4 - AZO

 "Elisa, você prefere o arco-íris após um dia chuvoso ou dormir durante a chuva?"

A quarta parte da minha história começa com um déjà-vu.

 Antes de tudo, tenho que explicar que naquele momento eu não lembrava o que havia acontecido antes. Como se o dia anterior houvesse sido apagado, demorei muito até saber o que estava acontecendo. Tudo se repetia praticamente igual. Revivi o mesmo dia várias vezes – até hoje eu não sei quanto tempo fiquei presa. Provavelmente fiquei cerca de um mês até ter a sensação de "eu já vivi isso antes". Eu não vou lhes mostrar a tortura do mesmo dia repetidas vezes. Quero lhes mostrar meu progresso.

 "Parecom suas conversas... sonhadoras." – a primeira vez em que senti o déjà-vu.

 "Elisa, eu tenho algo diferente para você hoje. Eu encontrei em cima da caverna, não sei exatamente o que é – parecem engrenagens –, mas senti que devia dar-lhe."

 "É lindo, mas... você já me deu isso, não?"

 "Ah, espero que você não tenha mexido nas minhas roupas." – ele riu – "Sapeca, não mexa nas roupas de um rapaz".

 Observando a caverna, senti que algo ruim iria acontecer. Um medo que começou em meu coração e arrepiou os pelinhos do meu braço. Estava apavorada, mas não sabia com o quê.

 Mais tarde, eu conversava com uma garota quando ela caiu. Senti a necessidade de ajudá-la, mas algo me dizia que eu não deveria fazer isso.

 "Senhorita!" – ela choramingava – "Ajude-me!"

 Com medo, olhei ao redor e, por precaução, sussurrei para que ninguém se aproximasse. Ninguém iria nos ver. Exceto Pô, que trotou correndo em nossa direção. Veloz, ele desapareceu às nossas costas. Sem preocupação, tratei de cuidar da ferida.

 O rapaz, cuidador dos cavalos, não procurou o potro naquela direção. Portanto, ele não nos viu fazendo magia. Porém, por não ter sido parado por ele, Pô desapareceu na floresta.

 À noite, enquanto conversava com o meu irmão, ouvi a voz do dono dos cavalos. Ele andava perto da caverna, discutindo com um homem mais velho. Pude ouvir sua voz irritada dizendo que 'aquele filhote era o único macho vivo e comprar outro tão forte seria caro'. Assustada, toquei na engrenagem; outra chance me foi concebida.

 "Elisa, você prefere o arco-íris após um dia chuvoso ou dormir durante a chuva?"

A sensação de reviver um dia era amedrontadora. Senti medo o dia inteiro, quase podia prever que algo ruim aconteceria – mas não sabia o quê. Tentei evitar os momentos em que eu me sentia assustada.

 "N-não precisa fazer compras hoje, Abel!" – senti que devia evitar – "Ainda temos legumes. Podemos fazer uma sopa com cenoura e beterraba. Por favor, quero ficar com você hoje, irmão. Você sempre sai e me deixa só, fique comigo por hoje!"

 Não foi difícil convencê-lo, visto que Abel também queria descansar. Passamos uma tarde juntos, protegi nosso lar para ninguém se aproximar. Saímos uma vez, ao anoitecer, para pegar água no lago – para a sopa.

 No lago, quatro adultos passaram desnorteados, nos ignorando. Pude ouvir a dama e o rapaz procurando uma garotinha, que havia lhes dito que iria visitar uma amiga pela tarde e não voltou. Ao lado deles, havia dois rapazes procurando um potro forte que desapareceu na floresta com uma criança.

 A julgar um dos rapazes, sabia que procuravam Pô. Em relação ao casal, eu não os conhecia, mas imaginei que poderia ser uma das crianças que me visitava. Como nosso lar estava protegido, a criança não me encontrou e continuou procurando. Ambos sumiram em uma das florestas próximas a cidade.

 "Essa... Essa é a floresta que viemos?" – perguntei.

 "Não. Eu ouvi falar que essa floresta é perigosa, há predadores e animais perigosos. Fique longe de lá, Elisa."

 "Não, não, não..." – chorei. A engrenagem brilhava na caverna. Corri para pegá-la. Senti que ela podia me ajudar.

 "Elisa, você prefere o arco-íris após um dia chuvoso ou dormir durante a chuva?"

Dessa vez eu quase podia prever o que iria acontecer. Minhas lembranças eram vagas e embaçadas. Não tinha tanta certeza, mas eu sentia o que poderia acontecer.

 Deixei Abel ir para as compras e tentei evitar que aquela garota caísse, porém, mesmo com minhas tentativas, ela caiu em um momento diferente, de forma diferente.

 "Ajude-me!"

