• Capítulo 14 - O conflito
Uma boa decisão é algo relativo. O que para uns é uma boa decisão, para outros é péssima. Naquele momento, com Evangeline a fugir marido, para ela era uma boa solução, para Dorian, era uma afronta grave que ele não deixaria sair impune.
Sim, ela estava a fugir, porém não conseguia ficar nem mais um instante naquela casa ou perto de Dorian, então aproveitou que as malas ainda estavam na carruagem que os levaria a Londres, pegou em Grace, e com Maisie e a ama da filha, a jovem Tilly, aproveitou o crepúsculo da noite e deixou Overdeen Hall sem olhar para trás.
Sabia que a partir daquele instante, ao levar Grace consigo, afastando-a de Dorian instantaneamente, estava a tornar aquela situação ainda mais pessoal. Estava a afrontar o marido, e sabia que isso lhe traria consequências, nomeadamente no facto de que para a sociedade é absolutamente abominável uma mulher deixar o marido e afastá-lo dos filhos, e isso podia trazer-lhe punições severas, e a exclusão da sociedade, caso Dorian decida usar aquela situação a seu favor para a prejudicar.
Mas ela não tinha medo dele, e estava pronta para a primeira batalha daquela guerra que acabou de estourar entre ambos.
O sacolejar da carruagem não permitia que ela adormecesse, mas os seus pensamentos também contribuíram para a manter acordada. O seu primeiro pensamento foi ir para Londres, mas vários fatores fizeram com que ela reconsiderasse essa decisão. Primeiro: mais cedo ou mais tarde alguém iria saber que ela estava em Londres, e quando descobrisse que ela estava sozinha com a filha na cidade, centenas de especulações e artigos de jornais sensacionalistas iriam surgir, e ela não queria ser motivo de falatório; segundo: a sua família estava na cidade e mais cedo ou mais tarde iriam saber da sua presença, e ao notarem a ausência de Dorian iriam questioná-la e ela não queria mentir-lhes, ou até dizer o que se estava a passar, isto pois, por algum motivo, ela não queria destruir a imagem que eles tinham de Dorian.
Era um modo de evitar mais dores de cabeça.
Devido a isto, começou por selecionar outra residência onde pudesse se instalar, uma que fosse suficientemente longe de Dorian, mas as opções resumiam-se a mansões do duque onde os criados podiam lhe dizer que ela ali estava.
Depois de recordar o nome de muitas delas, acabou por escolher a residência pelo qual Dorian tinha uma substancial adversão: Chatsworth House, a mansão de Derbyshire.
Aquela residência, na época em que Harry Cavendish era vivo e Dorian ainda era pequeno, foi transformada num autêntico harém de meretrizes levadas de East End pelo próprio duque, salvo algumas exceções. E Erin era uma delas.
Erin foi uma das amantes do falecido duque, e a sua favorita, ainda esta era casada com o seu primeiro marido, o falecido barão Anthony Moore. Um pobre diabo viciado no jogo e no álcool, que encontrou em Erin mais um motivo para acreditar que estava no inferno, e não na Terra.
O casamento deles foi um acordo que beneficiou mais a própria Erin do que Lorde Moore, já que ela ganhou a oportunidade de limpar a sua reputação após o escândalo que protagonizou, já o barão, tudo o que ganhou no casamento foi vários pares de chifres. A única coisa boa que encontrou no casamento foi a morte, que lhe foi atribuída à custa dos seus vícios, trazendo-lhe a única coisa positiva naquele enlace.
Erin mostrou muita paciência durante os anos em que Liz Cavendish foi viva. Segundo aquilo que soube, Erin tornou-se amante do duque tinha Dorian sete anos. Dois anos depois, já esgotada a nível emocional, Liz enclausurou-se em Overdeen Hall, regressando a Chatsworth apenas seis anos depois, tendo aturado outros seis anos de infidelidades e humilhações até vir a morrer em circunstâncias que Evangeline nunca soube.
Decidiu concentrar-se no caminho, Derbyshire ficava bastante longe tanto de Devon como de Londres, porém era uma distância que a agradava, pois assim não corria o risco de Dorian a alcançar. Não sem antes ela saber e se antecipar para essa eventualidade.
Grace dormia serena no seu colo, e de certo modo sentia-se culpada por estar a submetê-la a uma viagem de tanto tempo. Demorariam vários dias na estrada, mas tinha de fazer aquilo. Não podia permanecer debaixo do mesmo teto daquele homem a quem infelizmente chamava de marido, não conseguiria suportar ter que olhar para aquele rosto dissimulado e fingir que nada aconteceu, fingir que o último ano de casamento foi verdadeiro.
Desde que se mudaram para Devonshire que não tinham posto os pés em Londres, mas também não seria agora que lá iria. Sentia-se bem no campo e não sentiu falta nenhuma da capital, porém não queria ser exposta ao escrutínio dos círculos sociais, por isso não iria para lá.
