• Capítulo 37 - De regresso a Overdeen Hall

Assim que, ao fim de mais dois dias de viagem, pisou no vestíbulo de Overdeen Hall, Evangeline sentiu uma onda de sossego e calmaria que só aquele local poderia proporcionar. Um santuário que abrigou alguns dos melhores momentos da sua vida de casada, assim como foi o ponto de partida de um momento obscuro que preferia esquecer.

E ao olhar de relance para Dorian, pode ver no seu rosto que ele obteve a mesma perceção.

Todos os hóspedes foram instalados, tendo os duques se dirigido até aos aposentos ducais. Evangeline rapidamente solicitou um banho para o duque para ele poder descansar logo em seguida, e como já vinha sendo costume nos últimos dias, ela mesma o auxiliou em tudo.

Assim que o último criado saiu do quarto após encher a banheira, a duquesa testou a temperatura da água, caminhando até ao marido que já havia despido a camisa. Ignorando a vontade de o tocar, ajudou-o a despir o resto da roupa e a entrar na banheira, começando a humedecer-lhe o cabelo.

Um dia, Evangeline chegou mesmo a cogitar que tais intimidades com o marido eram uma realidade longínqua e inacessível, algo impossível e até inadequado segundo a educação rígida que as jovens tinham antes de debutar. Mas algo que se considerava era portadora de um cérebro e da capacidade básica de construir as próprias opiniões e vontades, e elas diziam que viver um casamento na base da cordialidade e distância não era sequer uma opção a considerar. A intimidade, que a confiança que Dorian lhe dedicava acabava por criar, era estímulo o suficiente para poder proceder conforme os seus desejos, contribuindo para um ambiente intimista que era do mais absoluto agrado mútuo. E era por isso que não sentia a mínima timidez em oferecer-se para auxiliar o marido naquele momento, muito menos o embaraço a levou a melhor na hora de ensaboar o corpo do seu esposo, sendo atentamente observada por ele.

- Porque não te juntas a mim? - Dorian quebrou o silêncio, pegando na sua mão e beijando-a de modo insinuante.

Não podia negar que era uma proposta terrivelmente tentadora, porque era. Contudo, entretanto, todavia...

- Porque sabes muito bem onde iríamos parar, e caso tenhas esquecido, ainda estás em recuperação. - optou por declinar a proposta, mais por excesso de sensatez do que por falta de vontade.

Porque vontade tinha. Oh se tinha...

- Alguém já te disse que és uma mulher cruel? - e lá estava Dorian a refilar, com os lábios formando um biquinho amuado.

Evangeline sorriu com diversão, beijando de leve aquele beicinho charmoso.

- Não, nunca.

- Então digo eu agora. És cruel.

- Calúnias!

- Verdades verdadeiras!

Evangeline optou por não responder, porque se o fizesse Dorian nunca mais se calaria. Decidiu continuar com a sua tarefa, ignorando os olhares provocantes do seu marido, que definitivamente padece de uma enfermidade patológica que lhe minou toda a vergonha na cara e o pudor.

Mas, de entre essa constatação, onde se encontra a novidade?

Não se encontra, porque há muito tempo que, para Evangeline, a depravação do seu marido deixou de ser uma novidade.

Outro aspeto que não era novidade, era o facto de que quando Dorian coloca uma ideia na cabeça, não descansa até a concretizar. E qual foi a ideia que ele teve ainda há pouco?

A mordida que ele deu no lóbulo da orelha da esposa, que se seguiu de um rasto incandescente de beijos distribuídos com dedicação pelo seu pescoço, isto aproveitando-se do facto de ela estar inclinada sobre a banheira, enquanto que com a mão molhada percorria o seu busto, fornece uma boa ajuda para relembrar a dita cuja ideia.

- Dorian. - Evangeline tentou soar firme, mas falhou miseravelmente. - Sabes bem que não podemos.

Os lábios do duque arrastaram-se para o rosto da esposa, beijando-a com doçura.

- Não sejas tão malvada, amor. - proferiu ele de modo doce, e Evangeline já sabia antecipadamente que aquele tom trazia água no bico. Era uma cilada.

E sabia bem disso, pois já caiu na cilada várias vezes. Tantas que os seus dedos das mãos e dos pés juntos não chegavam para contar.

