• Capítulo 36 - A carta

       Recapitular os mínimos detalhes daquela noite infame foi uma tarefa difícil de concretizar, mais do que Evangeline acreditava que fosse. Porém foi necessário, era a única forma de tentarem desvendar a identidade do culpado.

       Benedict e James, assim como Christopher e Aleksei, decidiram investigar tudo por conta própria. Podiam passar a ocorrência para um oficial de justiça, mas assim corriam o maior risco da notícia do envenenamento chegar aos jornais, e aquele tipo de publicidade era algo altamente repudiado por todos.

       Lorde Spencer comentou que Lorde Clermont e o grão-duque foram até à residência do barão Isaac Moore, de modo a tentar investigar a madrasta do duque. Pouco depois eles chegaram, cumprimentando e inquirindo a duquesa a respeito do estado do amigo, recebendo um relatório pormenorizado em retorno.

       — Segundo o barão Moore, ontem não estava em Londres, dirigiu-se a Kent para resolver um imprevisto numa propriedade juntamente com o seu administrador. Obviamente confirmamos essa alegação, e de facto ele foi visto a sair de Londres um dia antes do baile. — explicou Christopher após sentar-se de frente para a duquesa. — Regressou esta manhã, ainda vimos as malas a serem carregadas para o interior da residência, e tinha acabado de ser informado pelo mordomo que a mãe partiu de Londres no dia do baile.

       — Sabem a que horas ela partiu? — inquiriu Benedict.

       — Não, o próprio barão não soube dizer. Mas mencionou que possuem uma residência em Devonshire.

       Todos agarraram-se a essa informação, juntando-a ao relato da duquesa que mencionava a possível presença clandestina da baronesa de Westphalen.

       Isso sem esconder da duquesa a atitude suspeita de Tilly.

       Quando Evangeline regressou ao quarto, o médico preparava-se para ir embora, repetindo que com o devido repouso, o duque rapidamente recuperaria. Quando o médico saiu do quarto, rapidamente aproximou-se na cama, sentando-se na beira e segurando na sua mão. Dorian estava recostado nas almofadas devidamente posicionadas, porém ainda envergava uma fraqueza e palidez desmedidas.

       — Como te sentes, meu amor?

       Lorde Devon fez uma careta aborrecida.

       — Pouco feliz, pois tive que engolir um frasco inteiro de vinagre e limão.

       A duquesa sorriu divertida, constatando que ele já não possuía tanta dificuldade em articular as palavras, mesmo ainda ofegando ligeiramente.

       — Sabes bem que é necessário, é para o teu bem. O médico referiu que tens reagido bem ao antídoto, não é Portia?

       A dama aproximou-se da cama após ouvir o seu nome.

       — De facto, assim é. A sua sorte foi ter tomado o antídoto pouco tempo depois de ingerir o veneno, não dando tempo suficiente de ele causar efeitos piores do que os que causou. — explicou fitando o duque por poucos instantes.

       — Com sorte, irás recuperar em breve.

       — Bem, será uma questão de dias, após o antídoto ser administrado, para que o corpo do duque expulse todos os resquícios de veneno, porém terá pelo menos duas semanas de recuperação pela frente, isto devido aos danos que o efeito causou no organismo. Terá de fazer uma alimentação rigorosa e à base de comidas leves. — alertou Portia, e a duquesa assentiu em concordância.

       Estimava a rápida recuperação do esposo, já não aguentava vê-lo daquela forma fraca e sofrida.

       Não resistiu a inclina-se e beijar-lhe a testa carinhosamente, tendo durante a sua aproximação reparado que os lábios dele já começavam a ganhar cor aos poucos. Mas ainda estavam bastante secos e frágeis.

       — Os ares do campo iriam fazer-te bem. — comentou passado um tempo, já sozinhos no quarto.

       Dorian assentiu em concordância, respirando fundo ainda com alguma dificuldade.

       — Pena que ainda não posso viajar. — lamentou o duque pouco depois.

       — Quando melhorares, iremos para Overdeen Hall por uns tempos.