Fizeram a primeira paragem numa estalagem em Glastonbury, em Somerset. Derbyshire tinha fronteira com os condados de Nottingham e Leicester, e ao relembrar esse pormenor lembrou-se do facto de James Spencer, um dos melhores amigos do seu marido, viver em Nottingham, mas tratou de levar isso como um mero pormenor.
Passariam a noite naquela estalagem, e assim que o sol nascesse iriam fazer-se à estrada novamente. Sentia-se muito perto do marido, mas contava que ele desse pela sua falta somente na manhã seguinte. Com essa esperança sentia que estava um passo à frente de Dorian, e assim podia salvaguardar a sua localização, bem como a sua sanidade.
Por muitas qualidades que Dorian possa ter, não se pode ignorar os seus defeitos, inclusive o quão inescrupuloso e cruel ele pode vir a ser quando é afrontado ou quando uma situação foge dos eixos cuidadosamente planeados por ele. Ele não suportava esse tipo de coisas, e sabia que o iria deixa ainda mais furioso com esta afronta, visto tratar-se diretamente da própria esposa. Dorian Cavendish era um homem implacável, e sabia que devia temer os passos que ele daria a seguir, e mesmo não querendo admitir, temia sim.
Mas não deixaria que esse medo controlasse ou influenciasse os seus planos. O principal era manter-se longe dele, e caso isso não venha a concretizar-se há o plano B: infernizar-lhe a vida. Porque quando Evangeline quer ser demoníaca, torna-se exímia nesse quesito. Os seus irmãos são provas vivas disso.
Caso Dorian a alcance e subjugue aos seus domínios, Evangeline irá garantir que o mesmo se irá arrepender de a ter enganado desta forma escabrosa. Era uma promessa.
Naquela noite Dorian não conseguiu dormir nada. Passou a noite em claro a pensar na audácia de Evangeline em fugir dos problemas, ao invés de fazer um esforço para o ouvir e resolver tudo. Mas o que mais o enfurecia era ela ter levado Grace com ela, afastando-o da filha sem ele o merecer.
Levantou-se mal o sol nasceu, cego de raiva e pronto para ir buscar a esposa e nunca mais a perder de vista. Evangeline que não se acomode muito onde estiver, porque em breve ela estará de volta, quer queira, quer não.
Vestiu uma roupa confortável para a viagem composta por peças inteiramente negras, símbolo do seu eterno luto pela morte da mãe. Passaram-se sete anos desde que a sua mãe se foi, e desde aí peças negras compunham o seu vestuário. No início colocou preto integral, mas agora intercalava com outras cores, mas acabou por se habituar ao preto, e assim adotou um estilo gótico.
Uma carruagem continuava parada no local onde estava ontem, porém a outra já lá não estava, bem como as coisas de Evangeline foram retiradas da carruagem que estava ali parada. Ela fugiu a meio da noite, pois sabia que se fosse assim que ela saiu do escritório, ele arranjaria um modo de a impedir.
Um dos seus funcionários de maior confiança aproximou-se dele com um dos seus cães Rottweiler seguro por uma trela. Sem contar com aquele, tinha mais um rottweiler como animais de estimação, era a sua raça canina favorita.
— Já de partida Milorde? — perguntou Phineas, o funcionário em que Dorian mais confiava.
Dorian baixou-se para acariciar a cabeça de Golias, sem qualquer receio de que o cão mordesse ou arrancasse a sua mão fora. O rottweiler era uma raça de cães bastante perigosa, porém Golias e Trovão eram cães devidamente treinados e obedientes, sendo que reagiam mansamente ao seu carinho e só atacavam alguém quando a situação lhes parecesse ameaçadora, ou sob ordens suas.
— Sim, tenho assuntos de máxima urgência para tratar. — respondeu com o semblante sério.
— A duquesa não vai consigo?
Dorian cerrou o maxilar, sentindo a tensão apoderar-se de si.
— A duquesa já cá não está, partiu a meio da noite. É isso que eu vou resolver, mas não quero que isto se saiba, entendido? — sentenciou fitando o criado duramente.
Phineas assentiu em silêncio e pouco depois afastou-se levando Golias com ele.
Entrou na carruagem às pressas e logo o cocheiro colocou o veículo em andamento. Podia não ter certeza, mas os cocheiro tinham a ordem de levar as carruagens para Londres, então seria para lá que iria. Acreditava seriamente que Evangeline iria procurar proteção na família para não ter de o enfrentar, mas Dorian garantiu a si mesmo que nada iria impedir de ter a esposa de volta, mesmo que para isso tenha de tomar atitudes pouco nobres para com uma dama.
Algo que abominava, mas que seria necessário se Evangeline lhe dificultasse a vida.
Seria longa a viagem, mas o objetivo final iria compensar, que era ter a esposa e a filha de volta para perto de si.
A alegria espalhava-se pelo seu corpo como uma praga, fazendo com que o sorriso não abandonasse o seu rosto.