- Não sou malvada, sou sensata e cuidadosa. - retrucou tentando manter a concentração com o marido a beijar o seu rosto repetidas vezes, arrastando os lábios no processo. - E já chega de beijos, eu sei bem que é para me tentares distrair.

Desta vez o duque apontou como novo alvo os lábios da esposa, beijando-os e mordendo o lábio inferior.

- Está a resultar? Se estiver a conseguir distrair-te, então não vejo motivos para parar.

Muito a custo, Evangeline afastou-se sob os protestos do marido, mas sabia que se não fizesse iria descair-se. E naquele momento tinha que permanecer firme.

- Já dizia um velho sábio que "quem espera sempre alcança". Anota esta frase e cobra-me mais tarde, quando já estiveres recuperado.

A carranca do duque quase a fez rir, só não se entregou à gargalhada pois iria aborrecê-lo ainda mais. Logo a seguir Dorian levantou-se na banheira e...

Ai Jesus! Oh homem abençoado! Pensou Evangeline desviando o olhar do corpo nu do esposo, porém espiando pelo canto do olho porque ela não era santa nenhuma. Observava com atenção, tentando ser discreta. Claro que tudo não passou de uma tentativa falhada. Estão a ver aquilo no rosto do duque? Chama-se sorriso, e este encaixa-se na categoria "sorrisos malandros", organizados na sub categoria "eu sei que estás a ver, e a fingir que não o estás a fazer".

Entretanto, isto enquanto o duque saía da banheira, Evangeline, ainda a observar "discretamente" o esposo durante todo o processo, pôs-se a pensar: "onde será que aquela gota de água que lhe está a escorrer pelo peito irá parar? Será que vai até o..."

Fingindo-se de ocupada, ainda conseguiu seguir o percurso da dita cuja gota de água, constatando como certas as suas suspeitas.

"Foi parar lá, eu sabia! O que eu dava para estar no lugar dela...".

- Estava a pensar proceder a essa cobrança quando regressarmos a Londres.

Evangeline ainda demorou a entender ao que ele se referia, mas rapidamente conseguiu concentrar-se no assunto devidamente.

- Acredito que nessa altura já estarei devidamente recuperado. - prosseguiu Dorian perante o silêncio da esposa. - Além do mais, será uma ótima oportunidade para te levar até aos jardins de Vauxhall.

- Estás mesmo a falar a sério? - perguntou a duquesa, extasiada com a ideia.

Certa vez foi a Vauxhall com Blair e Phoebe às escondidas, aproveitando-se do facto de que foram de máscara no rosto, como por vezes era costume, para poderem conhecer aquele que era apelidado de "o jardim dos prazeres". Tudo isto ocorreu há já dois anos, pouco tempo depois da chegada de Phoebe a Londres.

- Sim, falo muito a sério inclusive. Quero levar-te lá para podermos usufruir de uma noite especial. - confirmou Dorian secando o cabelo com uma toalha, tendo outra à volta da cintura.

- Cheguei a ir a Vauxhall, certa vez, com Phoebe e Blair. Foi há dois anos, Phoebe tinha acabado de chegar da Irlanda e tínhamos nos conhecido há pouco tempo. - revelou casualmente e atraiu o olhar do marido. - Creio já te ter contado isto alguma vez.

- Se o fizeste, não me recordo. - confessou Dorian começando a vestir os calções de linho quando Evangeline aproximou-se para ajudar.

- Conseguimos sair às escondidas e apanhar uma diligência até lá, mas não fizemos nada de mais, já que não conhecíamos o local. O ponto alto da noite foi um singelo passeio de gôndola no lago. Observamos a decoração em volta e pouco mais, mas usufruir de algum divertimento, passou-nos ao lado a oportunidade.

- Ótimo, assim tenho ainda mais oportunidades de proporcionar uma esplêndida noite para nós dois. - comentou Dorian com traços de mistério na voz.

Claro que Evangeline não deixou de ficar intrigada com aquele tom, especialmente conhecendo a fama dos jardins de Vauxhall. Mesmo não tendo usufruído de grande diversão na única vez em que lá foi, não significa que não ouça boatos e relatos esporádicos a respeito da diversão noturna lá disponível, cuja fama aumentava cada vez mais. A vontade de explorar um universo ao qual tinha acesso, mediante a sua posição na sociedade, fazia a sua ansiedade aumentar cada vez mais. Mas no momento teria de aguardar.

