• Capítulo 34 - O baile
A sala de estar de Devon House tornou-se um autêntico depósito de embrulhos das mais diversas cores e tamanhos. O aniversário do duque tornou-se o acontecimento do momento e a aristocracia em peso enviava diversos presentes, fazendo o homem entrar em desespero com tantos embrulhos.
A duquesa entrou na sala e olhou para aquele amontoado de caixas com ar de espanto, dando de caras com o marido a fitar aquilo com as mãos na cintura.
— Ena! Tantos embrulhos, meu Deus.
Dorian voltou-se para ela com ar cansado.
— O que é que eu vou fazer com tudo isto, meu Deus do céu?
— O que qualquer pessoa faria com um presente de aniversário, guardar e agradecer.
— Então logo à noite não irei fazer mais nada a não ser agradecer a todos os que estiverem presentes. — resmungou o duque, e Evangeline escondeu um sorriso divertido.
Aproximou-se da pilha de embrulhos, sobre o olhar atento do marido. Olhou para um embrulho com um papel verde horrível, pegando nele e caminhando até ao duque.
— Que tal começares por abrir os presentes? — sugeriu estendendo o embrulho na sua direção.
Dorian pegou o embrulho com o nariz torcido, olhando para ele desconfiado.
— Se o que estiver aqui dentro for tão bom como o papel que o embrulha, prefiro passar para o próximo.
Evangeline riu, pegando no papel preso ao laço que certamente foi feito por alguém desajeitado.
— Este foi oferecido pelos barões Williams de Leeds. — leu o nome, fitando o esposo logo em seguida.
Dorian lançou mais um olhar desconfiado ao embrulho antes de começar a rasgar o papel. Abriu a caixa e soltou uma imprecação junto com um grito, atirando a caixa para longe.
Evangeline assustou-se com a reação do marido, olhando para ele que tinha os olhos esbugalhados voltados para a caixa no chão, caminhando até ela para ver o que continha.
Mais valia ter ficado quieta.
— Virgem Santíssima! — exclamou largando a caixa como se esta a tivesse queimado, baixando-se para olhar o conteúdo de modo receoso. — Isto é um pássaro empalhado?
Dorian aproximou-se com cautela, baixando-se ao lado da esposa.
— Aquilo é um alfinete? — questionou apontando para um arame preso nas patas do pássaro morto.
— Tem aqui um papel. — Evangeline aproximou a mão da caixa, recuando duas vezes a medo, pegando na pequena nota lá colocada. — "Um alfinete excêntrico para Vossa Graça poder usar no seu tricórnio." Valha-me Deus nosso senhor, Jesus Cristo e todos os santos do paraíso!
Aquilo só podia ser obra da baronesa, ela era conhecida por usar animais empalhados em chapéus e outros acessórios. Ela achava aquilo bonito, e acreditava que era uma opinião geral e unânime. Não era.
— Tem aqui mais alguma coisa. — disse Evangeline olhando para a caixa. — Creio que são botões de punho.
— Botões de punho? E são de quê, olhos de rato ou de lagartixa? — zombou Dorian, mas com medo de que fosse mesmo como ele acabou de dizer.
— Credo, homem! Não digas essas coisas! — após repreendê-lo, a duquesa pegou num botão de punho, claro que com todo o cuidado. — Vês? Nada de olhos de ratazana ou qualquer outro bicho.
— Pois, mas estavam ao lado do pássaro, não confio. — retorquiu Dorian afastando-se.
— Então escolhe outro embrulho para abrir.
Nesta altura, o duque amaldiçoava-se por não ter os seus Rotweillers ali consigo, assim colocava-os a farejar as caixas para garantir que era seguro. Não queria ser surpreendido por um animal morto, novamente.
Aos poucos a pilha de embrulhos foi diminuindo, surgindo outra logo ao lado com os mais diversos itens. Livros, mais botões de punho, um canivete, até uma arma lhe ofereceram.
Realmente a aristocracia era excêntrica.
Muito tempo depois, muito mesmo, Dorian deixou-se cair no sofá com um suspiro cansado, nitidamente farto daquilo.
— Para a próxima, vou demandar a um dos criados que abra os presentes por mim.
Evangeline aproximou-se e sentou-se ao seu lado.
— Para de refilar, se fosse outra pessoa a abrir os presentes por ti não seria divertido. — retrucou, porém Dorian descartou a sua repreensão com descrença.
— Sim, pois, porque abrir um embrulho com um pássaro morto dentro é de uma diversão tremenda.
Lady Devon revirou os olhos, ignorando as reclamações do esposo. Abraçou-o pelos ombros e beijou-lhe o rosto, fazendo um sorriso surgir na sua face anteriormente sisuda.