       Dorian assentiu e fechou os olhos, adormecendo pouco depois. Evangeline sentou-se numa poltrona perto da janela ali próxima e velou pelo sono do esposo de forma devota, pedindo aos céus para que ele recupere rapidamente.

💍💍💍

Quatro dias depois

       As melhoras no estado do duque eram gradativas, porém visíveis, o que deixava a duquesa extremamente feliz.

       Aos poucos Dorian foi conseguindo ingerir alguns alimentos, pré estabelecidos por Portia, assim como líquidos. Já conseguia sair da cama, mas ainda sentia-se fraco, assim como era acometido por dores abdominais, ocasionadas pelo efeito do veneno no estômago.

       Evangeline ajudava-o em tudo, apoiava-o quando ele queria levantar-se, ajudava-o nas refeições e até insistiu em ser ela a banhá-lo, algo que Dorian particularmente apreciou.

       Admirava a esposa em silêncio, deitado na cama a repousar, enquanto Evangeline lia sentada perto da janela, aproveitando a luz da manhã para poder visualizar melhor as páginas. A dedicação que ela tem demonstrando nos últimos dias, recusando-se a sair de perto dele a menos que seja por algo que envolva Grace, fez surgir no seu peito uma sensação de acalento.

       Era bom saber que tinha alguém com quem contar, alguém disposto a cuidar de si, disposto a apoiá-lo. Evangeline era o seu pilar de sustento, e não queria sequer imaginar a aflição pela qual passou. Amava-a de modo ardente e sufocante, era inegável, um facto mais do que provado.

       Evangeline, que até ali permanecia alheia ao escrutínio de que era alvo por parte do marido, fitou o relógio de pêndulo, constatando que estava perto da hora de alimentar Grace. Ao notar Dorian a fitá-la, sorriu e aproximou-se da cama.

       — Grace já deve ter acordado, vou vê-la. — informou, inclinando-se e beijando-o no rosto.

       — Trá-la até aqui. — pediu segurando na mão da esposa.

       A duquesa sorriu e saiu do quarto, voltando pouco tempo depois com a filha nos braços, que vinha a choramingar. Algo já costumeiro, mas somente nos últimos dias.

       A princípio estranhou aquela atitude da bebé, já que ela era bastante calma, e aquele choro estrondoso foi algo repentino e desesperado. Porém rapidamente compreendeu o motivo de tamanho desespero.

       E a sua suposição foi reforçada com a ação que tomou a seguir, pois assim que entrou no quarto Grace ainda chorava, mas bastou colocá-la no colo do pai para rapidamente o pranto cessar definitivamente. E foi aí que teve a certeza definitiva de que todo aquele pranto torturado que a pequena proferia devia-se ao facto de, na sua mais absoluta inocência, conseguir sentir que o pai estava a sofrer, fazendo-a sofrer também não só com essa certeza, como pelo facto de não estar perto dele para poder sentir o seu aconchego.

       Evangeline sentou-se ao lado de Dorian na cama, este por sua vez com a atenção centrada na filha, até que a tira do colo dele para a amamentar. Como de costume, Grace sugava o seio materno com avidez, e Evangeline aconchegou melhor a filha nos braços enquanto ela saciava a sua fome. Dorian observava aquele momento sem reservas, absorvendo aquela imagem com nítida devoção.

       Acariciou os cabelos ainda escassos da filha, e observou um pequeno sorriso surgir no rosto da esposa, esta com o olhar pousado no rosto da pequena. Com o indicador ergueu o rosto dela até o seu olhar verdejante bater diretamente no seu, e aproximou-se lentamente até encostar os seus lábios nos dela, beijando-a de modo lento, porém apaixonado.

       Permaneceram em silêncio, até Evangeline solicitar a Tilly que levasse Grace. Mas fê-lo com o relato de lorde Spencer e lorde McPherson a pairar na sua mente.

       Pouco depois uma criada vem entregar uma correspondência ao duque, saindo imediatamente após uma reverência. Dorian olhou para o selo, mas este era comum, não identificava quem lhe enviou a missiva.

       — Sabes quem enviou? — questionou a duquesa, ainda sentada ao seu lado.

       Dorian rompeu o lacre e abriu a carta, focando no nome que a assinava com surpresa.