Ajudou Dorian a acomodar-se na cama, já que ele, por muito que tentasse, não conseguia esconder mais a expressão cansada que se apoderava do seu rosto e corpo. Os últimos dias impediram-no de ter o devido repouso devido ao ocorrido, de modo que Evangeline iria garantir que o marido teria o devido e recomendado descanso.

Mal Dorian adormeceu, Christopher, Aleksei, Benedict e James bateram à porta, mas ao verem o amigo já adormecido, avisaram a duquesa que iriam sair para tentar investigar o homem que Abigail referiu na carta.

- Mas já? Assim com tanta urgência? - questionou Evangeline, já que eles mal haviam chegado.

- A situação assim o exige, milady. Além do mais, se formos agora, não dará tempo de a notícia da nossa chegada se espalhar. Assim é da maneira que nada os irá atrapalhar. - explicou Benedict.

A duquesa concordou, admitindo que tinham razão. Eles informaram que Benedict e Aleksei iriam verificar os bordéis da zona, enquanto Christopher e James iriam até à casa de Abigail para tentar obter mais alguma informação que os possa auxiliar. À noite, iriam tentar entrar a casa de Erin.

Quanto a esta última parte, Evangeline não achava boa ideia ser justamente à noite que eles iriam a casa de Erin, por ser essa uma hora em que ela certamente estaria em casa. Mas acreditava que eles escolheram esse momento porque assim poderiam controlar melhor os passos dela, sabendo exatamente onde ela está. Só esperava que tudo desse certo.

Foi juntar-se às amigas, que estavam todas reunidas no quarto que foi destinado a Lucille, porém com a ansiedade por respostas presente no seu corpo. Se fosse comprovado que Erin possuía associações a atividades ilegais, então teriam o grande problema prestes a rebentar.

Pouca atenção prestou na conversa que as amigas desenvolviam, pois desta vez, era ela que estava inquieta com as informações que Abigail forneceu por correspondência.

Mas em vez de tentar compreender o que Erin estava a esconder, limitou-se a esperar pelo início do caos.

💍💍💍

Benedict e Aleksei percorriam as ruas de Maedin Square, uma rua afastada do centro da vila, onde se acumulavam prostíbulos nos mais diversos estados: uns com fachadas em considerável estado; outros simplesmente deploráveis e imundos.

Até ao momento não obtiveram resultados favoráveis. O propósito usado para perguntar por Tim Russell era para discutir negócios com ele, deixando aquele quê mistério no ar. Embora não sabendo o tipo de negócios que era, tinham absoluta certeza que não era nada de decorresse dentro dos parâmetros da legalidade.

Chegaram ao último bordel da rua, cuja fachada era vistosa e um tanto exótica, tendo em conta a decoração exterior, usada nitidamente para dar nas vistas. Logo a seguir vislumbraram o nome dado ao estabelecimento.

- Sherazade? - proferiu Aleksei, de olhos postos nas letras douradas por cima da porta de entrada do prostíbulo.

- Ao que parece, o dono aprecia a cultura oriental. Vamos entrar, se não encontrarmos o homem aqui, então teremos de recorrer a um plano B. - disse Benedict caminhando para dentro do estabelecimento.

O interior fazia jus à impressão fornecida pela fachada do edifício. Com uma decoração focada nos tons de vermelho, verde, dourado e azul, este remetia a um ambiente tipicamente árabe, e olhando para as meretrizes que circulavam por ali, constataram que o tema não se remetia somente à decoração do espaço. As mulheres que ali trabalhavam envergavam trajes de bailarinas árabes, com saias longas com aberturas nas laterais para expor as pernas, uma faixa de tecido que cobria os seios muito parcamente, na cintura um cinto com diversas medalhas douradas que faziam barulho de cada vez que elas se moviam, e diversos acessórios e ornamentos árabes. Tudo aquilo fornecia um ambiente de exoticismo que, pelo que viam, era apelativo para a clientela.