Aquele momento de intimidade deixou-os alheios ao tempo a passar, tanto é que quando deram por si, a hora do baile estava próxima.
Para aquela noite Evangeline escolheu um vestido dourado com diamantes costurados em forma de arabescos. O cabelo foi preso num penteado baixo e cacheado, com uma mexa cacheada caía no ombro direito, no pescoço usava uma gargantilha composta por um diamante preso com uma tira de seda dourada. Os brincos e os anéis foram um presente de Dorian, que ela fez questão de usar naquela noite.
Já Dorian optou por uma vestimenta com culotes, colete e casaco prateados, com arabescos bordados em fio de ouro por toda a extensão da abertura e na parte de trás do casaco. A camisa era branca, assim como os collans e o lenço preso ao pescoço, terminando o conjunto com sapatos pretos e ausência de peruca. Algo que ele detestava. Os únicos acessórios que ele usava eram anéis, incluindo a aliança de casamento, algo que, por mais singelo que seja, causou falatório por ser uma raridade no meio masculino envergar uma aliança de casamento.
Evangeline decidiu que o baile de aniversário do duque seria o momento ideal para apresentar Portia como a sua pupila, e como seria de esperar, ela estava nervosa. Estavam nos aposentos da duquesa, onde uma criada penteava o cabelo da jovem médica, enquanto a duquesa tentava acalmar Portia, que decidiu criar uma lista repleta de situações hipotéticas que podiam acontecer, ou não.
— Posso pisar o pé do meu par, posso tropeçar e cair em frente aos convidados, posso dizer algo que não devo...
— Portia, acalma-te. — aproximou-se do toucador, tocando no ombro dela. — Vai correr tudo bem. Eu vou estar ao teu lado, Blair, Phoebe e Lucille também, até o meu marido e os amigos irão dar apoio. Nada vai correr mal esta noite.
Ela olhou para a duquesa através do espelho, demonstrando o seu nervosismo através do brilho receoso presente nos olhos azuis.
— Não me irei sentir bem lá, com todos aqueles aristocratas a olhar para mim e a julgar-me pelas minhas origens, pois tal irá ser percetível, mesmo que nos últimos dias tenha recebido aulas de dança e etiqueta.
— Ignora esses receios. E mesmo que te julguem, nunca ouviste dizer que basta um olhar de um duque ou de uma duquesa para arruinar uma pessoa. O meu olhar é apuradíssimo.
Portia riu e a duquesa acompanhou-a, e aquilo permitiu que a médica relaxasse. Pouco depois a criada informou que o penteado estava pronto, e Evangeline puxou-a pelas mãos para que se levantasse, analisando a indumentária.
O vestido rosa claro caía-lhe perfeitamente, combinando com as maças do rosto rosadas e a cor do cabelo. Usava poucas joias, apenas um colar com um pequeno pingente que lhe ofereceu, sendo uma escolha da mesma apresentar-se com simplicidade.
— Estás maravilhosa, minha querida.
Portia sorriu com timidez, murmurando um agradecimento.
— Vamos?
Portia assentiu e, de braço dado com a duquesa, saíram do quarto em direção à sala de estar, onde o duque estava acompanhado de Christopher, James, Blair e Lucille. Estas, por sua vez, aproximaram-se das duas assim que entraram.
— Estás linda, Portia! — elogiou Blair, cumprimentando-a com um abraço, quebrando várias regras de etiqueta.
Claro que ela sabia disso, mas não se importou minimamente.
— Blair tem razão, pareces uma autêntica princesa. — Lucille aproximou-se e segurou nas mãos de Portia, observando-a com um sorriso.
— Obrigada, meninas. Mas nem esses elogios destroem o meu nervosismo. Tenho medo de fazer uma asneira qualquer.
— Já falamos sobre isso, nada vai correr mal.
— Evangeline tem razão. Além do mais, se cometeres algum erro, nós fazemos o mesmo para não ficares sozinha na vergonha. — sugeriu Blair, e Lucille concordou, o que era de admirar. Lucille era conhecida como a personificação da dama perfeita, nunca cometeu um erro, isto derivado da sua rígida educação exigida pelo seu pai, o conde Clermont.
— A amizade tem destas coisas, não é? Juntas na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, assim como no recato e na vergonha pública. — pontuou Evangeline, provocando uma risada discreta nos lordes ali presentes e nas amigas.
Quem ouvisse aquilo sem as conhecer levaria aquilo na brincadeira, ou como uma forma de tentar fazer Portia relaxar, mas não era bem assim. Elas, mais Evangeline e Blair, eram capazes de cometer uma gafe se vissem uma amiga numa situação constrangedora, só para aliviar o escrutínio sobre ela.