       — É de Abigail.

       O que levaria a sua antiga governanta a escrever-lhe? Não ocupou mais tempo com questionamentos, e rapidamente dirigiu a sua atenção para as respostas.

       "Vossa Graça,

       O que me leva a escrever-lhe é um assunto pendente entre nós há já alguns meses, um assunto que afirmei desconhecer, porém que não se trata de mais nada a não ser de uma grande mentira.

       A jovem que eu encontrei morta chamava-se Daisy Scott, e eu sei o que culminou na sua morte.

       No dia anterior à sua morte, ela veio a minha casa falar comigo para me confidenciar uma conversa suspeita que ela ouviu da sua madrasta com um homem, cuja única coisa que sei a seu respeito é o nome, Tim Russell. Ela não me deu muitos detalhes, porém referiu ter ouvido algo que fazia referência a negócios ilícitos e meninas, esta última referência não tendo eu entendido o significado. Eu disse-lhe que devia ter ido falar diretamente com Vossa Graça, mas ela argumentou dizendo que confiava-me a mim essa missão.

       Creio eu que, de alguma forma, lady Erin tenha descoberto que Daisy sabia de algo que poderia denegrir a sua imagem e comprometer a sua liberdade perante a justiça, e devido a isso decidiu eliminá-la. Quanto à ameaça, acredito que ela tenha descoberto que foi a mim que Daisy contou, prometendo fazer-me o mesmo que fez à pobre Daisy, caso eu resolvesse falar-lhe. Não tenho provas que comprovem que foi assim que tudo aconteceu, mas tendo em conta aquilo que sei e que referi algumas linhas acima, acredito ser a hipótese mais provável.

       O medo de que a ameaça fosse cumprida impediu-me de lhe falar, por isso omiti tudo de si, dizendo que desconhecia o porquê de ter sido ameaçada. Porém uma visita inusitada da sua atual governanta, Evie Wright, fez-me ganhar coragem e escrever-lhe. A senhorita Wright veio ao meu encontro pedir-me para aceitar a colocação novamente, pois ela está noiva do barão Isaac Moore e não poderá manter o emprego por esse mesmo motivo. Eu até teria receio de vê-la a casar com o filho de Erin, isto se já não soubesse em primeira mão que ele em nada se parece com a mãe a nível de caráter. Não parece nada ser filho de quem é.

       Cumpro o meu dever de lhe informar do que já deveria saber, assim como informo que, mesmo com receio, aceitei o pedido da senhorita Wright de voltar a ser a governanta de Overdeen Hall, contando que milorde concorde.

       Cordialmente,

       Abigail Brown."

       Dorian necessitou de uns minutos para absorver aquela avalanche de informações que acabara de o acometer. Ficou intermináveis minutos a olhar para o nada, sendo observado pela esposa curiosa.

       Isto tudo enquanto tomava consciência de que subestimou a madrasta, mais do que deveria ter feito.

       — Querido? Está tudo bem? — Evangeline remoía-se em curiosidade, fitando o cenho franzido do marido. — O que a carta diz?

       Dorian pareceu finalmente notar que não estava sozinho, e por isso saiu do seu torpor hipnótico e fitou a esposa.

       — Deus... É tanta informação que sinto o meu cérebro dar um nó.

       Esfregou a testa, enfatizando o que acabara de dizer.

       — Primeiro, a nossa governanta vai casar com lorde Isaac Moore, e pediu a Abigail para voltar ao posto de governanta.

       Evangeline resfolegou surpresa.

       — O filho de Erin vai casar com a senhorita Wright? Mas porque carga de água?

       Mas imediatamente luz fez-se na sua cabeça, lembrando-se da atmosfera intimista que os rondava sempre que os via juntos no palacete, bem como o ar abatido que acometeu a jovem após a partida de Erin e Isaac. Certamente que existiu um envolvimento entre eles que culminou no noivado.

       — Não faço ideia, e nem quero saber. Porém o pior está por vir. — o duque suspirou sentindo-se subitamente cansado. — Há fortes hipóteses de ter sido Erin que matou aquela criada que eu mencionei, chamava-se Daisy Scott.

