Capítulo I

Mikaela⭐

A casa luxuosa com vista para o mar aberto oferecia o cenário perfeito de um pôr do sol. O vento marítimo agitava o vestido que eu usava a pedido do meu alzawj (esposo), além das jóias que ele mesmo escolheu. Mesmo que não houvesse uma festa para comparecer, não importa onde estivéssemos, eu deveria estar sempre pronta e adornada para um evento.

"- Vista-se bela como uma brasileira." - pediu, amoroso como sempre foi.

Eu estava no terraço inferior e contava pelo menos vinte seguranças na parte interna do propriedade, além de um número considerável de empregados para cuidar da mansão. Kassian foi criado sendo servido onde quer que estivesse e não economizava em conforto. Ouvi o chamado, enquanto ele se aproximava.

- Malaki.

- Não sei porque insiste em me chamar assim.

- Porque és meu Anjo e logo serás minha Rainha.

Kassian me abraçou por trás e afastou meus cabelos para beijar meu ombro. Reprimi o impulso de me afastar do seu toque que já não era tão sedutor como outrora. Então senti o frio do metal em contato com a minha pele aquecida pelo sol.

- Um presente feito especialmente para você, zawja (esposa).

Segurei o pingente preso a uma delicada corrente de ouro. Era uma asa de anjo cravejada de diamantes amarelos, raros e exclusivos que davam à peça um brilho solar quase ofuscante.

- Que lindo!

- Uma única asa para você nunca voar para longe de mim, Malaki.

Suas palavras pareciam vaticinar o meu futuro, todavia eu estava decidida a contrariar sua vontade.

Não tenho como negar, Kassian tinha um instinto de uma serpente. Bastaram poucos indícios para sentir que algo estava errado. Que ele estava em perigo.

Além é claro de um serviço de informação e a tecnologia de ponta que mantinha a seu dispor, a um preço exorbitante. A movimentação dos seguranças só lhe deu a certeza para agir. Ele tirou o aparelho Blackberry do bolso da calça de alfaiataria e ouviu atentamente a breve mensagem do seu interlocutor.

- Vamos sair daqui!

Sem esperar minha reação, ele segurou meu pulso e me puxou para sairmos da área da piscina e entrarmos na casa, subindo as escadas que levavam para a nossa suíte.

- O que foi?

Fingi surpresa para atrasá-lo na esperança que se detivesse para me dar explicações.

- Fui informado agora! Os federais estão vindo para cá!

Nervoso, alternava palavras em árabe, mas eu conseguia entender.

- Federais!! Porquê?

Não deveria ser a polícia federal, pensei por um instante, mas não houve tempo de entender a mudança de planos.

- Sem perguntas, zawja! Pegue suas coisas e vamos para o terraço! Um helicóptero vai nos tirar daqui!

Enquanto falava, ele abriu o cofre que havia dentro do closet e pegou uma maleta com documentos e várias notas de dólares e euros.

- Só documentos, deixe todo resto para trás! - dava ordens enquanto andava pelo quarto como uma fera enjaulada.

Queria mesmo deixar tudo para trás. Ele e o nosso casamento, junto com toda sujeira que tentou esconder de mim. Ele percebeu que eu estava parada no meio do aposento.

- Mikaela... - sibilou, me olhando com mais atenção

- Eu não vou com você. Não quero ser uma fugitiva internacional por causa das merd@s que andou fazendo.

Vi a surpresa, a decepção e a raiva passarem num milésimo de segundo por seus olhos que antes me seduziram, mas naquele momento me pareceram tão ameaçadores.

- Você me traiu? - urrou entre xingamentos em árabe. - amra'at khayina. (mulher infiel)

Ele atravessou o espaço entre nós e segurou meus braços, me sacudindo com violência. Em seguida, sua mão atingiu meu rosto e senti o gosto de sangue na boca. Fui empurrada e cai sobre a cama, espalhando o conteúdo da maleta. Então vi a pistola dourada no meio do dinheiro e passaportes, mas não tive chance de fazer nada para me defender. Foi melhor assim, não sei o que teria feito com aquela arma em minhas mãos.

