma vida simples demais que não combinava em nada com a estilo nômade e nababesco ao qual o árabe foi habituado.
- Ele está viajando. - tentei soar o mais convincente possivel.
- Vocês se separaram? Você vai voltar pra casa?
- Não quero falar sobre ele.
- Mikaela, o que tá acontecendo? Eu sabia que algo estava errado...
- Não tenho tempo para explicar agora.
Manuela me conhecia muito bem e percebeu que eu estava sendo evasiva para não revelar detalhes, então mudou de assunto.
- Você não deu notícias desde que recebi a última encomenda, fiquei preocupada.
- Você guardou tudo?
- Fazia tempo que você não enviava revistas das suas campanhas. Aliás, as fotos estão lindas, mana. Só não abri o que está escrito confidencial. Deveria?
- Não precisa abrir. Está seguro?
- Claro! Guardado como tudo que você me mandou.
Respirei aliviada.
- Você tem idéia de quanto tempo está sumida? Quase me deixou maluca. Afinal, onde você está?
Sempre que ela usava aquele tom choroso, cortava o meu coração.
- Manu, eu liguei pra te deixar tranquila e saber notícias de casa. Eu estou bem, com pessoas amigas.
Ouvi um longo suspiro, enquanto ela tentava controlar o nervosismo. Quase podia ver seus dedos enrolando uma mecha do seu longo cabelo dourado, enquanto falava comigo.
- Eu estava esperando você ligar pra te dar uma boa notícia. A melhor de todas.
- É o que estou pensando? Você tá?
- Estou gravidissima!! - seu grito me fez afastar o celular do ouvido.
- Você vai ser titia!!!
- Que maravilha! Quanto tempo?
- Já completei o 6⁰ mês.
Não foi difícil deduzir o motivo de tanta euforia. Manuela sempre teve um instinto maternal aflorado e planejava ser mãe desde que se casou. Minha voz estava embargada e eu andava pela sala, sem conseguir conter a emoção que a notícia provocou.
- Eu imagino a sua felicidade, mana. E o Alê?
- Ele não vê a hora de conhecer nosso bebê. Mikah, você virá quando o bebê nascer?
- Claro. - afirmei para não lhe dar motivo de dúvidas.
- Vou te esperar para batizar o Benjamin.
- É um menino? Um só?
- Segundo a ultra, simmm. - ela riu e eu realmente conseguia sentir a sua felicidade mesmo à distância.
Minha irmã estava no melhor momento da sua vida e eu não estava ao seu lado.
Desde que descobri o facínora que o árabe havia se tornado deixei minha verdadeira família sem lhes dar nenhuma explicação. Kassian me devia mais essa.
- Manu, desculpe por não estar aí...
- Se você chegar a tempo, será perdoada.
- Eu vou. Prometo.
- Mana, eu te amo e só falta você pra tudo ficar perfeito.
- Também te amo. Se cuida e do meu afilhado. Beijo no Alê.
Encerrei a chamada e apaguei o registro da ligação.
Meus olhos ardiam enquanto eu tentava conter as lágrimas em vão. Vencida, deixei que rolassem livres pela minha face por alguns minutos
A vontade de nunca ter conhecido o Kassian era tão grande quanto o desejo de fugir dele.
A sedução de uma paixão beirando a devoção, transformou-se na aversão que eu sentia por ele agora. Eu me iludi, era um fato.
Não havia felicidade quando se vive sob o domínio do medo e da mentira.
Permaneci sentada por algum tempo, olhando para o nada. Relembrando toda história que o Brian me contou e ponderando se teria sido justo arrastar o Capitão para a teia do Faizel outra vez.
Se algo acontecesse com ele, quem poderia me proteger?
Brian tinha as melhores intenções, mas nenhum poder dentro da Agência. O Comandante tinha que prestar contas ao Secretário que por sua vez era guiado por seus próprios interesses. Ethan se tornou a minha melhor, senão a única salvaguarda naquele cenário desfavorável em que eu me encontrava.
Eu omiti duas ou três informações, por não querer arriscar fazendo revelações demais. Faizel tinha ligações em muitos lugares e muito dinheiro para pagar pelo meu sequestro ou morte. Só de imaginar seu olhar cruel meu sangue gelava. Ele era um homem sem piedade, disso eu bem sabia.
Talvez fosse melhor pegar a sacola de viagem, juntar as poucas roupas que comprei e simplesmente partir, sem deixar rastro, o que seria imperdoável. Afinal, o Ethan salvou minha vida, me protegeu colocando a si próprio como alvo.
Pensando assim, decidi que era melhor esperar sua volta para dizer obrigado e adeus.
Quando o Capitão retornasse, independente do resultado, eu iria para algum lugar bem distante do Kassian como planejei, porém antes precisava ver a minha família.
Tentei esvaziar minha mente de todas as incertezas olhando ao meu redor e observando detalhes que não havia reparado antes, tal a loucura que estava vivenciando.
Sentada em um dos estofados que delimitavam a sala de estar, eu tinha a visão da mesa de refeição e parcialmente da cozinha separada pela bancada.
