• Capítulo 35 - À mercê do desconhecido
Dorian acabou por desmaiar antes de os amigos pegarem nele e o levarem para o quarto, seguidos de perto pela duquesa que tremia em desespero. As amigas da duquesa ainda viram o duque ser carregado para o andar superior e correram atrás, permanecendo perto de Evangeline ao notarem o seu esforço excruciante para não chorar.
O duque foi depositado de imediato na cama, acordando naquele instante e puxando o ar com extrema dificuldade e nítido desespero, já envergando uma palidez cadavérica e os lábios extremamente ressecados, porém medonhamente sujos pelo sangue que lhe escorreu pela boca. Rapidamente as damas entraram no quarto e colocaram-se perto de Evangeline, que envergava uma palidez tão assustadora quanto a do esposo moribundo.
Portia decidiu fazer-se útil e aproximou-se da cama, onde os lordes se prostravam sem saberem o que fazer e tentando saber o que passava com o amigo. Ao notarem a aproximação dela, rapidamente afastaram-se e ficaram com os olhos pousados nela, como que aguardando que Portia fizesse algum milagre que o curasse.
Enquanto isso, Dorian tentava puxar o ar com nítido esforço, mantendo os olhos fechados e navegando entre a consciência e a inconsciência.
- Temos de livrá-lo do aperto da roupa, façam isso até ele ficar só com a camisa e os calções, mas levantem-no com o máximo cuidado. Eu vou abrir as janelas para deixar entrar o ar.
Rapidamente Christopher e Benedict ergueram o duque lentamente, enquanto James tirava-lhe o casaco e o colete, avançando para os sapatos, as culotes e os collans, ficando só com a camisa e os calções de linho, tal como Portia instruiu. A seguir cobriram-no até à cintura com o lençol.
- Meninas, uma de vocês vá procurar uma criada e peça-lhe para trazer uma vasilha de água e panos. Quanto mais fria a água estiver, melhor.
- Eu vou. - Lucille prontificou-se, saindo do quarto de imediato.
- Blair e Phoebe, levem Evangeline para o quarto ao lado. - solicitou ao ver o modo como a duquesa tremia.
- Nem pensar, não vou deixar Dorian aqui sozinho! - retrucou de imediato, com o olhar vidrado pelas lágrimas que se recusava a soltar focado na cama, visualizando o sofrimento do esposo.
- Ele não está sozinho, Evangeline. Além do mais, estás muito nervosa, precisas de descansar e de te afastares deste caos. Olha, vai ver Grace, está bem?
O olhar sofrido da duquesa fitou a médica, incerta quanto a seguir o conselho ou permanecer perto do marido.
- Vai, qualquer coisa que ocorra irá alguém informar-te.
Evangeline nada respondeu, limitou-se a fitar a cama mais uma vez, antes de ser levada para o quarto ao lado por Blair e Phoebe.
Portia aproximou-se da cama, colocando-se a analisar o rosto do duque e os sinais que podia captar no seu estado, que pudessem fazer com que descubra o que ele tem.
Porém os lábios muito secos, a palidez mórbida, o sangue a escorrer pela boca esporadicamente e a dificuldade em respirar, já davam uma grande pista do que se tratava.
Afastou as pálpebras de um dos olhos do duque e observou o olho dele, afastando-se e desatando os fios da camisa, de modo a deixar o peito livre de empecilhos.
- Faz alguma ideia do que ele possa ter? - perguntou Benedict com nítida preocupação.
Portia fitou os homens após proferir um pequeno suspiro.
- Posso não ter total certeza, mas acredito que o duque tenha sido envenenado.
- Envenenado?
A médica limitou-se a assentir.
- Os sintomas indicam isso mesmo, mas por enquanto não posso fazer muito pois só tenho os meus livros de medicina comigo, e isso não chega para tentar identificar o veneno e providenciar o antídoto.
- Aleksei foi buscar um médico, mas não sei quanto tempo irá demorar.
Portia assentiu. Pouco depois Lucille entra no quarto com algumas toalhas em mãos, seguida de uma criada que trazia a vasilha com água. Portia testou a temperatura do duque e viu que ardia em febre.
- Coloquem um pano húmido na testa dele para baixar a febre, e com outro vão espremendo água para a boca dele, para tentar hidratar os lábios. Eu já volto.
Rapidamente Portia sai em direção ao seu quarto, desfazendo o penteado pelo caminho. Entrou no aposento e fez um coque apressado, retirou a prega de Watteau e apressou-se a pegar nos livros pousados na escrivaninha. Correu de volta para o quarto, onde o duque de mostrava bastante agitado, murmurando algo incompreensível.