Os dois lordes ocuparam uma mesa vazia próxima à escadaria que seguia para o andar superior, para os quartos presumiam eles, e aguardaram até alguém se aproximar, recapitulando o que fariam.

Uma mulher com roupas árabes em vermelho e dourado caminhou até eles, com um sorriso no rosto. Era bonita, mas não foi para isso que se dirigiram ali. Pelo menos não naquele momento.

- Boa tarde, milordes. O que vão querer? - inquiriu prestativa.

- Sabe dizer-me se trabalha aqui um tal de Tim Russell? - perguntou Benedict de modo imponente, indo direto ao ponto.

A meretriz ficou em silêncio por poucos instantes.

- Quem quer saber?

- Queremos falar com ele a respeito de negócios, é só isso que precisa saber. Então, podemos encontrá-lo aqui ou não? - retrucou Aleksei de volta, sabendo que a mulher tentava ganhar tempo.

Viram quando ela engoliu em seco, e logo entenderam que quem trabalhava ali não estava autorizado a dar aquele tipo de informação.

- Ele é o dono do bordel. - respondeu ela por fim. - Se quiserem falar com ele posso acompanhá-los até ao seu escritório.

Ambos levantaram-se e colocaram-se em frente à mulher, aguardando. Com um último olhar para eles, a meretriz subiu as escadas e guiou-os pelos corredores, até chegar a uma sala localizada no terceiro andar.

A mulher bateu à porta, e uma voz grave autorizou a entrada. Após ela informar a presença dos dois lordes, deu espaço para eles entrarem e fechou a porta, voltando para o andar inferior.

O homem sentado num cadeirão em frente a uma mesa de mogno fitava-os com interesse, à espera que se aproximassem. Assim que Benedict e Aleksei se aproximaram, ele levantou-se sem desviar o olhar.

- Presumo que seja Tim Russell. - pronunciou-se Benedict, fitando o homem com um olhar duro e aguçado.

- E presume muito bem, milorde. E posso saber de quem se tratam tais ilustres lordes? - respondeu Russell de volta, ligeiramente desconfiado.

Benedict olhou de canto para Aleksei, que retribuiu o olhar.

- O meu nome é Anthony Wellington, visconde de St. Davies, e aqui o meu amigo é lorde Thomas Green, conde de Mersey.

Benedict tratou de inventar nomes e título naquele momento, pois não iriam fornecer os nomes e as posições originais, não só por uma questão de bom senso, como também porque corriam o risco de Tim Russell, pelos nomes, os associar a Dorian, visto que eram amigos de longa data e isso era do conhecimento da Ton.

Russell fitou-os durante mais algum tempo, e Benedict não se coibiu de o olhar de modo mordaz de volta.

- Muito bem, e o que querem de mim? Acredito que um melhor entretenimento será ofertado uns andares abaixo.

- Se estivéssemos em busca de uma meretriz, não nos teríamos dado ao trabalho de subir até aqui. - retrucou Aleksei, tentando ao máximo disfarçar o seu sotaque russo.

Russell assentiu, dando-lhe razão.

- Viemos até si pois ouvimos boatos de que tem em mãos negócios bastante lucrativos, e nós dois estamos à procura de novos investimentos. - esclareceu Benedict, tentando fazer com que ele morda o isco.

Um brilho ardiloso apossou-se do olhar de Tim Russell.

- Vai desculpar-me, milorde, mas não sei de que negócios se está a referir, ou que boatos sejam esses. O meu único negócio é a gerência deste estabelecimento.

Mais uma vez Benedict e Aleksei entreolharam-se, já esperando por uma negativa da parte dele.

Óbvio que ele iria desconfiar. Quem está envolvido em atividades ilegais desconfia de tudo e de todos.

- Sabe bem ao que lorde St. Davies se refere, não vamos perder tempo com enrolações. - reiterou Aleksei duramente.

- Nós viemos pelas meninas, sabemos que negoceia a vinda de jovens para este bordel para trabalhar para si, e queremos financiar esse negócio. - Benedict apegou-se à informação dada por Abigail Brown na carta que Dorian mostrou, sendo que o restante concluiu por conta própria. - Isso e fornecer o nosso patrocínio a este estabelecimento. Devo deixar aqui a minha admiração pela criatividade e decoração do espaço, simplesmente genial. E apelativo.