Só que isto era um pormenor que ninguém sabia.
Pouco depois Phoebe chegou acompanhada da sua dama de companhia, que se encaminhou à ala dos criados logo em seguida. Phoebe Hogan era alvo de falatório na Ton por viver sozinha num apartamento de luxo à saída de Mayfair, apartamento mantido com o seu próprio dinheiro, uma pequena fortuna pessoal adquirida ao longo dos últimos dois anos com o seu sucesso como violinista. O seu talento era inigualável e rapidamente destacou-se no meio musical, angariando uma fortuna que a permitia manter uma vida confortável e com luxos, como se fosse aristocrata. Era bastante reservada quanto à sua vida pessoal, pouco falava sobre como era a sua vida quando vivia na Irlanda, porém somente as amigas conheciam a sua história, assim como os motivos para não querer falar nela.
— Boa noite, minhas queridas, milordes. — disse fazendo uma pequena reverencia, sendo retribuída. — Estava a chegar aqui quando ouvi falar em vergonha pública, quem foi desta vez?
As amigas deram sorrisos divertidos, acolhendo a violinista na roda.
— Portia está nervosa para esta noite, teme cometer algum erro. Por isso fizemos um acordo: se ela cometer alguma gafe, iremos todas fazer o mesmo, assim passaremos pela vergonha todas juntas. — explicou Blair calmamente.
— Uh! Gostei da ideia, podem contar comigo.
— Já esperávamos por isso. — comentou Evangeline com diversão.
— Não estavam à espera que fosse ficar fora disto, não é?
— De modo algum. — responderam Lucille, Blair e Evangeline ao mesmo tempo.
— Que bom que estamos esclarecidas. — reiterou Phoebe com fingida seriedade.
Logo a seguir foi anunciada a chegada de Benedict e Aleksei, que se dirigiram para perto de Dorian, Christopher e James após cumprimentar as damas.
— Estão a assistir à conferência das damas? — comentou Aleksei assim que se aproximaram dos amigos.
— E está a ser divertido. — opinou James, falando baixo para não serem ouvidos pelas damas.
— A senhorita Wood está nervosa com o baile. — explicou Dorian para os recém chegados. — Tem receio de cometer alguma indiscrição, o que é legítimo já que é a primeira vez que vai frequentar um baile da aristocracia.
— Se uma jovem com anos de preparação fica nervosa, então imaginem alguém que nunca teve a educação de um aristocrata. — opinou Christopher, e os amigos concordaram.
— Milordes. — a voz melodiosa da duquesa atraiu o olhar dos lordes, vendo as mulheres aproximarem-se. — Já que vocês se denominam cavalheiros, espero eu que sim, temos uma sugestão para vos propor.
— Somos todos ouvidos, bela Evangeline. — gracejou Aleksei, e Dorian nem se deu ao trabalho de o ameaçar, hoje estava na paz.
— Após bastante deliberação aqui no meu conselho pessoal, pensamos ser bom para aliviar o nervosismo de Portia se esta noite, salvo uma ou duas exceções, deixássemos as danças delas reservadas somente para vocês os cinco. Mesmo que não seja muito próxima de vós, não são propriamente desconhecidos para ela.
— É uma boa ideia. — opinou James após ponderar.
— Concordo. — manifestou-se Dorian.
— Idem. — replicou Benedict, assentindo afirmativamente.
Christopher e Aleksei também concordaram, e em seguida trataram de definir quem seria o primeiro par de Portia naquela noite. Decidiram também que os pares das restantes damas iriam cingir-se entre todos nas primeiras danças, e no final ficou da seguinte forma: Dorian e Evangeline, Christopher e Portia, Benedict e Blair, James e Lucille e Aleksei com Phoebe. A partir daí os homens iriam alternar entre si com Portia, enquanto as damas executariam as danças com os pares que assinassem o seu nome no cartão de dança.
Depois de todo o plano estar devidamente definido, todos dirigiram-se para o salão de festas, e pouco depois os convidados foram chegando, enchendo aos poucos o salão. Dorian e Evangeline rececionavam os convidados com simpatia e polidez, alguns com mais fingimento tamanho o modo insípido com que os cumprimentavam.
Ambos relaxaram a postura hirta e aristocrática quando os condes Borton aproximaram-se deles, com os irmãos da duquesa logo atrás, desejando feliz aniversário ao duque. Porém aquela sensação de relaxamento durou pouco, pois imediatamente a seguir surgiram os barões de Leeds. A imagem do pássaro macabro rapidamente apareceu na mente dos dois.