       Os olhos da duquesa esbulharam-se perante o que acabou de ouvir.

       — Como assim? Como isso é possível?

       — Segundo Abigail, a senhorita Scott havia ouvido uma conversa comprometedora entre Erin e um homem, um tal de Tim Russell, a falar de negócios ilícitos, mas não forneceu muitos pormenores a respeito. No dia seguinte encontrou-a morta, e acabou por associar a autoria do crime a Erin.

       — Abigail pode ter razão, Erin pode ter morto a senhorita Scott para silenciá-la. — comentou Evangeline, porém logo a seguir pareceu ponderar. — Mas... seria ela capaz de cometer tamanha monstruosidade?

       O duque observava a esposa atentamente, porém a sua mente também era bombardeada pelas mais diversas conjeturas, nenhuma delas favorável a uma defesa para a madrasta.

       — A única coisa que me ocorre é que, muito provavelmente, subestimamos Erin mais do que deveríamos. Sabemos bem que caráter ela não possui, mas não sabemos quais são os seus limites. — contrapôs, e Evangeline concordou com ele.

       Naquele momento era primordial partirem para Devon, pois lá encontraria as respostas que tanto procurava. Mas primeiro iria notificar os amigos, pois certamente eles iriam querer acompanhá-los na empreitada.

       — Temos que partir para Devon ainda hoje. — determinou decidido, tentando levantar-se a seguir.

       Porém a esposa segurou-o pelo braço.

       — Calma, ainda é cedo para fazer-mos uma viagem tão longa.

       — Eu já me sinto relativamente melhor, e o próprio médico recomendou os ares do campo para a minha recuperação.

       Evangeline não podia negar a veracidade daquela afirmação. Ela mesma era testemunha de como Dorian melhorou a olhos vistos nos últimos dias, bem como sabia da recomendação do médico em passarem algum tempo numa propriedade no campo, mesmo com a temporada social à porta.

       Só esperava que o conteúdo da carta enviada por Abigail não fosse o rastilho para algo pior que estaria por vir. Mas sentia, bem lá no fundo, que era isso mesmo que ela significava, uma futura avalanche de problemas prestes a desabar.

       Evangeline ausentou-se por poucos minutos para solicitar aos criados para preparar as malas para a viagem, e durante esse tempo, Dorian levantou-se e dirigiu-se até à escrivaninha ainda com passos comedidos. Levou uma mão ao estômago assim que a dor começou a manifestar-se, porém não era tão forte como nos últimos dias, resumia-se a um leve desconforto que diminuía gradativamente.

       Preparava-se para pegar no papel para escrever a primeira carta, quando a porta se abriu e alguém entrou, fechando-a a seguir.

       — O que é que estás a fazer fora da cama? — manifestou-se Evangeline fitando as costas do marido.

       Este, por sua vez, sorriu divertido com a reclamação, voltando-se para ela lentamente.

       — Já ouvi essa questão em algum momento. — comentou calmo, recordando-se da altura em que Evangeline estava convalescente e lhe disse exatamente o mesmo.

       — E ela é legítima. Volta para a cama, já basta insistires para viajarmos hoje. Tens de descansar bastante, porque nos próximos dias não o farás como é devido.

       Ao invés de obedecer ao comando que lhe foi dado, limitou-se a sorrir para a esposa, observando-a aproximar-se.

       — Adoro ver-te assim, cuidadosa comigo. — não foi capaz de segurar a língua, acabando por exteriorizar o que lhe ia no pensamento.

       Em troca, recebeu um sorriso meigo da esposa.

       — Já diziam dois sábios, que são os meus pais, vale ressaltar, que quem ama cuida.

       Evangeline abraçou-o pela cintura, beijando-lhe o peito levemente.

       Dorian retribuiu o abraço, porém ficou intrigado com o suspiro trémulo que ela proferiu. Ergueu o rosto da esposa, fitando surpresa os olhos lacrimejantes que o fitaram de volta.

       — Fiquei com medo do que te poderia acontecer. — confessou Evangeline tocando-lhe no queixo. — Por pouco que não entrei em pânico, mas sabia que em nada ajudaria ceder a histerismos, por isso esforcei-me para manter o controlo, embora quisesse desabar. Eu recusava-me a sequer imaginar um futuro onde estivesses ausente, jamais permitiria que me deixasses. Tu nunca te irias livrar de mim, nem irás, é uma promessa e um aviso...