 "Espere um pouco." – procurei – "Preciso que Pô fique ao meu alcance." – o potro trotou correndo na nossa direção, mas o parei e protegi ao nosso redor.

 Estranhamente, o rapaz ignorou meus sussurros para não se aproximar e pude vê-lo me observar fazendo magia.

 "Como é possível? Ninguém ultrapassa a barreira." – murmurei. Ele se aproximou.

 Com medo, corri para a caverna e peguei a engrenagem brilhante.

"Elisa, você prefere o arco-íris após um dia chuvoso ou dormir durante a chuva?"

O medo era maior. Quando meu irmão me deu as engrenagens, eu me perguntei o que elas significavam e por que pareciam tão importantes.

"É apenas um presente simbólico, Elisa. Uma maneira de eu dizer que me lembrei de você."

"Não, Abel, é mais do que isso. Eu sinto como se fosse parte de mim."

 Naquela tarde, implorei para acompanhar meu irmão nas compras. Insisti muito até ele me permitir.

 Pela primeira vez, conheci a cidade. Eu usava um vestido amarelo, o mais novo que tinha. Prendi meus cabelos e estava admirada com os diferentes visuais. A bagunça de tantas pessoas reunidas, as trocas de moedas por diversos objetos ou comida. As vozes, crianças travessas correndo. Tão diferente da calmaria do campo. Admirei tudo por cerca de dois minutos.

 Até ver um jovem roubar a bolsa de uma dama, as palavras horrendas que ouvi um homem adulto me dizer, ouvi palavrões saindo da boca de dois rapazes que discutiam, os diversos cheiros misturados me causavam náuseas. Vi mães maltratando filhos e um homem falando com uma dama de uma maneira que não se deve tratar uma mulher.

"Que lugar horrível." – sussurrei. Agradeci por viver no campo com crianças que amava.

Meu irmão gritou o que queria e trocou suas moedas por nosso alimento. Fiquei feliz por sairmos daquele lugar barulhento.

Ao chegarmos à nossa 'casa', vi um rapaz e um potro saindo da caverna. Indignado, ele nos olhou.

"Vocês vivem aqui?" – ele se aproximou – "Por que duas pessoas vivem isoladas do resto da cidade? Isso é incomum."

"Senhorita!" – uma garota da minha idade, que costumava me visitar, correu na nossa direção segurando a mão de uma criança – "Meu primo queria muito lhe conhecer e... quem são esses rapazes?"

 Tudo foi destruído numa velocidade que não pude acompanhar. A criança pedindo para eu fazer magia, Abel perguntando como eles sabiam sobre mim, Pô atacando a sacola que meu irmão carregava, o rapaz atento ao que a criança falava. Novamente corri para a caverna e pulei na engrenagem que brilhava.

 Na outra tentativa, deixei tudo ocorrer naturalmente, como na primeira vez. Mas, antes que eu fosse perseguida novamente, pedi para Abel fugir comigo pela floresta. Corremos antes de o fogo chegar ao nosso campo de visão. Comemorei enquanto corríamos. Explique a Abel que eu segui meus instintos ao sentir que algo ruim ia acontecer. Sorrimos, corremos muito até vermos que ninguém nos seguia. Eles não eram tão insistentes quanto as pessoas da nossa antiga cidade. Paramos, nos olhamos. Ouvimos um chiado. Abel olhou para trás, olhei atrás de Abel. Nós vimos uma cobra armada, pronta para atacar. Foi rápido. Ela pegou a perna do meu irmão. Olhei-o.

 "Eu ouvi falar que essa floresta é perigosa, há predadores e animais perigosos." – ouvi-o dizer, mas ele não mexia os lábios. Era como uma lembrança distante.

Segurei a engrenagem em meu peito, chorando.

 Eu fui castigada muitos dias tentando salvar pessoas importantes. Pô, as crianças, meu irmão, eu. Sempre que eu tentava proteger algum deles, outro era atingido.

 Eu estava presa em um único dia. Tentar salvá-los deu azo para prejudicá-los. Era como se o mundo não permitisse que eu salvasse alguém sem sacrifícios. Alguém precisava ser sacrificado naquele dia. Eu não queria que fosse eles, e eles não queriam que fosse eu.

Mesmo que eu fosse a única pessoa com uma leve consciência na volta ao tempo, eles sempre conseguiam me proteger se eu fosse atingida.

Todavia, eu não queria mais ser protegida. Se pudesse, eu voltaria para antes da morte dos meus pais.

"Elisa, eu tenho algo diferente para você hoje..."

Segurei a engrenagem. Olhei-a com atenção.

 "Eu não sei o que você é ou o que significa, mas faça isso parar." – chorei – "Por favor, eu não aguento mais. Eu faria qualquer coisa para ver todos bem. Qualquer coisa. Por favor! Por favor!"

Fechei os olhos e desejei.

Desejei nunca existir.

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