— Boa noite, milorde, milady. — cumprimentou o barão, e o seu bigode farfalhudo mexeu-se de tal forma, que Evangeline temia que virasse um esquilo e saltasse diretamente para a sua cara.
— Boa noite, lorde e lady Leeds. — cumprimentaram com uma mesura, tentando disfarçar o desconforto ao ver a estola de pelos que a baronesa usava, que eram nitidamente o pelo de um pobre guaxinim. Esta ainda mantinha a forma da cabeça e das patas do bicho.
— Um feliz aniversário para si, Vossa Graça. — desejou a baronesa, com um tom de voz nasalado proveniente do nariz que lembrava o bico de um papagaio. Dorian agradeceu educadamente. — Espero que tenha recebido o nosso presente de aniversário.
O duque e a duquesa miraram-se pelo canto do olho, nitidamente a recordar o tenebroso pássaro.
— Evidentemente que sim, milady. E agradeço o presente.
Os barões sorriram satisfeitos.
— Que bom que gostou, milorde.
Dorian não disse aquilo em nenhum momento.
Limitou-se a forçar um sorriso cordial, deixando-os pensar que gostou daquela aberração. Iria mandar exorcizar a sala mais tarde.
Depois deles se afastarem, Dorian e Evangeline entreolharam-se e suspiraram aliviados do modo mais discreto que conseguiam. Apressaram-se a recompor-se quando mais um casal entrou.
Muito tempo depois, ambos já livres daquela tarefa, começaram a circular pelo salão, indo encontrar Portia acompanhada de Lucille e Christopher, tendo Phoebe aparecido no mesmo momento.
— Então, Portia, o nervosismo ainda persiste? — questionou Evangeline aproximando-se do grupo.
A cara dela já respondia à questão.
— Nem me digas nada. — suspirou nitidamente tensa. — Sinto como se me quisessem comer viva. Se o olhar matasse, já estava morta.
Todos sorriram divertidos com a afirmação de Portia, porém não a censuraram.
— Anda, vamos circular para te poder apresentar a alguns conhecidos. — determinou Evangeline, entrelaçando o braço no dela, e Phoebe decidiu acompanhá-las.
Dorian e Christopher observaram o trio de damas afastar-se, cada um com um copo na mão.
— A senhorita Wood é uma jovem bastante agradável, não é? — inquiriu Dorian introduzindo o assunto.
Christopher não desviou o olhar do trio, que mesmo distante ainda permanecia no seu campo de visão.
— Muitíssimo agradável.
Dorian disfarçou o sorriso matreiro, notando o tom de voz apreciativo que lorde Clermont proferiu.
— A sinceridade dela é cativante, a maneira singela como vê a vida não deixa ninguém indiferente.
O duque rapidamente captou o interesse do futuro conde após ouvi-lo.
— E tu próprio foste cativado por ela, não ficaste minimamente indiferente. — alfinetou lorde Devon, fitando Christopher.
Porém ele não notou o tom provocador, e por isso, não forneceu uma resposta.
Limitou-se a segui-la com o olhar.
Portia circulava pelo salão na companhia da duquesa e de lady Hogan, e até ao momento portou-se como uma verdadeira dama da Ton. Nenhum erro foi cometido e havia encantado algumas damas, enquanto outras a olharam com o nariz torcido, tal como faziam com todas as pessoas, envergando uma constante expressão de desagrado. Os homens olhavam-na com nítido interesse, algo que Evangeline já havia alertado quanto há possibilidade de isso ocorrer, já que a sua aparência iria atrair a atenção dos homens, do mais polido ao mais libertino.
No cartão de dança de Portia, até então constavam os nomes de lorde Devon, lorde Clermont, lorde McPherson, lorde Spencer e de lorde Petrovsky, e ainda angariou mais dois nomes.
A hora da primeira dança aproximava-se, e com isso o trio aproximou-se do local onde o duque e lorde Clermont ficaram encontrando-os na companhia do grão-duque, de lorde Spencer, do marquês de Darlington, Blair e Lucille.
— Ainda bem que estão de volta, vai começar a dança. — informou Dorian, e as damas assentiram.
Cada uma das damas foi conduzida até ao centro do salão pelo respetivo par para executar a "Boulangere", tendo iniciado os acordes do quinteto de cordas e o posicionamento dos pares em roda. Os cinco pares ficaram na mesma roda, o que permitiu a Portia aliviar o nervosismo.