       Dorian calou-a com um beijo, obrigando-a a parar com aquele monólogo desenfreado. Sem se afastar, Evangeline suspirou aliviada, abraçando-o pelo pescoço. Como não poderia deixar de ser, a sua alma libertina fez com que as mãos deslizassem ao longo das costas da esposa, pousando no traseiro dela e apertando-o maliciosamente.

       — Não perdes uma oportunidade de colocares as mãos onde não deves. — reclamou Evangeline afastando o rosto ligeiramente, fitando o marido com um sorriso contido, mas matreiro.

       — Onde não devo? Que conversa é essa? — Dorian fingiu um ar indignado. — A partir do momento em que nos casamos, adquiri o direito total de por as mãos na minha esposa, seja em que parte for. Claro que não seria imbecil ao ponto de desperdiçar uma oportunidade tão propícia.

       A gargalhada que ela proferiu reverberou por todo o seu corpo, e se não fosse o facto de ainda estar em recuperação, iria imediatamente dizer olá à cama que parecia tentadoramente convidativa.

       — Adoro quando és assim. — revelou a duquesa olhando-o de forma amorosa.

       — Assim como?

       — Depravado, um libertino. Quantas mulheres poderão afirmar que têm um libertino só para elas?

       Agora foi Dorian que gargalhou, porém concordando com ela.

       — É como se costuma dizer: "é uma verdade universalmente conhecida, que os piores libertinos dão sempre os melhores maridos". — acrescentou Evangeline assim que a gargalhada do esposo cessou. — E é com nítido agrado que confirmo a veracidade de tal afirmação.

       Com um sorriso totalmente depravado, Dorian volta a beijar a esposa, tentando conformar-se com a ideia de que por enquanto seriam somente beijos as ousadias que ambos poderiam cometer.

💍💍💍

       A correspondência de Dorian, onde relatava com detalhes as recentes descobertas feitas através da missiva de Abigail Brown, não demorou a chegar aos respetivos remetentes, cujas moradas localizavam-se em Mayfair e nas ruas ali próximas. Devido a isso, como resposta o duque foi informado que os amigos o aguardariam nas carruagens à saída de Londres, logo na fronteira com o condado de Berkshire.

       Duas carruagens seguiam a carruagem ducal, uma com os criados pessoais dos duques e Grace e a outra com as bagagens. À saída de Londres avistaram as carruagens estacionadas, uma delas com o brasão dos Clermont, outra com o brasão dos McPherson e as restantes duas com as bagagens.

       A carruagem dos duques parou e Dorian saiu assim que avistou os amigos, dirigindo-se a eles logo em seguida, com Evangeline a sair também da carruagem e caminhando até às amigas com Portia logo atrás.

       Através dos amigos, Dorian soube que na carruagem de Christopher iam ele, Lucille, Phoebe e Blair, e com Benedict iriam Aleksei e James. Também foi esclarecido quanto ao facto de conseguirem trazer as irmãs, Christopher demonstrou a indiferença do pai quanto ao assunto, desde que Lucille se faça acompanhar dele e, nas palavras do conde "não faça nada que o envergonhe", e James confessou que mesmo com as desavenças dele com os pais, que mal falavam com ele, abriam uma exceção para permitir que Blair se faça acompanhar dele na capital quando os mesmos não podem comparecer lá. Devido a isso, tanto o conde Clermont como os marqueses Spencer não colocavam problemas com a permanecia das respetivas filhas em Londres na sua ausência, porém acompanhadas dos irmãos, sabendo onde elas estão. Porém, desta vez, eles não sabiam que estavam em plena viagem para longe da capital.

       — Não creio ser sensato da tua parte realizar uma viagem tão longa. É percetível no teu rosto que ainda não estás em condições. — reiterou Benedict fitando o duque. A afirmação do marquês era de comum acordo.

       — Evangeline disse-me exatamente o mesmo, e olhem onde estamos agora. — retrucou o duque sinalizando o ambiente à sua volta.