- O que ele está a dizer? - perguntou enquanto pousava os livros numa mesa perto da janela.
- Não temos bem a certeza, mas acreditamos estar a chamar pela esposa. - explicou lorde Clermont.
- Mas ele está consciente?
- Sim.
Portia assentiu, aquilo era bom sinal.
Pouco depois Aleksei entrou no quarto afogueado, e sozinho.
- Fui procurar o doutor Powel, mas ele não pode vir. Segundo o que soube, está uma mulher em trabalho de parto e ele foi dar assistência. - explicou o grão-duque. - Tem outros dois médicos na capital que estão igualmente ocupados.
Uma sucessão de murmúrios descontentes vibrou no quarto.
- Se ele ou o outro médico não pode vir, que seja. Temos de nos desenrascar sem eles. - decretou Portia caminhando até à cama
- Eu vou ver como está Evangeline. - informou Lucille saindo do quarto logo em seguida.
Assim que lady Clermont entrou no aposento da duquesa, constatou que o esforço de Evangeline em reter as lágrimas foi em vão. Já despojada do vestido e com uma chémise e penhoar vestidos, a duquesa chorava todo o seu desespero e medo pelo estado do marido, enquanto Phoebe e Blair tentavam acalmá-la.
Ela mantinha as mãos junto ao peito, sobre o coração, enquanto tentava cessar o fluxo das lágrimas.
- Tem calma Eva, ele vai ficar bem. - disse Blair ao acariciar o cabelo da duquesa.
Mas Evangeline ainda mantinha vívida na sua mente as expressões de desespero e agonia estampadas no rosto dele.
Tudo estava a correr perfeitamente bem, o dia começou de uma forma maravilhosa, desenrolou-se com harmonia e o baile estava a decorrer de forma magistral, até tudo descambar. Se Dorian não sobrevivesse... Deus, nem sabia o que iria fazer da sua vida dali para a frente, sozinha e com uma filha tão pequena nos braços.
A sua grande preocupação não era apenas eventualmente vir a criar Grace sozinha, era também o quão assustadora se mostrava a perspetiva de uma vida sem Dorian, sem a sua presença marcante, instinto protetor, assim como aquela depravação que tanto amava. Viver sem ele era fazer a própria Evangeline deixar de viver, passaria a sobreviver ao amanhecer de cada dia.
Era um sufoco demasiado desesperador para conseguir suportar, era uma completa agonia.
- Eu recuso-me a ficar sem ele, Blair. - proferiu Evangeline com a voz quebrada, porém determinada. - E eu juro que eu irei até ao inferno para descobrir quem fez isto ao meu marido.
- Não penses nisso agora. - Lucille aproximou-se da duquesa, que se encontrava próxima à janela. - Agora deves focar-te em Grace, Portia está a fazer o que pode para curar o duque.
Evangeline assentiu debilmente fechando os olhos com força, deixando mais lágrimas escaparem. Fez uma prece silenciosa para que alguma entidade divina salve o seu amor.
Quem poderia desejar tanto mal a Dorian, que levasse a uma atitude tão extrema quanto esta? Ele podia ter inimigos e ter cometido vários erros ao longo da sua vida, mas nem de longe merecia tal suplício pelo qual estaria a passar no quarto ao lado.
O pedido de ajuda que ele lhe fez ecoava na sua mente como um cântico macabro, tirava-lhe a paz e despertava os seus piores instintos e as mais nefastas previsões. Sentia uma dor no peito imensa, como se conseguisse sentir um pouco da dor que o esposo estaria a sentir, e aquilo deixava-a agoniada.
A porta do quarto abriu, e o choro de Grace logo lhe chegou aos ouvidos. Tilly aproximou-se rapidamente da duquesa e passou a bebé para os seus braços, saindo rapidamente sem a olhar nos olhos.
Aquela agitação da menina era incomum, Grace nunca havia chorado daquela forma escandalosa e agoniada, era uma bebé bastante calma inclusive.
- Oh, meu amor, porque estás a chorar assim tanto? - Evangeline embalava a filha tentando acalmá-la.
- Não será fome? - sugeriu Phoebe aproximando-se.
Evangeline fitou lady Hogan, voltando a focar o olhar na filha que continuava a berrar a plenos pulmões, com o rosto redondinho banhado em lágrimas.
- Talvez sim, mas ainda não está na hora de voltar a amamentá-la.
Lady Devon sentou-se numa poltrona perto da mesa redonda disposta em frente à janela, expôs o seio direito e aproximou Grace, que começou a sugá-lo com avidez.