Os pares começaram a girar para a direita, realizando uma volta completa, repetindo o ato para o lado esquerdo, realizando três passos e um pequeno salto por vez. Após concluir a segunda volta, Evangeline e Benedict, posicionado do seu lado direito, entrelaçaram o braço e giraram em torno um do outro, repetindo o gesto com Dorian, posicionado do seu lado esquerdo. Depois disso Evangeline moveu-se em direção a James e girou com ele, recuando até Dorian que se aproximou do centro da roda, girando e encaminhando-se até Christopher, logo a seguir a lorde Spencer. Repetiu a sequência com Aleksei e após girar com Dorian novamente, regressaram aos seus lugares e, todos em simultâneo, voltaram a realizar duas voltas, uma para a direita e outra para a esquerda.
A seguir foi a vez de Blair, que fazia par com Benedict, de girar com James, depois com o marquês, girou com lorde Clermont, voltando a girar com o par, realizando a mesma sequência com Aleksei e Dorian. A seguir foi Lucille, depois Portia e por fim Phoebe.
Após o fim da dança, o grupo encaminhou-se até à mesa das bebidas.
— Estávamos a pensar ir até ao salão de jogos enquanto a próxima dança não começa, as senhoritas querem acompanhar-nos? — sugeriu Aleksei fitando as damas, e os restantes quatro lordes olharam para elas esperando pela resposta.
— Não sei se seria adequado, pelo menos para as damas solteiras. — retrucou Lucille pensativa.
— Isso é um pormenor que, esta noite, será totalmente ignorado. — retrucou Blair, recebendo uma cara feia da amiga.
Algo que ela ignorou. Não era novidade nenhuma que Lucille possuía a cautela e a sensatez que faltavam a Blair.
— Realmente não possuis juízo nenhum. — resmungou lady Clermont.
— Se nem os meus pais, as minhas percetoras e até James, me conseguiram colocar juízo na cabeça, achas que serás tu a realizar tal milagre? — desdenhou Blair, recebendo um bufo descontente de Lucille e risos dos restantes que ouviam a conversa.
— Realmente Blair é um caso perdido. — opinou James, divertido com aquele interlúdio.
— Também te adoro, irmão. — Blair lançou um beijo maroto a James, que riu em resposta.
— Vamos deixar de conversa fiada, o salão de jogos aguarda por nós. — retorquiu Evangeline entrelaçando o braço ao do marido.
— Isso sim é que é falar. Ouviram a duquesa, não ouviram? — disse Blair, recebendo olhares divertidos antes de saírem do salão de dança.
O grupo encaminhou-se para o salão onde diversas mesas de jogos estavam localizadas, com os duques de Devonshire na frente. Ao entrarem na sala avantajada, algumas mesas de carteado estavam ocupadas, assim como as das roletas, e o barulho das vozes, algumas mais exaltadas do que outras, eram o barulho de fundo. Aleksei e Benedict dirigiram-se a uma mesa ali próxima após ouvirem alguns lordes chamá-los, Phoebe e Blair foram explorar o recinto, já Dorian, Evangeline, Lucille, Portia, Christopher e James dirigiram-se a outra mesa, uma mais para o centro do salão.
Os três lordes juntaram-se a outros dois já sentados na mesa, e as damas juntaram-se atrás deles de modo a não atrapalhar o jogo. O criado começou a distribuir as cartas, e Evangeline logo percebeu que se tratava de uma partida de poker. Como estava atrás do marido, a duquesa espreitou as cartas dele, constatando com agrado que ele possuía um ótimo conjunto. Facilmente ganharia aquela partida.
Dito e feito.
O conjunto de fichas ao lado do duque de Devonshire continuava a aumentar, e Evangeline vibrava com as vitórias dele. Alguns lordes deitavam as cartas na mesa e desistiam do jogo, dando o lugar a outros que queriam tentar findar a maré de sorte de lorde Devon. Na próxima rodada Dorian acabou por perder, mas o prejuízo não foi tanto, porém a tensão era sentida por Evangeline, que começou a massagear os ombros do esposo, fazendo-o relaxar. Naquela altura James e Christopher já se haviam juntado à plateia, observando o jogo.
Evangeline insistia na massagem nos ombros do marido, e antes de uma nova rodada começar, Dorian segurou na sua mão e beijou-a, recebendo um beijo no rosto da duquesa. Isso pareceu ser uma forma de adquirir sorte, já que Dorian conseguiu adquirir a vitória ao conseguir formar no conjunto de cartas um Straight Flush.
— Parece que um beijo da esposa traz sorte, não concorda, lorde Devon? — questionou o barão de Surrey com um sorriso divertido.
O duque fitou a esposa, fitando o barão logo a seguir.
— A minha esposa é o meu amuleto da sorte, na sua totalidade.
O barão levantou-se, focando o olhar em lady Devon logo a seguir.