       Todos os outros encolheram os ombros, resignados. Se nem a própria duquesa foi capaz de o convencer a aguardar mais um ou dois dias, mais ninguém conseguiria fazê-lo.

       — Além do mais, quero resolver este assunto o mais rápido possível, só assim poderei descansar finalmente.

       — O barão Moore forneceu a morada da residência dele em Devon. Segundo o que ele relatou, quando saíram de Overdeen Hall ele regressou a Londres e ela foi para essa tal residência. — explicou Aleksei e Dorian assentiu. — Assim que chegarmos a Devon iremos distribuir tarefas, uns vão tentar entrar em casa de Erin para tentar descobrir algo comprometedor, outros vão tentar localizar esse tal Tim Russell ou algum associado. E tu, Dorian, vais descansar e ficar aos cuidados da tua linda esposa.

       O duque bufou aborrecido, sabendo bem que seria isso que teria de fazer. Não podia ser negligente com a sua própria saúde, especialmente depois de quase ter morrido envenenado.

       — Vamos fazer-nos à estrada, com sorte conseguimos poupar tempo de viagem se fizermos poucas paragens. — declarou James, e todos concordaram. Caminharam até às damas que conversavam numa pequena roda. — Miladys, hora de prosseguir caminho. Vamos.

       Não demorou muito até todos entrarem nas carruagens, colocando-se a caminho. Era primordial não se perder tempo desnecessariamente.

       Nada tirava da cabeça do duque a determinação em revelar a face oculta da sua madrasta, que começava a querer ver a luz do dia. Se de facto se confirmasse que Erin foi a responsável pela morte da senhorita Scott, então a situação acabará por agravar-se ainda mais, pois isso irá confirmar aquilo que a jovem criada ouviu, provando de facto que Erin tem algo ilícito a esconder.

       A sua mente era constantemente assaltada por estas divagações que lhe provocavam um tremendo desassossego, e nem a conversa amena que Evangeline e Portia mantinham o conseguia distrair e abstrair-se das suas conjeturas sombrias. Dorian sempre disse a si mesmo que Erin, ao ter-se sujeitado de bom grado ao cargo de amante do seu falecido pai, ainda na época em que era casada com o seu primeiro marido, não detinha um único pingo de moralidade ou decência no seu cerne, e deixou o seu julgamento por isso mesmo, mas agora... tudo estava a mudar lentamente, mostrando ao duque como subestimou aquela mulher.

       E sentia que iria descobrir coisas que certamente não o iriam agradar.

       A primeira paragem fez-se numa estalagem perto da saída do condado de Berkshire, já ao entardecer. Dorian manteve-se silencioso durante todo o caminho, assim como durante o tempo em que se instalaram no quarto solicitado na estalagem. Evangeline sabia que o seu silêncio devia-se à carta que recebeu da antiga governanta, que o deixou pensativo e com o semblante carregado, e optou por não o importunar, deixando-o com os próprios pensamentos. Trocaram de roupa bem à vontade um com o outro e com o ambiente íntimo que o ato proporcionava, e numa determinada altura Evangeline auxiliou-o a terminar de se trocar, pois ainda tinha dificuldade em curvar-se devido ao abdómen ainda sensível. O duque nada disse, limitou-se a observá-la em silêncio, agradecendo a ajuda com um olhar meigo e amoroso.

       Deitaram-se em mútuo silêncio, porém nem um pouco incomodados com a ausência de diálogo. Como era costume, Dorian abraçou o corpo da esposa assim que se deitaram, suspirando de modo relaxado ao sentir o seu conforto quando ela o aconchegou nos seus braços. Era aquela sensação de cuidado e acalento que lhe fornecia alegria e vontade de seguir em frente, de lutar para conquistar a felicidade que perdeu anos atrás. Evangeline e Grace mereciam o seu esforço.

       Suspirou novamente ao sentir a esposa beijar a sua testa.

       — Até amanhã, querido. — sussurrou Evangeline logo a seguir.

       Ergueu o olhar para o rosto da esposa, beijando-a lentamente.

       — Até amanhã. — respondeu de volta, aconchegando o rosto no peito dela.