A casa foi planejada para agradar a maioria das pessoas com uma rotina despojada, que prezam mais pelo conforto do que pelo luxo exagerado.
Era moderna sem ser impessoal. Ideal para um homem solteiro que dedicava muitas horas do dia ao trabalho e que era nitidamente disciplinado como seu ocupante atual.
Não como o Kassian que vivia na ostentação e gastos excessivos da vida faraônica da qual ele não abria mão. O que não era por si só um defeito, mas um traço da personalidade doentia que ele tão bem escondeu de mim.
O paletó e a gravata que o irmão mais novo havia usado ficaram esquecidas numa poltrona mais afastada. Recolhi as peças para guardar no quarto do mais velho.
Entrei no quarto do Capitão, abrindo a porta devagar como se por milagre fosse encontrá-lo sentado na sua cama kingsize, a única que comportava seu tamanho. Não tive a curiosidade de observar o ambiente da primeira vez que entrei ali, pois minha atenção foi totalmente direcionada para a marca roxa que ele tinha nas costas, resultado do tiro destinado a mim.
Agora, eu era movida pelo interesse de conhecer um pouco mais daquele homem que tanto me impressionava e talvez desvendar o que havia abaixo da superfície azul polar daqueles olhos que queimavam como gelo.
O quarto era confortável de um modo quase espartano. Lençóis brancos esticados a perfeição e uma colcha cor de capuccino dobrada aos pés da cama combinava com almofadas e travesseiros.
"- Organização quase compulsiva."
Havia um tapete felpudo ao redor da cama, sobre o piso de madeira. Leds embutidos e luminárias laterais forneciam uma iluminação indireta sobre a cabeceira.
Ao lado da janela protegida por uma cortina de tecido grosso, havia uma mesa de tamanho médio com alguns livros técnicos empilhados com marcadores nas páginas importantes, bloco para anotações e um iPad. De fato o ambiente dizia muito do seu ocupante. Alguém sempre em busca da excelência profissional e pessoal.
Deslizei uma das portas espelhadas do armário que ocupava uma parede lateral e observei a arrumação impecável das roupas. As camisas sociais penduradas eram na maioria das cores nada ousadas da cartela militar, além de brancas e pretas. Alguns blazers, jaquetas e casacos esportivos. As blusas de malha estavam dobradas, as calças de moletom e bermudas empilhadas nas prateleiras. Dei uma olhada nada discreta na gaveta de roupas íntimas onde as boxers estavam separadas por cor, inclusive brancas.
Não havia nenhum traço de que uma mulher frequentasse aquele santuário e isso me agradou de uma maneira surpreendente.
No banheiro as superfícies de louça brilhavam, assim como os metais.
Ethan usava a linha de toalete completa da Hugo Boss, além do perfume em todas as versões que era sua assinatura pessoal. Os frascos estavam arrumados sobre a bancada de granito preto que descansava sobre um armário de madeira. Escolhi um dos frascos e borrifei para sentir o aroma. Quanto poder e sedução em uma memória olfativa.
"- Boss Bottled. O frescor da maçã verde. O toque sexy de canela e o fundo másculo e envolvente do Cedro."
O cheiro de maçã e lavanda do shower gel e do pós barba era mais mentolado, o que prolongava a sensação de banho tomado, mesmo sem o fundo amadeirado e sensual que deixava o perfume marcante e exalando por horas.
*- Escolha perfeita pra deixar a mulherada atiçada."
A única coisa que diferia aquela suíte da qual eu ocupava, era a banheira que ficava ao lado da ducha. Grande o bastante para duas pessoas. Ops.
Havia um roupão e toalhas limpas penduradas próximas ao box de vidro. Como já era fim de tarde, decidi tomar um banho ali mesmo. Voltei ao meu quarto vestida com o roupão e troquei por uma camiseta e um dos shorts que comprei.
Senti fome e decidi não esperar pelo Foxie que aliás estava sumido fazia algumas horas, então fui para a cozinha.
Nos armários encontrei diversas opções de comida, porém meu humor ou a falta dele pedia algo extremamente açucarado. Chocolate para ser específica. Doce era a especialidade da Manu, mas me lembrei de uma receita de bolo na caneca com calda, fácil e rápida e me pus a preparar a bomba calórica, sem me importar com o quão engordativa seria.
Enquanto fazia a receita de chocolate, o celular vibrou ao meu lado e por pouco, tanto o aparelho quanto os ingredientes não foram parar no chão. A mensagem que recebi não me fez aguardar com tranquilidade o que estava para acontecer. Ao contrário, aumentou minha ansiedade.
Eu estava atenta ao forno quando meus olhos seguiram para a tela do monitor e vi o Ethan parado na porta de entrada. A descarga de adrenalina fez meu corpo reagir deixando minha boca seca e o coração bombeando no peito como o de uma corça assustada.
Me transformei em uma adolescente insegura na iminência de encontrar seu crush platônico.
Se você gostou toque na estrela. Obrigado! ❤️🥰
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top