— E se a ilustre duquesa vier ocupar o meu lugar na mesa? Já ouvi falar do seu talento para o poker, milady.
Dorian, assim como os outros dois lordes sentados à mesa, fitaram a duquesa aguardando pela sua resposta.
— Creio ser essa uma excelente ideia, milorde. — respondeu com um pequeno sorriso.
Caminhou de forma graciosa até à cadeira onde o barão outrora se sentou, acomodando-se em frente ao marido, que a observava com um olhar divertido. O criado começou a distribuir as cartas e as fichas, dando início ao jogo.
Embora o talento da duquesa para o poker fosse conhecido e comentado, muitos não tiveram a hipótese de a ver jogar ao vivo, e agora, ao olhar para a pilha de fichas que se amontoava ao seu lado, muitos percebiam que os elogios feitos aos seus dotes no jogo não eram proferidos em vão.
Lucille e Portia colocaram-se atrás da duquesa, tornando-se na sua equipa de apoio, tendo Blair e Phoebe aparecido e integrado o grupo igualmente. Do lado do duque, Benedict e Aleksei juntaram-se ao grupo de apoio composto por Christopher e James.
O duque também era dono de uma maré de sorte, tal como a esposa, observando aos poucos o dinheiro apostado virar para o seu lado. Após deitar as cartas na mesa, Evangeline possuía um Four of a kind, assim como o visconde de Rutland, porém Evangeline possuía o conjunto maior, e por isso o visconde saiu do jogo. Lorde Pembroke, o outro jogador, tinha um conjunto de cartas pouco relevante, já Dorian conseguiu formar outro Straight Flush, ganhando a rodada.
— Que tal jogarmos só nós os dois agora, milorde? — sugeriu a duquesa, recebendo um olhar intenso do marido, assim como expressões de incentivo dos espectadores.
— Está a desafiar-me, milady? — provocou Dorian com um sorriso zombeteiro.
Evangeline sorriu marota.
— Eu iria dizer que era uma sugestão, mas acredito que afirmar ser um desafio, o torne mais apelativo, não concorda?
A postura provocadora dirigida ao marido não passou despercebida aos homens ali presentes, o que inflava o desejo que possuíam pela dama. Lady Devon já era cobiçada por eles desde que estava prostrada ao lado do marido, sendo que essa apreciação silenciosa revelou-se como uma distração que resultou nalgumas derrotas. Mas nenhum deles se atreveu a proferir alguma queixa ou até a afirmar que esse foi o motivo de terem perdido, pois não queriam criar qualquer tipo de problema com o duque, que bastava abrir a boca para arruinar quem bem entendesse.
— Então, milorde, o que me diz? Aceita jogar comigo? — questionou a duquesa novamente.
Dorian fingiu ponderar, o que divertiu a esposa.
— Aceito com todo o gosto, e a principal vantagem é que, ganhando ou perdendo, o dinheiro não sai de casa.
A afirmação do duque arrancou gargalhadas dos presentes ali próximos, assim como da própria esposa.
— Porém. — assim que falou, as gargalhadas cessaram. — Para tornar tudo ainda mais interessante, que tal acrescentamos algo mais ao prémio em dinheiro?
Um coro de "uhhh" soou pelo ambiente, demonstrando a curiosidade pela sugestão do duque.
— E ao que se refere exatamente? — questionou Evangeline, adorando cada vez mais a ideia que teve.
— Deixo a decisão ao seu critério, milady. O que gostaria de receber como prémio, para além do dinheiro apostado?
Lady Devon fingiu pensar, tal como ele fez há pouco, o que o deixou deveras divertido.
— Isso vai depender da pessoa com quem estou a jogar. Se fosse com um amigo ou mero conhecido, não pediria nada, mas já que se trata do meu esposo. — Evangeline lançou ao duque o olhar mais malicioso que conseguiu. — Um beijo.
Um novo coro, desta vez de assovios, fez-se ouvir.
— Um beijo? — murmurou o duque com a voz grave.
— Exatamente, o perdedor terá de dar um beijo no vencedor, e será o perdedor a decidir onde dará o beijo. Então, está de acordo, Vossa Graça?
— Totalmente de acordo.
Não foi preciso dizer mais nada para o criado começar a distribuir as cartas. Com toda a audácia que tinha em si, Evangeline apostou todas as fichas que adquiriu ao longo do jogo anterior, e desafiou com o olhar o marido fazer o mesmo, tendo o seu desejo atendido.