- Pelos vistos ela é gulosa. - comentou Lucille com um pequeno sorriso, porém não foi retribuído pela duquesa.
Ela não tirou os olhos da filha nem por um minuto, porém com o pensamento presente no quarto ao lado, desejosa para se prostrar ao lado do marido e fazer tudo o que fosse possível para o ajudar. Porque ela não deixaria que Dorian morresse, muito menos que quem o tentou matar saísse impune.
Porém o sossego de Grace durou pouco, pois assim que acabou de mamar deu cinco minutos antes de começar a chorar novamente.
E aquilo deixou a duquesa ainda mais desesperada.
E o ambiente não era para menos.
No quarto, o clima de apreensão era constante. Dorian ardia em febre e antes de Portia se aproximar da cama, já havia desmaiado novamente. Aquilo deixava a médica inquieta, sobretudo porque só podia contar com os livros de medicina como ajuda.
- Acho que ele está a acordar de novo. - Portia ouviu Christopher pronunciar-se, e caminhou e imediato até ao leito.
Mas antes de chegar lá viu o duque virar-se e vomitar sangue, manchando o lençol de forma medonha. Aproximou-se rapidamente, trocando o pano húmido que ele tinha na testa por outro.
- Lorde Devon, olhe para mim. - ao invés de ter o pedido atendido, o duque continuou a ofegar com os olhos fechados. - Milorde, está a ouvir-me?
- Não será melhor deixá-lo descansar? - sugeriu Christopher.
- Seria o melhor, mas tenho de aproveitar enquanto ele está consciente para tentar entender o que ele está a sentir. Só assim poderei descobrir o tipo de veneno e o antídoto a administrar.
- Já tem a certeza de que de facto é envenenamento?
- Já não tenho qualquer dúvida.
Portia voltou-se novamente para o duque, que movia a cabeça lentamente.
- Milorde? Olhe para mim, por favor. - tentou insistir novamente, tentando a sorte desta vez.
O duque moveu a cabeça na sua direção, abrindo os olhos lentamente, para os voltar a fechar.
- Evangeline...
Todos se colocaram atentos.
- Evangeline... onde é... que ela está?
- Ela está no quarto ao lado, estava muito nervosa e pedi para ir descansar um pouco. - explicou Portia. - Preciso que me diga...
- Chamem-na... quero-a aqui... ao meu lado... tragam Evangeline até mim.
Portia fitou os lordes ali presentes e assentiu afirmativamente, e Aleksei foi até ao quarto ao lado chamar a duquesa. Enquanto isso, Dorian começou a agitar-se enquanto murmurava o nome da esposa, e vez ou outra o da filha.
Imediatamente a seguir Evangeline irrompeu no quarto, aproximando-se da cama hesitante, com medo nítido por aquilo que iria ver.
- O que se passa, Portia? - questionou com nervosismo.
- Ele está muito agitado e a chamar por ti, talvez o consigas acalmar.
- E já sabes o que ele tem?
Evangeline não tirava os olhos da cama, com as lágrimas a aflorar novamente.
Ouviu um suspiro vindo de Portia, antes de obter uma resposta.
- Foi envenenado.
O olhar da duquesa voltou-se para a médica com rapidez.
Não podia ter ouvido bem.
- Envenenado? Dorian foi... envenenado?
Evangeline tapou a boca com incredulidade, sentindo o corpo a começar a tremer com o crescente desespero. Sem perder mais tempo acercou-se do leito, e Dorian notou a sua aproximação, agitando-se novamente.
- Eva... - o murmúrio e a sua expressão facial eram desesperados, como se não a visse à uma eternidade.
- Estou aqui, meu querido. - respondeu no mesmo tom baixo, tocando-lhe no rosto, até ter a mão capturada pela dele e presa com firmeza. - Tens de ficar calmo, está bem?
Dorian tentou levantar-se, mas rapidamente foi impedido pela esposa e por Portia.
- Milorde, precisa dizer-me o que sente. Só assim o poderei ajudar.
Dorian fitou a médica e depois a esposa, como que a garantir que ela ainda está ali.
- Preciso de levantar-me... não consigo estar deitado. - balbuciou com dificuldade, focando somente na esposa.
A duquesa fitou Portia, a pedir uma opinião silenciosa.
- Muito bem, mas terás de te colocar atrás dele para o apoiar, Eva.
Evangeline assentiu, e ambas ajudaram o duque a erguer-se lentamente, mas ainda assim ele gemeu de dor. Lady Devon apressou-se a colocar-se atrás dele, encostando o marido ao seu peito e aconchegando-o delicadamente. Portia apontou a vasilha de água e os panos ali perto, e Evangeline logo compreendeu e apressou-se a humedecer-lhe a testa quente.