O som de tiros no andar térreo me levou a deduzir que os policiais invadiram a casa e os seguranças revidavam. Não demorou para que homens de uniformes negros e máscaras entrassem no nosso quarto, apontando suas armas para o Kassian.

O último a entrar se dirigiu diretamente a ele. Sua voz e postura demonstravam toda autoridade e determinação para finalizar aquela missão.

- Kassian Al-Maghrabi, você está detido por tráfico internacional de armas. Nos acompanhe sem resistência. Você tem direito a um advogado...

- Quem é você para me dar alguma ordem, jundiun? (soldado)

- Estou no comando dessa operação.

- Então você sabe que eu tenho imunidade.

- Existem casos em que até a imunidade pode ser suspensa. Tráfico é uma delas.

Na maleta aberta sobre a cama, as notas de dinheiro espalhadas e a pistola chamaram a atenção de todos. Kassian acompanhou o olhar dos homens e tentou uma última cartada.

- Podemos resolver de outra forma.

- Não, Kassian. Não faça isso. - pedi.

- Cala a boca, alkalbat alkhayin!! (cadela traidora)

O olhar do Capitão se voltou para mim, especificamente para o corte no meu lábio. Mais do que ouvir, eu senti a respiração dele se alterar e sua voz soou ainda mais autoritária quando se voltou e encarou o árabe.

- Só há um modo de sair daqui. Comigo ou comigo.

Kassian sorriu incrédulo, porém não se deu por vencido. Ele era uma cobra do deserto e tentou dar o último bote. Fingiu que iria fechar a maleta e pegou a pistola, contando que ninguém atiraria contra ele, pois seria um escândalo de consequências incontroláveis.

- Vocês não podem me matar, então eu me recuso a ir.

- Não nos obrigue a pará-lo.

- Mikaela, vem comigo!

- Não vou com você. - respondi me afastando dele.

- Então é verdade, você me traiu!!!


Ele gritou e apontou a arma para mim, descontrolado pela raiva. Eu fechei os olhos, certa de que iria morrer. Todavia, senti braços em volta do meu corpo e o impacto da bala foi amortecido. Os demais agentes partiram para imobilizar o atirador e jogá-lo ao chão como qualquer bandido.

- Você está bem? Está ferida?

Eu simplesmente não conseguia responder. Meu marido, que me jurou amor eterno, quis me matar, atentou contra a minha vida. Simples assim. Eu estava a ponto de sufocar com a respiração completamente descontrolada e o coração batendo frenético no meu peito.

Então meu salvador fez algo totalmente fora do protocolo e retirou sua máscara. Eu pude ver seus olhos marítimos e inquisitivos, a face coberta por uma barba cerrada e dourada, os lábios se movendo sem que eu entendesse as palavras ditas, devido ao zumbido que afetava meus ouvidos.

- Está tudo bem. Acabou.

Assenti com um movimento automático de cabeça.

Seus dedos tocaram meu rosto, me fazendo esquecer por segundos o caos que nos cercava. Durou apenas um instante essa calmaria. Seus olhos voltaram a ficar frios como as geleiras profundas do Ártico, quando ouviu a voz do Kassian.

- Tire suas mãos da minha mulher, kalb qadhir. (cão imundo)

O capitão virou-se para ele e o encarou, deixando-me protegida atrás do seu corpo, mantendo-me fora do alcance do meu algoz.

- Você está preso por tentativa de assassinato e resistência a prisão.

Kassian passou por nós algemado, sendo conduzido pelos soldados. Todavia, antes de sair proferiu a minha sentença na sua língua natal.

"- Teu aya tempat di dunya anu anjeun tiasa nyumput, yén kuring moal mendakan anjeun"

(Não há lugar no mundo onde você possa se esconder, que eu não consiga te achar)

E assim se foram dois anos de um conto de fadas, onde meu príncipe se revelou um réptil da pior espécie.