A figura envolta em trajes escuros sentou-se na sua escrivaninha, debaixo de uma janela, preparando-se para redigir algumas cartas para por algumas pessoas a par das novidades.
Evangeline havia fugido de Overdeen Hall e Dorian foi atrás dela. O casamento cor de rosa deles estava a desmoronar-se, e não havia nada que lhe desse mais alegria do que isso!
Uma das primeiras cartas seria para uma das principais interessadas em saber disto, a sua principal colaboradora. Claro que olhando para ela e para o motivo pelo qual queria ver os duques separados, mostrava o quão desmiolada ela era, assim como o facto de que não tinha muita coisa na cabeça. Mas a sua obstinação em ajudar na sua causa merecia algum mérito, embora ela não saiba de tudo, e não irá saber.
Com letra caprichada finalizou a missiva e lacrou com um selo comum, sem brasão para não denunciar quem enviava, sendo que a pessoa em questão saberia quem escreveu. As cartas seguintes foram redigidas para alguns colaboradores mais antigos, para os por a par de tudo, inclusive dos próximos passos a dar.
A solidão não era incómodo nenhum, chegou a um ponto da sua existência em que já se habituou a estar na mais pura solidão. Mas nem a vida que teve foi impedimento para não criar ambições e objetivos de vida, e isso fez de si uma pessoa obstinada em fazer de tudo para cumprir os seus objetivos, indo até às últimas consequências para o conseguir.
A infelicidade de uns, era a realização pessoal de outros.
Tinha mais com se preocupar do que tomar em conta os sentimentos dos outros, se era egoísmo da sua parte era algo que não causava incómodo, isso deixou de ser uma preocupação há muitos anos.
Chamou um criado para encaminhar a carta ao seu destino. Era pouca a criadagem de que dispunha, mas a suficiente para atender as suas necessidades. Tudo o que podia fazer agora, era aguardar.
“Minha cara Violet,
O nosso objetivo está a caminhar de vento em popa! O nosso alvo está a atingir todas as nossas expectativas. A discórdia caiu sobre eles, e até soube que Evangeline, movida pelo ódio da traição, fugiu de Overdeen Hall de madrugada, assim como soube que Dorian foi atrás dela mal o sol nasceu.
Eu não conheço muito a duquesa, mas pelo que percebi, ela não é o género de pessoa que deixa um acontecimento desta dimensão passar em branco, não irá fazer vista grossa a uma mentira vinda do próprio marido. Certamente que ela exigirá a separação, pelo menos é com isso que estou a contar.
Sei que o divórcio não é algo fácil de se obter, mas se Henrique VIII conseguiu se divorciar de Catarina de Aragão para se casar com Ana Bolena, também aqui Evangeline e Dorian conseguirão o divórcio e findar aquele casamento que nunca devia ter existido. Caso eles se separem, finalmente poderás ter Dorian novamente só para ti, só espero que sejas discreta o suficiente para que o teu marido não desconfie de nada. Já conseguiste uma vez, irás conseguir novamente no futuro.
Não posso confirmar se ambos foram para Londres, mas conto contigo para manteres os olhos e ouvidos bem abertos, bem como me informares caso o duque ponha os pés na capital. Caso isso aconteça, faz de tudo para o fazer recordar dos bons momentos que com partilharam, assim ele fica mais convencido de que és a melhor amante que ele pode ter e que Evangeline é medíocre tanto como esposa, como amante.
O enlace deles está por um fio, mas não nos esqueçamos de Grace, ela pode ser o elo de ligação que os poderá unir novamente.
Por agora é tudo, em breve comunicarem contigo novamente,
Cordialmente,
Acredito que saibas quem eu sou.”
Sim, sabia bem quem era.
Violet Abbot detinha um largo sorriso no rosto, apertando a carta contra o peito. Era o melhor dia da sua vida!
Em breve Dorian seria finalmente seu, e a deslavada da duquesa estaria fora de jogo de uma vez por todas. Ela iria arrepender-se de a ter destratado no baile em Devonshire como fez, quando fosse Violet a ocupar o seu lugar.
Em breve deixaria de ser a baronesa de Westphalen, e tornar-se-á a nova duquesa de Devonshire.
Mal podia esperar!
Primeiro tinha que se livrar do seu marido, mas isso pensaria com mais calma depois, agora iria absorver aquela novidade maravilhosa. Iria aguardar pacientemente a chegada dele a Londres, e depois iria aos poucos conquistar a sua confiança, e depois, a sua cama e as suas noites, tal como antigamente.
⚜️⚜️⚜️
Quem faz anos hoje?
Euuuuu!!!! 🎉🎉🎉
O aniversário é meu, mas sou eu quem vai dar o presente, que neste caso é mais um capítulo de Anjo Selvagem (que devia ter saído ontem), bem como o capítulo na nova história. Sim, é isso mesmo que ouviram!
Fiquem atentas, pois já já irei publicar. E deixem os vossos votos e cometários tanto aqui, como na nova história.
Bjs.
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