Ao observa o seu conjunto de cartas, a duquesa começou a ver uma possível vitória, já que tinha um bom baralho em mãos. Foi descartando cartas e adquirindo outras, lançando olhares maliciosos e ardentes ao esposo, sendo retribuída com igual furor. De modo a provocá-lo, por baixo da mesa esticou a perna e tocou a canela dele com a ponta do pé livre do sapato, esfregando o pé na perna dele e recebendo um olhar escaldante, assim como um sorriso discreto, porém totalmente depravado.
— Nervoso, milorde? — perguntou cínica ao ver o corpo dele tencionar-se levemente, após levar o pé a alcançar o joelho dele.
O olhar dele deixou claro que iria pagar caro pela ousadia mais tarde, no quarto.
— Nem um pouco, diria antes, ansioso.
— Pelo quê? — Evangeline bendizia o facto daquela mesa de poker ser mais estreita do que o normal, permitindo a sua movimentação ousada. Deixou o pé deslizar um pouco mais acima, ameaçando alcançar a sua virilha.
— Pelo fim do jogo. — a resposta do duque arrancou um sorriso da duquesa.
Com o avançar das jogadas, Evangeline, que já havia recolhido a perna para debaixo das saias e calçado o sapato, encontrava-se satisfeita com o conjunto que tinha em mãos. Decidiu que aquele era a altura de tirar teimas.
— Que tal deitarmos as cartas na mesa, milorde?
Dorian levantou o olhar para o seu rosto, desviou-o para o seu baralho e a duquesa viu ele franzir a testa, nitidamente descontente. Aquilo foi o sinal de que a vitória seria sua.
— Vamos a isso, milady. — disse Dorian após soltar um suspiro aborrecido.
Evangeline foi a primeira, expondo os naipes do seu conjunto, que formavam um Straight Flush. Os observadores ali presentes soltaram expressões alegres, pois aquela era uma mão de poker excelente, e quase imbatível. A duquesa fitou o marido, que permanecia imóvel a fitar as cartas expostas.
— Agora é a sua vez. — encorajou a duquesa com ansiedade.
Lorde Devon olhou para a esposa durante poucos segundos com seriedade, deitando as cartas na mesa e arrancando expressões perplexas tanto da esposa, como dos que os assistiam. Dorian conseguiu formar um Royal Flush, a mais rara e imbatível mão de poker, assim como aquela que garantia a vitória instantânea do jogador que a formou. O conjunto de Dorian era composto por um Ás, o rei, a dama, o valete e um 10 de copas.
— Acho que ganhei. — afirmou o duque com um sorriso, que se ampliou ao ver no olhar da esposa a compreensão de que aquele suspiro aborrecido de há pouco foi apenas teatro.
A duquesa rapidamente se recuperou do choque, fitando o marido com serenidade.
— Os meus parabéns, milorde. — parabenizou, empurrando as fichas na direção dele. — Uma parte do prémio está entregue, falta a outra.
Os lordes ali presentes exultaram com o que viria a seguir, e os duques nem repararam que mais alguns convidados haviam se aproximado, ladies incluídas.
Evangeline levantou-se e Dorian arrastou a cadeira para trás, sem tirar os olhos da esposa.
— Como é que eu havia dito? O perdedor escolhe onde dará o beijo ao vencedor? — inquiriu a duquesa, como se não se lembrasse.
— Exatamente, lady Devon. — antes do duque responder, o visconde de Rutland adiantou-se ansioso para ver até onde iria a ousadia da belíssima duquesa.
— Sendo assim... — disse ela, deixando o resto da frase subentendida.
Com passos decididos, Evangeline contornou a mesa aproximando-se do marido. Sem o mínimo vislumbre de hesitação presente nos seus gestos, a duquesa senta-se no colo do marido e emoldura o rosto dele com as suas mãos, olhando-o bem fundo nos olhos dele e vendo agrado nítido nas íris da cor do conhaque.
— O prometido é devido. — concluiu, beijando sem reservas.
Os assovios e comentários maliciosos explodiram ao redor deles, mas nenhum dos dois prestou atenção no que diziam. Passada a surpresa inicial, Dorian não se coibiu de a beijar, assim como a esposa também não o fez. Agarrou-a pela nuca tomando o controlo do beijo, usando e abusando do momento e invadindo a boca dela com a língua, estremecendo ligeiramente quando sentiu a língua dela tocar na sua.
Decidiram encerrar o momento pois estavam em público e aquilo já havia sido ousadia demais. Mas Dorian adorou a ousadia da esposa, mesmo que amanhã fosse pegar fogo na capital através dos jornais e ser censurada pelas damas conservadoras e enjoadas.