Tim Russell sorriu levemente, parecendo convencido.

O que um elogio não é capaz de fazer.

- Sendo assim, creio que podemos negociar. E falado agora no que referiu, lorde St. Davies, já que iremos fazer negócio, devo informá-lo que esta noite, à uma da manhã em ponto, chegará ao cais um navio com as encomendas. Se estiverem dispostos a ir em frente com as vossas intenções, encontrem-se comigo nas docas por essa hora, lá iremos acertar os detalhes com o meu chefe.

Ambos voltaram a entreolhar-se, curiosos.

- O seu chefe? - questionou Aleksei.

- Exatamente, lorde Mersey. Nestas ocasiões, o meu chefe dá as caras para poder conhecer os novos sócios, mas essa será a única vez que o farão. Ele não gosta de aparecer.

Ambos assentiram em concordância.

- E podemos saber como se chama o seu chefe?

A questão de Benedict deixou Russell silencioso por poucos segundos.

- O nome não podem saber, a única coisa que vos posso dizer é que todos o conhecem por CH. Desta forma, é mais complexo de chegar ao seu verdadeiro nome.

Aleksei e Benedict absorveram essa informação, e depois de todos os detalhes estarem combinados, saíram do escritório de Tim Russell, prontos para irem embora.

Desceram as escadas para o segundo andar, quando duas meretrizes se aproximaram deles, uma com trajes verde jade e outra com trajes em azul. Ambas eram bonitas, porém bastante franzinas para os padrões estabelecidos pelas outras mulheres, e caminhavam até eles com uma postura que tentava demonstrar confiança.

- Milordes. - cumprimentaram em uníssono parando à frente deles, obrigando-os a parar. - Vão já embora?

A pergunta foi feita pela jovem dos trajes verde jade, que faziam um contraste sublime com a pele leitosa e os cabelos ruivos.

- Infelizmente sim, temos assuntos inadiáveis a resolver. - pronunciou-se Aleksei com um sorriso cordial.

As jovens caminharam até eles mais um pouco, e Benedict captou que elas tremiam um pouco. Estavam nitidamente nervosas.

- E esses assuntos são assim tão urgentes, que vos impeçam de nos acompanhar até a um quarto? - A dos trajes azuis, que possuía uns longos e encaracolados cabelos negros, questionou, mas por mais surpreendente que possa parecer dadas as circunstâncias, a questão não possuía nem um único resquício de malícia.

- Por serem urgentes, são impedimento.

A ruiva aproximou-se ainda mais, segurando nos braços de Benedict.

- Por favor, venham connosco. Não nos façam essa desfeita. - insistiu novamente, e a amiga assentiu em concordância.

Os olhos castanhos da jovem ruiva fitavam o rosto do marquês fixamente, e ao fitar a mulher de volta, Benedict logo constatou que aquilo não se tratava de um pedido para um momento de depravação. Teve essa certeza ao ver urgência e medo nos seus olhos.

Deste modo, Benedict fitou Aleksei, que era observado pela jovem de azul, e assentiu em afirmação, tendo o grão-duque entendido ao que se referia.

Ainda viu os olhos da ruiva abrirem-se um pouco mais para algo atrás de si, e ao fitar por cima do ombro, viu do outro lado do corredor a aproximação de Tim Russell, que ainda estava longe de onde eles estavam. Deu sinal à mulher para disfarçar, e ela assentiu discretamente.

- Realmente seríamos imbecis ao recusar tão tentadora oferta. - o marquês forçou o seu melhor tom e olhar maliciosos, e a jovem corou ligeiramente.

Benedict piscou o olho a Aleksei, que deu toda a sua atenção à jovem morena. Para tentar demonstrar alguma malícia ao chefe que se aproximava, a jovem ruiva desceu a mão até à cintura de Benedict, parando no seu abdómen devido à timidez que não conseguia evitar ter. Gentilmente ele segura na sua mão e pousa-a no seu membro, onde sabia que ela queria colocar, e beijou-a de leve, tentando aliviar o nervosismo.

- Qual é o seu quarto, ceann ruadh breagha*? - sussurrou com o seu acirrado sotaque, especialmente ao pronunciar as palavras em gaélico escocês.