- Preciso que me diga o que está a sentir, Vossa Graça.
Dorian voltou a inspirar fundo com certa dificuldade, sentindo um arrepio deixá-lo com pele de galinha.
- Sinto a boca seca... - começou por dizer, respirando fundo novamente. - Vómitos, calor e frio ao mesmo tempo e... e a sensação de como se tivesse algo a queimar o meu estômago.
Portia não disse nada, limitou-se a assentir e caminhar até à escrivaninha, pegando num livro de capa castanha.
- Eva... - Evangeline ouviu-o sussurrar e pousar uma mão sobre a sua, que repousava sobre o seu abdómen de forma singela.
- Sim, amor?
Dorian voltou a ofegar.
- Como é que está Grace? Como é que está a nossa menina?
Evangeline travou a mandíbula para impedir que as lágrimas, que lhe embaciavam a vista, rolassem pelo seu rosto ao ouvir o marido falar da filha com tamanho carinho, especialmente no momento de sofrimento pelo qual passava.
- Está no quarto ao lado, estava bastante agitada, mas consegui acalmá-la. Deve estar a dormir agora.
Beijou o rosto dele levemente, e Dorian virou a cabeça em direção ao seu pescoço e aconchegou o rosto ali.
Enquanto isso, Portia folheava o caderno com pressa, e isso não passou despercebido a Christopher, Benedict, James e Aleksei, que se aproximaram dela, todos prostrados no canto oposto ao da cama.
- O que se passa? - perguntou Aleksei, tomando a dianteira.
Portia ergueu o indicador, pedindo um minuto, continuando a passar as páginas.
- Acho que encontrei. - pronunciou-se por fim.
- O quê? O veneno? - perguntou Christopher, com ansiedade presente na sua voz.
- Sim, ainda é só uma hipótese, pois precisava de fazer uns testes para tentar identificar os componentes do veneno, mas pelo que lorde Devon me disse em termos de sintomas, acredito ter uma hipótese mais viável.
- E qual é?
- Água tofana.
Uma interrogação era visível no rosto dos quatro homens que a fitavam.
- Água tofana é um género de veneno que não possui cor, cheiro ou sabor, assim como é impossível de detetar nos exames pós-morte. Nestas circunstâncias, o diagnóstico é morte derivada de causas naturais.
Evangeline ouvia a conversa, porém chamou a atenção de Portia, que recapitulou o que havia dito, antes de prosseguir.
- São precisas quatro doses para matar uma pessoa, por isso se esta tiver sido a primeira, se for administrado o antídoto ainda podemos salvá-lo. - Portia fitou o duque antes de prosseguir. - Porém com a intensidade dos sintomas, das duas uma: ou esta já é a segunda dose administrada, ou quem o envenenou abusou na dose para acelerar o processo.
Evangeline beijou o topo da cabeça do esposo, temendo pelo pior.
- Os sintomas são: vómitos, desidratação, sensação de queimação no estômago, diarreia e outros sintomas que se assemelham a uma gripe, daí o limiar entre sentir frio e calor, e a febre.
- E o antídoto? Sabes qual é? - perguntou Evangeline com a voz tremida pelo nervosismo.
Portia virou a página, antes de assentir afirmativamente.
- O antídoto é uma mistura de vinagre e sumo de limão. Se alguém me trouxer estes dois itens, poderei providenciar umas quantas doses imediatamente. Mesmo sem ter certeza de imediato, mal não irá fazer. Espero.
De repente Dorian inclinou-se para a frente, vomitando sangue mais uma vez. Evangeline amparou-o e aceitou a toalha que Portia lhe estendeu, limpando a boca dele quando ele se encostou nela novamente com os olhos fechados.
- Estranho. Nos sintomas, embora conste vómitos, não faz referência ao facto de vomitar sangue.
Evangeline humedecia os lábios do marido espremendo um pano húmido na direção da boca dele, ouvindo o que Portia dizia com atenção.
- Talvez isso seja influência do excesso de algum ingrediente. Talvez. - Portia dizia, parecia falar mais para si mesma, mas todos a ouviam atentamente.
- Sabe quais são os ingredientes? - questionou Benedict.
A médica assentiu.
- Arsénico, chumbo e beladona. Talvez quem possuía o veneno tenha aumentado a quantidade de um destes ingredientes, mas não posso dizer que assim foi. Mas acredito que isso não vá influenciar na ação do antídoto. Preciso que alguém solicite aos criados vinagre e sumo de limão. Mas que traga bastante, para poder providenciar várias doses.