O árabe já havia sido levado pelos soldados, mas as palavras vaticinadas pareciam flutuar no ar como um mantra sinistro.

O líder ainda matinha suas mãos nos meus braços, como se pudesse me proteger até mesmo de uma maldição lançada sobre mim e foi assim que eu me senti. Ao ler o nome na etiqueta do seu uniforme, tive a certeza de que estava exatamente onde deveria estar e não poderia ser mais perfeito.

- Capitão Hawkeye.

- Meu nome é Ethan. .

Um estrondo nos obrigou a sair da nossa bolha. O barulho de vidros sendo atingidos por tiros chegou até nós e a proximidade de uma aeronave voando ao redor da casa fazia as janelas panorâmicas trepidarem.

Um dos rapazes que saiu levando Kassian, retornou a suíte onde estávamos.

- Capitão, os tiros alertaram os ocupantes do helicóptero que está trazendo as armas. Estamos sendo atacados, não tem como sair agora.

- Fiquem aqui e se protejam até eu voltar.

- Capitão...

- Foxie, é uma ordem.

Antes de sair o Capitão fixou seus olhos nos meus, como uma promessa muda de que sairíamos dali vivos e juntos. Ao contrário dos meus que deveriam expressar todo meu terror. Em seguida, pegou a arma das mãos do seu comandado e foi em direção do terraço.

Meu coração estava acelerado, a adrenalina fazia meu corpo ficar em alerta pelo perigo iminente que nos cercava.

Kassian não teria errado aquele tiro, não só pela distância, mas também por ser um bom atirador. O Capitão recebeu o tiro a queima roupa no meu lugar e a bala só não o feriu mortalmente por causa do colete, mas o impacto devia tê-lo ferido de alguma forma.

- O que ele vai fazer sozinho?

Questionei o agente que ficou comigo, por deixar seu líder executar um plano que me parecia suicida, mas ele não tinha a intenção de desobedecer a ordem que recebeu e segui-lo.

- O que faz de melhor. Matar.

Ethan Hawkeye☀️

- Ninguém vai morrer nessa poha!!!

Essa era minha certeza enquanto subia rapidamente os lances de escadas que levavam para o terraço. Olhei em volta do espaço totalmente aberto que me dava a visão completa do mar. O helicóptero dava voltas na casa e abria fogo contra todos que que estavam encurralados no térreo, soldados e civis. Eu tinha autorização para neutralizar os seguranças do árabe, mas os civis que trabalhavam na residência deviam ser poupados.

Estudei o local e deduzi que seria alvo fácil se saísse para a área descoberta, mas havia uma chance de alvejar a aeronave e eu ia me aproveitar dela. Me posicionei nos degraus e apoiei o fuzil Winchester Magnum no ombro, encaixando exatamente no local do impacto da bala de Kassian. Desprezei a dor, pois fui treinado para suportar ferimentos muito piores e continuar lutando.

- Fdp, me deve essa e vou cobrar com juros.

O piloto deu outra volta completa na casa, mas para manter a estabilidade teria que fazer um giro em torno de si mesmo e nesse momento ficaria de frente para o sol. Desse modo, eu estaria fora do seu campo de visão até ser tarde demais. Fod@-se que tudo ia explodir junto. Era meu dever proteger minha equipe e as pessoas inocentes, depois eu enfrentaria as consequências.

Assim que a manobra esperada foi executada pelo piloto, eu subi a escada e me posicionei de frente para o helicóptero.

Eu estava pronto pra mandar todos para o inferno com passagem só de ida, quando vi a arma que ele carregava e minha decisão se provou a única possível.

Através da mira, vi a expressão de incredulidade do atirador tentando apontar na minha direção, mas eu estava em vantagem

Eu seria sua última visão. Um anjo ou um demônio emoldurado pelo sol que se punha vermelho como fogo.