A jovem apontou para uma porta do seu lado esquerdo, e com um aceno de cabeça indicou para Aleksei o local, entrando logo a seguir, com Russell a poucos passos deles.

Entrando no quarto, todos permaneceram em silêncio, com Aleksei a espreitar por uma fresta da porta, à espera que Tim Russell passasse em direção ao andar de baixo. Quando o viu a descer as escadas, voltou-se para dentro do quarto e trancou a porta.

- A encosta está livre, Russell já desceu.

Benedict assentiu, e assim ambos voltaram-se para as duas jovens que os olhavam fixamente. Não foi preciso pensar muito para chegar à conclusão de que elas estavam ali porque foram forçadas a isso.

- Como é que chamam? - questionou Benedict, quebrando o silêncio.

Ambas as mulheres relaxaram a postura, anteriormente tensa.

- Eu sou a Vivian. - disse a ruiva, que apontou em seguida para a amiga. - E ela é a Alissa.

- Precisamos de ajuda. - disse Alissa com certa urgência.

Aleksei e Benedict assentiram, já esperando por aquilo. Mas curiosos quanto ao motivo pelo qual elas pediram ajuda justamente a eles, que nunca colocaram ali os pés antes.

- Em quê que podemos ajudá-las? - manifestou-se Aleksei.

- A fugir daqui. - disparou Vivian num sopro angustiado. - Nós somos forçadas a estar aqui, somos obrigadas a vender o corpo contra a nossa vontade.

Aquilo não era uma novidade, já que desde que as viram, perceberam de imediato que aquele tipo de vida não era feito para elas, e que a única coisa que as poderia manter ali era uma imposição.

- Viemos no mesmo navio desde a Irlanda. Fomos apanhadas por capangas de Russell que estavam lá com esse intuito. Viemos para cá à força e obrigadas a trabalhar aqui, mas não aguentamos mais. - explicou Alissa.

- Muito bem, mas uma pergunta. Porquê que nos estão a pedir ajuda a nós, sendo que mal nos conhecem?

Vivian e Alissa entreolharam-se, e observaram os homens envergonhadas.

- Vimos quando entraram aqui, e admitimos que o que nos fez prestar atenção em vós foi a vossa beleza. Mas depois acabamos por, sem intenção, ouvir um pouco da conversa que trocaram no andar inferior enquanto servíamos alguns clientes ali próximos, especificamente a parte a respeito de um plano de tentar apanhar Tim Russell. Com isso soubemos que, de alguma forma, podíamos confiar em vós, pois não eram como muitos outros lordes mal encarados que aqui entram para fazer negócios com eles.

Benedict e Aleksei observaram as jovens em silêncio, absorvendo as palavras proferidas.

- Só queremos voltar para casa, para as nossas famílias. - disse Vivian com lágrimas nos olhos. - Chego a sentir nojo de mim mesma ao recordar de tudo o que já fiz nestes quartos.

- Se está aqui obrigada, porque sente nojo de si? - inquiriu Benedict de braços cruzados, observando Vivian fixamente.

O olhar da ruiva caiu sobre ele, e as faces da mesma estavam rosadas. Ela abraçou o próprio corpo num gesto de autodefesa.

- Sei bem como as pessoas vêem as mulheres que aqui trabalham, é inevitável sentir-me assim.

- Isso não é sequer justificação. - pontuou Benedict de imediato, com imponência. - Se são vistas como mulheres de vida fácil, a culpa disso deve-se a quem as colocou aqui à força. Quem devia sentir vergonha de si mesmo são aqueles que vos tiraram do conforto das vossas casas para vir parar neste sítio, mas vós jamais deveis voltar a dizer ou sequer a sentir-se assim, entendido?

O tom de voz do marquês não deixava espaço para contestações, e ambas assentiram em afirmação com um pequeno sorriso.

- De qualquer das formas, iremos ajudá-las a sair daqui. - pronunciou-se Aleksei, e as jovens sorriram. - Nós iremos encontrar-nos com Tim Russell nas docas à uma da madrugada, precisam estar prontas antes disso.