Decidiram regressar ao salão para a próxima dança, porém, por um momento fugaz, Evangeline podia ter jurado ver o rosto da baronesa de Westphalen e de outro rosto familiar, mas como foi um momento muito rápido, não podia confirmar que era ela. Não podia ser, ela não havia sido convidada, e no instante seguinte teve a confirmação deque foi impressão sua.
Caminharam até perto da pista de dança, e naquele instante um criado aproximou-se deles entregando um copo de champanhe a Dorian e uma limonada a Evangeline. Após afastar-se com uma reverencia, foi distribuir mais champanhe a outros convidados ali próximos.
— Mal posso esperar para o fim do baile, quero ver até onde a ousadia da minha esposa irá. — murmurou Dorian ao seu lado, bebendo mais um gole de champanhe.
Evangeline engasgou-se com a limonada, arrancando um sorriso do marido.
— Não digas isso, nem quero imaginar o que as abelhudas irão espalhar por aí amanhã. E além do mais, ninguém precisa saber das tuas intenções depravadas. — retrucou séria.
Porém o silêncio que recebeu em retorno deixou-a intrigada. Ergueu o olhar para o rosto do marido, estranhando ao ver a face rubra com algumas gotas de suor na testa. Observou a mão dele ir até ao lenço preso no pescoço e afrouxá-lo, exibindo uma expressão de desconforto.
— Querido, está tudo bem? — inquiriu preocupada.
Antes de mais nada, tirou o copo da mão trémula, pousando-o numa mesa ali perto, junto ao seu próprio copo.
— Só preciso de apanhar um pouco de ar. — disse com certa dificuldade, puxando o ar em seguida com força.
— Eu acompanho-te até ao jardim. Anda.
Dorian assentiu debilmente, aceitando o apoio da esposa. O desconforto que o lenço provocava tornava-se insuportável, sentia como se estivesse a sufocá-lo. O ar da noite atingiu-o no rosto, mas não lhe causou alívio algum, e as vozes ao seu redor, a da esposa inclusive, soavam-lhe como um eco distante.
— Dorian? Dorian, estás a ouvir-me? —Evangeline abanou o ombro dele, mas de nada adiantou. Ele parecia ausente, aéreo.
De repente a força das pernas do duque falhou, fazendo com que ele caísse de joelhos no chão, ainda não muito distante da saída para o jardim. Assustada, Evangeline ajoelha-se ao seu lado e ampara-o, ficando ainda mais nervosa quando ele começa a engasgar à medida que vai caindo em direção ao chão.
— Dorian? O que se passa, amor? Estás a assustar-me!
Porém o susto maior veio depois, quando ele agarrou no seu braço com nítido desespero, e ao voltar-se de barriga para cima, Evangeline paralisou aterrorizada ao ver sangue a escorrer da boca dele.
— Eva... aju... ajuda... ajuda-me...
Dorian tentava balbuciar, mas até isso custava-lhe. A seguir levou as mãos ao pescoço com urgência, e Evangeline trata de lhe arrancar o lenço e desabotoar o colete e os primeiros botões da camisa.
— Oh, meu Deus! O que é que eu faço?! — Evangeline tremia em desespero, e Dorian continuava a engasgar, saindo mais sangue da boca dele enquanto se virava de lado . Porém para sua sorte, vê Aleksei e James ao longe, e decide chamar por eles. — James! Aleksei! Ajudem-me!
Os lordes em questão estranharam aqueles gritos, mas ao descobrirem de onde vinham, logo correram desesperados ao ver a duquesa a chamá-los com urgência, bem como o estado do duque.
— O que é que aconteceu?! — inquiriu James com nítido nervosismo, enquanto Aleksei foi pedir ajuda.
— Não sei, ele estava bem e de repente começou a sentir-se mal. — naquele momento não conseguiu conter as lágrimas de desespero. — Temos de fazer alguma coisa para o ajudar.
— Não te preocupes Eva, nós vamos ajudá-lo. — garantiu lorde Spencer, tentando acreditar nas próprias palavras.
Pouco depois Benedict e Christopher aproximaram-se deles.
— Aleksei contou-nos o que se passava e foi chamar um médico. Pedi ao mordomo para dizer às pessoas para irem embora, para podermos levá-lo para o quarto sem grandes alardes. — informou Benedict.
A partir daquele instante, tudo virou um caos. De um momento para o outro, a alegria que sentia transformou-se em terror puro ao olhar para o rosto do marido e vislumbrar a sua agonia, bem como o sangue que lhe escorria pela boca.
Um prenúncio nefasto de uma morte tenebrosa.
⚜️⚜️⚜️
Quem é que estava à espera desta?
Ativei a bomba 💣 e fugi... 🏃🏻♀️
Deixo-vos a vós, miladys, a lidar com os estilhaços.
Byeeeee!
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