James saiu do quarto para fazer isso mesmo, já Benedict, Aleksei e Christopher saíram em direção ao corredor para que ninguém os ouvisse.
- Temos de sondar os criados e cada convidado da festa. Quem envenenou Dorian estava presente no baile. - decretou Benedict com extrema seriedade, e os restantes assentiram.
- Começaremos já amanhã. Porém teremos de perguntar à duquesa como tudo começou, isso poderá ser um bom ponto de partida. - sugeriu lorde Clermont.
- Não poderemos tomar como suspeitos aqueles dos quais já desconfiávamos na sequência do acidente da duquesa?
A sugestão de Aleksei criou um momento de ponderação.
- Nenhum dos suspeitos estava presente no baile. Dorian comentou que Evangeline não convidou a baronesa de Westphalen, lorde Fallon, e mesmo Erin estando na capital, também não foi convidada.
- Mas a marquesa de Boneville estava. Lembram-se que ele também comentou que a duquesa a incluiu na lista de convidados porque decidiu dar-lhe o benefício da dúvida? - reiterou Christopher.
Os outros dois ficaram a olhar para ele, pensativos.
- Acreditas que foi ela?
Lorde Clermont encolheu os ombros.
- É uma hipótese, mas não vamos tornar-nos limitados. Vamos ver o que os criados sabem, e se alguém viu algo suspeito.
Ambos concordaram com o futuro conde, e quando lorde Spencer aproximou-se deles, foi colocado a par dos planos para o dia seguinte.
Essa era a principal prioridade no momento.
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Medo. Era somente isso que Evangeline sentia. Medo do que pudesse acontecer durante a noite, medo de Dorian não sobreviver até ao amanhecer.
A seu pedido Portia ficou no quarto da duquesa, era um modo de se sentir segura ao ter a médica no quarto logo ao lado caso algo acontecesse. O duque já havia acalmado face à agitação que o havia acometido, e dar-lhe a primeira dose do antídoto preparado por Portia não foi fácil. Claro que Evangeline compreendia a relutância do esposo em tomar aquilo após o primeiro gole, vinagre e limão certamente que seria uma péssima combinação de sabores.
Naquele instante, Evangeline entrou no quarto devagar pousando logo o olhar no leito, onde Dorian estava deitado de barriga para cima, com a respiração um pouco ruidosa como barulho de fundo. A febre pouco baixou, ainda transpirava devido ao calor que sentia, e vez ou outra estremecia em arrepios que lhe deixavam com pele de galinha.
Ele encontrava-se extremamente indefeso, à mercê do desconhecido e de qualquer perigo que o pudesse acometer, e por isso mesmo o seu instinto protetor aflorou. Cuidaria dele como ele cuidou quando ela se magoou, não como forma de agradecimento ou de lhe estar a dever, mas sim porque sempre ouviu dizer dos seus pais que quem ama cuida e protege. Evangeline amava Dorian com todas as suas forças, iria até ao inferno por ele assim como ele iria por si, e foi por isso que despiu o penhoar e marchou até à cama.
Dorian estava de olhos fechados e com o rosto virado para o lado oposto ao seu, estava coberto pelos cobertores até à cintura e com uma mão pousada no ventre. A duquesa afastou as cobertas e subiu para a cama devagar para não o acordar, deitando-se virada para ele e cobrindo-se, mas todo o seu esforço em ser cautelosa foi em vão. Como se sentisse a sua presença, Dorian abriu os olhos e virou a cabeça na sua direção, tentando erguer a mão para lhe tocar no rosto, mas poucas eram as forças de que ele dispunha. Tentou-se virar de lado, mas grunhiu em dor e levou a mão ao estômago. Portia avisou que devido ao veneno o estômago dele ficaria extremamente sensível e dorido, e teria que ter cuidado com a alimentação nos próximos tempos.
- Não te mexas. - instruiu com carinho e serenidade. - Não te esforces desnecessariamente.
- Quero-te mais perto. - disse Dorian com a voz fraca, ainda com a presença de pequenos ofegos.
Evangeline logo entendeu o seu pedido. Quando se sentia vulnerável, Dorian gostava de se aconchegar a si ou de a aconchegar entre os seus braços, dizia ele que assim sentia-se mais seguro e em paz. E ela sabia bem a necessidade dele sentir segurança e paz. Foi por isso mesmo que, cuidadosamente, aproximou-se dele e colou o corpo à lateral do dele, aproximou o rosto do dele e pousou uma mão no seu ventre bem de leve. Dorian procurou por mais contacto, aquele que a sua condição permitia, e encostou a testa na da esposa e segurou na mão dela, entrelaçando os dedos. O suspiro que ele proferiu a seguir foi relaxado e sereno, mas a noite não foi totalmente tranquila para nenhum dos dois.