       Mesmo com a paz que a presença da esposa proporcionava, não foi fácil deixar-se levar pelo sono, não quando o mesmo assunto martelava na sua cabeça sem piedade. Ficou a observar o teto do quarto envolto na escuridão da noite ouvindo a respiração baixa e suave da esposa, e não resistiu a observar o seu rosto adormecido e relaxado, sorrindo de modo involuntário e apaixonado. Moveu-se ligeiramente até aproximar o rosto do dela, ficando frente a frente, beijou a ponta do nariz de Evangeline encostando a sua testa na dela e abraçando-a, conseguindo finalmente cair nas brumas do sono.

💍💍💍

       Na manhã seguinte Dorian acordou ao sentir um carinho suave no rosto, seguido de um beijo na testa. Não precisou de abrir os olhos para reconhecer a pessoa que estava ao seu lado, pois aquele toque suave e aveludado era inconfundível. Lentamente abriu os olhos, ao mesmo tempo em que sorria, tendo a primeira imagem ofertada sido o rosto da esposa, com o cabelo sedutoramente despenteado e cara de quem acabou de acordar.

       — Temos de nos levantar, querido. — avisou beijando-lhe os lábios de leve, saindo da cama logo a seguir.

       A ausência da esposa no leito foi estímulo o suficiente para levantar-se logo a seguir a ela, vestindo-se com a rapidez que a sua condição ainda convalescente permitia. Em pouco tempo todos se reuniram no bar da estalagem, para tomarem o pequeno almoço e seguirem viagem.

       Uma hora depois todos entraram nas carruagens e partiram, e Dorian quase não cabia em si de ansiedade para colocar os pés em Overdeen Hall novamente e colocar tudo em pratos limpos. Esclarecer todas as dúvidas que estavam levantadas era primordial, assim como limar as arestas e eliminar as pontas soltas. Só assim poderia respirar descansado e garantir a segurança da sua esposa e da sua filha.

       Contava com, pelo menos, mais dois dias de viagem, o que para si era uma tortura, especialmente quando estava com os nervos à flor da pele.

       — Tem de tentar relaxar, milorde. — a voz de Portia ressoou na carruagem, atraindo o olhar do duque e da duquesa. — Essa inquietude não lhe irá fazer bem, sobretudo estando ainda em fase de recuperação.

       — Portia tem razão, querido. — Evangeline concordou, e o duque fitou-a. — Não é necessário esse nervosismo todo, já que assim que chegarmos a Devon irás descansar. E não adianta refilar, sei que gostas de o fazer mas desta vez não aceitarei reclamações.

       Dorian cruzou os braços e bufou, mas foi unicamente para tentar esconder o sorriso com a reclamação feita. Ele só refilava porque, na maioria das vezes, tirava certos benefícios disso. Mas, para além disso, sabia admitir quando outros estavam certos, embora nunca o fizesse em voz alta. Tudo uma questão de orgulho. Voltou a fitar Evangeline, que ainda não havia tirado os olhos de si.

       — Prometo portar-me bem, assim como seguir todas as recomendações da minha linda enfermeira como um bom menino. — provocou com um sorriso divertido, tendo Evangeline revirado os olhos, sem conseguir esconder o sorriso de canto.

       Portia abafou o riso com a mão, divertindo-se com o casal sentado à sua frente.

       Mesmo sendo conhecedora do tumulto que acometeu aquele matrimónio, Portia desejava, um dia, poder encontrar alguém que a complete e com quem possa viver um casamento como o de lorde e lady Devon. Um casamento feliz e fiel, onde possa constatar todos os dias que ao seu lado está a sua cara metade, a sua alma gémea. Alguém que a ame com todas as suas nuances, assim como lorde Devon ama a esposa como ela é, sendo que Evangeline mostra que ama e apoia o marido em tudo o que o envolva.

       Era uma ambição que a sua alma sonhadora alimentava, mas aquela que estava longe de ser uma prioridade no momento. 

⚜️⚜️⚜️

Faltam somente dois capítulos e o epílogo para o livro terminar. 😥😥

Digam-me o que acharam e não se esquecam de votar.

Boa leitura.

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