- Iremos voltar cá com uns minutos de antecedência, para vos ajudar a sair daqui e a deixá-las num local seguro. Se tudo der certo, amanhã bem cedo as levaremos até um navio de volta para a Irlanda. - explicou Benedict, e receberam sorrisos em agradecimento.

- Nem sabemos como vos agradecer! - exclamou Vivian, feliz por saber que em breve sairia daquele inferno.

- Não precisam de agradecer. - pontuou Benedict com a mesma expressão taciturna de sempre, sem a sombra de um sorriso. - Estejam prontas à meia noite em ponto, precisamos de ter um espaço de tempo confortável para vos levar para longe, antes do encontro com Russell.

Vivian e Alissa assentiram em concordância.

- Se não for indiscreto da nossa parte, gostaríamos de saber os vossos nomes, tendo em conta que vos dissemos os nossos. - pontuou Vivian com certa timidez, fitando Benedict.

Havia alguma coisa nele, especialmente naquele olhar frio e naquela severidade, que a atraía. Pelo sotaque percebeu que ele era escocês, mas a beleza dele era sublime, quase selvagem. E não conseguiu não constatar que frieza dele era um contraste gritante com a calidez da mão que segurou a sua, há uns minutos atrás. Era uma tola.

- Realmente foi indelicadeza da nossa parte, perdoem-nos o desleixo. O meu nome é Benedict McPherson, e o meu amigo é lorde Aleksei Petrovsky.

- Sendo assim, obrigada, lorde McPherson e lorde Petrovsky, pela ajuda.

Aleksei sorriu para as mulheres de forma galante, já Benedict apenas assentiu com a cabeça, sem esboçar um sorriso, porém suavizando o olhar ligeiramente. Alguns minutos depois deixaram o prostíbulo, dirigindo-se para o palacete de imediato.

💍💍💍

Christopher e James chegaram a Overdeen Hall praticamente ao mesmo tempo de Benedict e Aleksei. Todos eles, após pedir informações ao mordomo, dirigiram-se ao quarto ducal, encontrando o duque sentado na cama, na companhia da esposa.

- Interrompemos? - perguntou James, com resquícios de malícia na voz.

Algo que foi captado por Dorian, daí a expressão carrancuda que ele lhe dirigiu, e pela duquesa, que meneou a cabeça e negativa com um sorriso divertido no rosto.

- De modo algum. Vou deixá-los a sós, pois vejo que têm muito a conversar.

Evangeline levantou-se e preparou-se para sair.

- Pode ficar se quiser, não iremos discutir nada que não deva, ou que não ficará a saber eventualmente. - retrucou Christopher quando Evangeline se aproximou deles, que permaneciam parados perto da porta.

A duquesa sorriu, um sorriso que, na opinião dos quatro lordes, era absolutamente deslumbrante.

- Mesmo assim prefiro deixá-los, tenho mais hóspedes em casa a necessitar da minha atenção. Que anfitriã seria eu se não lhes desse atenção a elas também? - questionou Evangeline, com uma expressão divertida no rosto.

Os quatro riram do comentário.

- Certamente que elas irão compreender que, neste momento delicado, o seu marido necessite de mais atenção. - retorquiu Aleksei. - Não pode deixá-lo sozinho e sem as atenções da esposa justamente agora.

- Quanto a isso não há problema, eu dou-lhe toda a minha atenção à noite. - Evangeline lançou uma piscadela de olho marota aos lordes, saindo do quarto em seguida.

Eles ficaram a olhar para a porta aparvalhados, como se ainda a pudessem ver, completamente enfeitiçados. Foi preciso Dorian assobiar e atirar na direção deles um livro que tinha pousado na mesinha de cabeceira, para os fazer despertar daquele torpor.

- Ai! Era desnecessária tamanha violência! - exclamou Christopher esfregando o braço, já que ele foi a pobre alma azarada que o livro atingiu.

- A vossa sorte foi esse não ser dos maiores exemplares que tenho na biblioteca, e mais sorte ainda tiveram por ser esse o único que tinha ao meu alcance, se não teria doído mais! - rosnou Dorian, nitidamente ciumento. - Já dizia o mandamento não sei das quantas: não cobiçarás a mulher do próximo. Anotem isto para uma eventualidade futura.