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"A palidez no rosto da duquesa era assustadora, extremamente cadavérica. Dorian não saía do quarto nem sob intimação do pai, permanecia religiosamente prostrado ao lado do leito onde a mãe estava deitada, a definhar há vários dias. O médico diagnosticou o caso como tuberculose, e afirmou com veemência que não havia nada que pudesse fazer por ela.
Dorian não sentia mais nada a não ser desespero. Ver a mãe morrer era perder gradativamente tudo o que dava sentido à sua vida. Tudo o que aprendeu relativamente ao que é correto, moralmente aceitável, os atos de bondade, sensatez e justiça partiram daquela mulher. Da mulher que sofreu as mais diversas humilhações públicas, mas que passou por cima de todas elas com a altivez da duquesa que era. Sentia o mais feroz orgulho dela, e perdê-la era algo tão irreal no passado, mas um presente dolorosamente real.
- Porquê que estás a chorar, meu querido? - a voz fraca, porém melodiosa, de lady Liz ressoou no ambiente.
Dorian não deu conta que chorava até àquele momento.
- Não quero ver uma única lágrima no teu rosto, filho. Não quero ver-te a chorar, já te expliquei inúmeras vezes que tudo isto faz parte do ciclo da vida, todos nós iremos morrer um dia e pelos mais diversos motivos.
Dorian secou as lágrimas, sem tirar os olhos da mãe. Inspirou fundo procurando controlar as emoções, e recebeu um sorriso da mãe em retorno.
- A vida é composta por três fases: nascer, viver e morrer. Não possuímos o poder de as controlar nem de definir quantos anos vivemos, só nos cabe aceitar quando a nossa hora final chega.
- Sabe perfeitamente o que eu penso disso. - retrucou Dorian segurando na mão da duquesa entre as suas.
- Sei que não te agrada falar sobre a morte, muito menos agora que ela se aproxima de mim cada vez mais, mas tens de compreender e conformar-te com a realidade. O conformismo ajuda a amortecer a dor da perda.
Invejava a serenidade da mãe num momento como aquele, e sentia cada vez mais raiva do pai por não ter vindo ver a própria esposa uma única vez desde que ela ficou doente. Era impressionante como nem na hora da morte ela conseguia despertar o mínimo de respeito do duque. Claro que do pai não esperava grande coisa, muito menos uma atitude de compaixão para com a mulher que tanto fez sofrer com infidelidades e faltas de respeito em público. E não se admirava nada da falta de apoio dele para consigo, já que o duque nunca demonstrou o mínimo de carinho pelo filho ao longo dos seus vinte e um anos de vida. Dorian chegou a um ponto em que tornou-se indiferente a essa carência.
- Lembra-te de tudo o que te ensinei nos últimos anos, lembra-te de tudo o que vivemos só os dois em Overdeen Hall. Éramos felizes naquela época, não éramos?
Dorian meneou a cabeça em afirmação.
- Sim, éramos só os dois.
Liz sorriu e apertou a mão do filho. Aos poucos foi afrouxando o aperto, o corpo começou a relaxar cada vez mais e os olhos a pesar.
Dorian sentiu essa mudança e ficou tenso, porém relaxou quando os olhos castanhos da mãe, cuja cor havia herdado dela, focaram em si com serenidade.
- Nem imaginas o orgulho que tenho de ti, meu amor. - fez uma pausa e respirou fundo, fechando os olhos no processo. - O meu menino de ouro.
E aquelas foram as últimas palavras da duquesa. Uma demonstração de carinho da parte dela, porém para Dorian foi como uma bomba que destruiu cada resquício da sua alma. Os seus gritos a chamar pela mãe ecoavam nos corredores de Chatsworth House, mas de nada valeu, por muito insistente e desesperado que fosse, de nada serviu.
A sua mãe estava morta, e naquele momento Dorian sentiu-se igual. Morto por dentro. "
Dorian acordou num rompante, puxando o ar com força e com nítido desespero, olhando em volta enquanto murmurava o nome da mãe, a chamar por ela de modo inconsciente.
As imagens surgiram na sua mente como uma sequência aterrorizante: o dia do funeral, os primeiros dias de luto, a perceção da ausência da pessoa mais importante da sua vida. Tudo isto, provocado pela sua mente febril, contribuiu para o aumento gradual da sua tormenta, fazendo com que lágrimas de desespero corressem pelo seu rosto quente.