O segredo do atirador é não ter memórias ou expectativas. Só o presente existe. Alvo e objetivo. Decisão e ação. Esvaziei minha mente. Não havia vacilo ou dúvida. Somente eu e um inimigo a ser abatido. Atirei. Milésimos de segundos depois, vejo através da mira do fuzil o clarão, seguido da explosão e o deslocamento do ar quente me atingiu em cheio.

- Alvo abatido. - falei pelo rádio.

- Positivo, Capitão.

- Alguém ferido?

- Do nosso time nenhuma baixa, senhor.

Soltei o ar dos meus pulmões aliviado, mas não podia perder o foco antes de finalizar a missão.

- Foxie, na escuta?

- Positivo, Capitão.

- Vamos todos nos retirar agora

- Entendido, Capitão.

Desci do terraço e fui em direção da suite onde deixei Brian e Mikaela, que por ter ouvido o estrondo, me olhou em choque. Ela fez um rápido exame pelo meu corpo onde não veria qualquer ferimento devido ao uniforme preto, mesmo assim gostei da sua preocupação.

- Vamos, já terminamos aqui.

Mikaela obedeceu meu comando e me seguiu sem vacilar. Brian veio logo atrás, fazendo a nossa proteção. Descemos as escadas para o térreo e a destruição era grande, com corpos espalhados sobre os quais ela teve que passar.

- Capitão, os federais já estão no circuito. - um dos meus soldados avisou.

- Eles estão chegando como cães farejadores. - Foxie ironizou.

Estranhei que tivessem chegado tão rápido, mas não havia tempo para conjecturar teorias acerca do fato. Minha missão estava terminada e era o momento de me retirar com meus comandados.

- A varredura do local é com a Federal. Que fiquem a vontade para juntar o lixo.

No meio da total destruição encontrei Março Aurélio, o cão federal e meu antigo desafeto, na gerência da operação. Ele olhou para mim e à nossa volta, expressando seu total desagrado em me encontrar.

- Capitão Hawkeye, como sempre fazendo um bom trabalho.

- Kassian está em uma viatura lá fora, embalado pra presente.

- Capitão, o caso é de esfera federal. Qualquer testemunha deve vir comigo.

Falou olhando para a mão da Mikaela que segurava o meu braço. Ela intensificou o aperto, temerosa de ter que seguir com ele.

- A Sra. Al-Maghrabi vai ficar sob a nossa tutela.

- Negativo. Ela vem comigo para a ACIS.

- Você explodiu o helicóptero, agora ela é a única testemunha. Kassian não vai abrir a boca.

- Isso não é problema meu. Minhas ordens foram cumpridas.

Eu dei um passo a frente e ele permaneceu no caminho. Meus homens cercaram Mikaela e a mim com as armas apontadas de forma ostensiva. Nos encaramos em silêncio. Ele sabia que havia perdido e tentava me intimidar em vão.

- Saia do meu caminho.

Falei baixo, com o maxilar trincado de raiva e pronto para dar um soco naquela cara. Ele cedeu e deu um passo para o lado. Passei por ele com Mikaela junto a mim.

Quando entramos no carro, ela se encolheu no banco de trás. Brian ocupou a direção e eu sentei no banco da frente.

- Você vai ficar bem? - perguntei.

- Acho que sim. Para onde vai me levar?

- Para encontrar o Comandante Santoro. - respondi sem me virar.

- E o Kassian?

- Ainda se importa? Ele tentou te matar. - inquiri mais ríspido do que era necessário, dada as circunstâncias.

- Não quero ter que encontrá-lo nunca mais, mas sei que é impossível.

Um minuto de silêncio e nossos olhos se encontraram pelo retrovisor. Mikaela sustentou o meu olhar por um segundo e se virou para a janela. Pensei ter visto lágrimas em seus olhos, só esperava que não fossem pelo marido.

- Vamos...

Ordenei e Brian deu a partida.


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