- Muito bem, entendemos a dica. - disse Benedict aproximando-se da cama, seguido dos restantes. - Precisamos de falar.

O marquês sentou-se na beira da cama, e os restantes três ficaram de pé atrás dele.

- Eu e Aleksei encontramos o tal Tim Russell. Ele é o dono de um bordel em Maedin Square chamado "Sherazade".

Dorian ficou animado com a notícia.

- E então? Que mais conseguiram?

Benedict pigarreou, clareando a garganta, antes de prosseguir com o relato.

- Conseguimos falar com ele. Usamos nomes falsos para ele não nos identificar, e não nos associar a ti de alguma forma, e usando o relato que Abigail Brown forneceu na carta, tentamos convencê-lo de que queríamos formar sociedade com ele nos negócios, especialmente no que diz respeito às mulheres.

- Ele mostrou-se desconfiado a princípio, o que já esperávamos, mas pareceu acreditar. Marcou de nos encontrarmos com ele nas docas à uma da madrugada em ponto, pois nessa hora chegaria um navio com algumas encomendas, sendo que o chefe dele estaria lá também. - prosseguiu Aleksei com o relato. - Ainda tentamos saber o nome do chefe, mas o que ele nos disse é que todos o conhecem por CH.

- E vocês aceitaram encontrar-se com ele, certo? - inquiriu lorde Devon.

- Sim, ficou tudo combinado, mas eu desconfio desse encontro. Ele pode não ter engolido a nossa história e estar a preparar uma armadilha. - especulou Benedict.

Os restantes concordaram, pois essa era uma hipótese em potencial. Mas teriam de correr o risco.

- Já a nossa conversa com Abigail não rendeu muitos frutos. Ela não nos conseguiu dispensar mais pormenores, somente relatou a conversa com a falecida senhorita Scott, mas não dispensou mais pormenores do que aqueles que já sabemos. - explicou James, e Christopher concordou.

- Se Abigail diz que não sabe mais, então vamos acreditar. - determinou Dorian. - Quanto à senhorita Scott, a família autorizou a exumação do corpo para a senhorita Wood proceder à autópsia. Evangeline foi lá com ela e falou com a família, amanhã ela irá fazer a autópsia ao corpo.

Os amigos assentiram.

- Quanto a logo, estive a pensar: porque não vamos com vocês, caso esse tal Tim Russell esteja a tramar algo? - sugeriu James.

- E a ida à casa da bruxa? Quer dizer, de lady Erin? - retrucou Aleksei, arrancando risadas dos amigos ao chamar Erin de bruxa.

O que não era mentira.

- Vamos na mesma, e caso esteja perto da hora combinada e nós ainda lá, vocês vão primeiro e depois eu e James encontramo-nos com vocês lá. - explicou lorde Clermont.

- Parece-me boa ideia. - opinou o duque. - Mas mesmo assim levem alguns dos meus homens para vos dar cobertura. É melhor prevenir.

- Concordo, mas eu e Aleksei temos de estar nesse bordel à meia noite. - explicou Benedict, e os amigos olharam-no interrogativamente. - Duas jovens pediram-nos ajuda para fugir de lá, disseram que os homens e Tim Russell as levaram das suas casas na Irlanda, para as obrigar a trabalhar como meretrizes. Não tínhamos como recusar.

Todos concordaram, e a partir dali traçaram o plano para aquela noite.

- Como teremos a noite ocupada, já não terás nada que te interrompa no momento em que irás receber as atenções da tua bela esposa. - alfinetou Aleksei balançando as sobrancelhas malicioso.

Dorian fulminou-o com um olhar mortífero, para logo depois apressar-se a pegar na almofada para o acertar com ela. O maldito escapou da sua mira e rapidamente os quatro fugiram, tendo Dorian arremessado a almofada na direção deles, pegando noutra logo a seguir.

Podiam existir momentos em que eles lhe queimavam a paciência, mas a verdade é que para Dorian, não existiam melhores amigos que eles, e era afortunado por tê-los na sua vida.

⚜️⚜️⚜️

Amanhã teremos o último capítulo e o epílogo. Preparadas? Espero que sim porque o próximo capítulo é bomba atrás de bomba 💣💣.

*ceann ruadh breagha - Bela ruiva.

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