Sentia um sufoco insuportável atingi-lo fazendo-o agitar-se, porém logo a seguir sente duas mãos delicadas tocarem no seu rosto e beijarem a sua testa, fazendo-o acalmar aos poucos. Lábios macios beijavam todo o seu rosto com calma e paciência, esvaindo todo o desespero e espalhando aos poucos uma prazerosa sensação de paz e calmaria. Ele manteve os olhos fechados durante todo esse processo, mas quando os beijos cessaram imediatamente os abriu, focando no rosto preocupado de Evangeline. Somente ela é que possuía lábios tão macios e mãos tão gentis, somente ela era o calmante que cessava a sua tormenta, por isso é que ela era a razão da sua existência.
Ela afastou-se e Dorian não gostou disso, e foi por esse motivo que segurou na sua mão com firmeza, fazendo com que ela se voltasse para si, aproximando-se de novo.
- Está tudo bem agora, foi só um pesadelo. - disse Evangeline beijando-lhe a testa novamente.
Voltou a afastar-se, voltando-se para a vasilha com água em cima da sua mesinha de cabeceira e humedecendo um pano para lhe colocar na testa. Fazia um esforço hercúleo para não demonstrar todo o medo que sentiu ao ver o desespero no rosto do marido, bem como chamava pela mãe na sua mais absoluta inconsciência, o que a levou à conclusão que era com ela que Dorian sonhava.
Aproximou-se e colocou o pano na testa dele, acariciando o seu queixo levemente. Dorian suspirou com o carinho, levando a duquesa a perceber o que precisava de fazer para o acalmar.
- Sonhei com ela. - disse Dorian com a voz pouco mais elevada do que um sussurro. - Com o dia em que ela morreu.
Evangeline assentiu em silêncio, humedecendo-lhe o rosto. Podia pedir-lhe para não dizer nada que não quisesse revelar, ou até a atormentar-se mais com o assunto ao estar a referi-lo, mas não o fez. Sabia que se ele quisesse falar, iria fazê-lo porque achava necessário partilhar com alguém, pois só assim conseguiria obter algum alívio ao invés de estar a guardar tudo só para ele e aumentar o seu desassossego.
- Lembrei-me de ela dizer que o conformismo amortece a dor da perda. Será verdade? Porque eu tentei e não consegui, nunca fui capaz de conformar-me com a sua morte até hoje.
Evangeline retirou a toalha do rosto dele e fitou-o atentamente, sendo observada de volta.
- Lady Liz eram uma mulher sábia e inteligente, nunca diria nada se não tivesse a mínima certeza de que de facto era verdade. - respondeu com sinceridade.
Os olhos de Dorian marejaram por culpa das memórias.
- Não, não chores. - advertiu limpando uma lágrima teimosa que escorreu. - Não a recordes com tristeza, ela não iria querer isso.
Ele assentiu em concordância. Evangeline pousou o pano e aconchegou-o, colocando-se ao lado dele logo a seguir, o mais próxima possível como era o desejo dele.
Porém ambos passaram alguns momentos da noite acordados, cada um perdido nos próprios pensamentos, embalados pelo silêncio da madrugada.
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No dia seguinte, o final abrupto do baile de aniversário do duque de Devonshire era o assunto mais comentado da capital. As mais diversas especulações proliferavam na atmosfera citadina, mas nenhuma conclusão clara surgiu.
Naquela manhã, lorde Darlington e lorde Spencer dirigiram-se a Devon House para falar com a duquesa e saber do estado do amigo, porém uma cena na rua logo em frente à mansão chamou a atenção de ambos. Um homem e uma mulher conversavam, algo aparentemente normal, isto se os gestos nervosos e apressados da mulher e os olhares furtivos de ambos em volta não despertassem alguma suspeita. Benedict e James mantiveram-se fora da vista de ambos, e quando a mulher se virou para ir embora, ambos logo a reconheceram.
- Aquela não é a ama de Grace? - inquiriu Benedict com o olhar cravado na mulher.
- Pelo que me lembro, é sim. - concordou lorde Spencer.
Antes de se encaminharem para a mansão, uma carruagem parou logo em frente, e os dois lordes viram os condes Borton sair do veículo.
Com isso aproximaram-se dos dois, que pararam assim que os viram a aproximar-se.
- Bom dia, milorde, milady.
- Bom dia, milordes. - cumprimentaram os condes. - Viemos aqui saber o que se passou ontem para o baile ter terminado daquele modo abrupto, e acredito que o motivo não foi agradável.
Benedict e James entreolharam-se.
- De facto não foi, mas não vamos falar disso aqui na rua, alguém pode ouvir o que não deve.
Os quatro entraram e foram rececionados pelo mordomo, e encaminhados para a sala de estar. Quando tiveram a certeza que estavam sozinhos, apressaram-se a esclarecer os condes.
- O que vamos contar tem que permanecer no máximo secretismo, não é conveniente ter os jornais a sondar nesta altura pouco propícia.
Lorde e lady Borton assentiram em silêncio.
- Lorde Devon foi envenenado.
- Meu bom Jesus! - exclamou a condessa atordoada. - E como é que ele está?
- Ontem, como seria de esperar, estava péssimo. Por sorte a senhorita Portia Wood, aquela que realizou o parto da duquesa, estava cá e cuidou do duque. Os médicos estavam indisponíveis quando mais eram necessários. - explicou lorde Spencer. - Porém esperamos que ele esteja a recuperar.
- Meu Deus. Como é que uma coisa destas foi acontecer debaixo dos narizes de todos? - inquiriu o conde reflexivo.
Aí estava o cerne da questão.
- Isso não sabemos, e foi essa a razão de virmos cá hoje, esperamos que a duquesa nos possa ajudar a criar um ponto de partida. - explicou Benedict.
- Nem imagino como possa estar Evangeline... - lamentou lady Lora, com o seu coração de mãe apertado ao imaginar como estaria a filha.
O mordomo foi avisar a duquesa das visitas, obrigando-a a sair de perto de Dorian, deixando-o aos cuidados de Portia. Com a ajuda de Maisie, colocou um vestido verde simples e prendeu o cabelo numa trança caída no ombro. Um penteado impróprio para receber visitas, porém o ânimo da duquesa não estava voltado para a vaidade.
Ao chegar à sala de estar, o seu ar abatido e mal dormido foi logo captado pelos presentes.
- Bom dia. - cumprimentou com pouco ânimo.
- Bom dia. - responderam em uníssono, porém Benedict tomou a dianteira. - Como é que Dorian está?
Evangeline deu um pequeno suspiro.
- Teve uma noite bastante agitada, neste momento está aos cuidados da senhorita Wood. Podem subir se quiserem vê-lo.
Ambos assentiram.
- Gostaríamos de falar consigo mais tarde, sobre ontem. - informou James com suavidade.
- Certo.
Despediram-se e dirigiram-se ao andar superior, deixando a duquesa e os pais para trás.
Lora aproximou-se da filha, e ao ver os seus olhos marejados, rapidamente a abraçou. Evangeline permitiu-se libertar o choro que teimosamente segurava desde que se permitiu a um momento de fraqueza nos aposentos da duquesa, antes de enfrentar o caos. Durante o pranto não só sentiu a mão da mãe acariciar as suas costas, como sentiu o pai afagar o seu cabelo.
Como era bom tê-los aqui neste momento.
Assim que foi acalmando afastou-se dos braços da mãe, que secou as suas lágrimas com um olhar meigo.
- Mais calma?
Evangeline assentiu em silêncio.
Os três sentaram-se no sofá, com ela no meio dos pais, cada um a segurar nas suas mãos.
- Lorde Darlington e lorde Spencer já nos contaram o que se passou. - começou o conde, atraindo o olhar da filha. - Também disseram que o estado do duque é grave.
A duquesa engoliu em seco, não apreciando recordar a noite passada.
- Foi terrível. Eu senti como se ele fosse morrer nos meus braços. - murmurou tremulamente. - A noite foi bastante agitada, ele até sonhou com a mãe, com o dia em que ela morreu.
- Isso ainda o atormenta, presumo. - manifestou-se Lora.
Evangeline concordou.
- Eu consegui acalmá-lo, mas não fui capaz de dormir descansada, e sei que ele também não dormiu quase nada, o que é de se esperar.
- Vamos subir? Eu quero ir ver o meu genro. - Lora levantou-se seguida do marido e da filha.
- Sim, ainda vamos chamar um médico para o observar. Sugestão de Portia.
Os condes assentiram e seguiram a duquesa até ao quarto.
Pouco depois o médico veio ver o marido, e nem mesmo as suas palavras animadoras conseguiram findar a sua apreensão, sobretudo quando se mantinha a sensação constante de que algo sombrio estava por vir.
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Olhem só eu aqui de novo! 🎉🎉
Como sou uma pessoa muito meiga e bondosa, desta vez não vos deixei dois milénios à espera do novo capítulo.
Não se esqueçam de votar e de dizerem o que acharam.
Bjs e boa leitura.
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