Capítulo 1
Heitor
— Eu preciso de uma babá. É urgente! — Respiro fundo tentando controlar a minha falta de paciência em ter que repetir tudo mais uma vez. Fui atendido por uma, que passou o telefone para outra que por sua vez passou para essa atendente. — Olha, é o seguinte, eu já havia contatado vocês e feito o meu cadastro, expliquei a minha situação várias vezes e o combinado foi que hoje eu receberia as pessoas interessadas na vaga, certo? — Aguardo a resposta enquanto caminho pelos cômodos da casa.
— Correto, senhor. — A voz feminina soa do outro lado da linha.
— Ótimo. Então, já que concordamos até aqui, eu quero saber o motivo para cancelarem comigo em cima da hora sem me avisar com antecedência. Você pode me esclarecer? — pergunto com a voz calma, mas, estou uma pilha de nervos verdade seja dita.
— Senhor, o que me foi passado é que não tivemos uma quantidade satisfatória de pessoas qualificadas interessadas na vaga em pouco tempo — responde com a voz baixa. Respiro fundo e solto o ar pela boca.
— Não tiveram muitas interessadas, mas tiveram. Estou certo?
— Na verdade, tivemos só uma interessada.
— Se teve alguma interessada, poderíamos seguir com o horário marcado, não? — Já estou perdendo o fio de educação.
— Mas ela não tem qualificação, achamos melhor deixar para outras pessoas e...
— Outras pessoas que nem se candidataram? — interrompo. — Me desculpa a sinceridade, mas eu ainda não vejo um motivo para desmarcarmos. Eu vou contratar apenas uma pessoa para ser babá, independente da quantidade de pessoas que a empresa me enviar para conhecer. Entendo a preocupação de vocês em se dedicar e trabalhar com os melhores profissionais, mas como ter a certeza que a única pessoa que se interessou, não é a melhor?
— Então o senhor quer encontrar com essa pessoa que não é qualificada? — pergunta incrédula.
— Quem vai julgar essa pessoa como qualificada ou não, sou eu, o contratante. Se vocês não quiserem ter vínculo com essa pessoa, me envie o contato dela ou envie para ela o meu, eu sigo por conta própria. — Sou ríspido. Pois, se tem algo que me tira do sério é o pré-julgamento.
— Óh, não, o senhor está certo, tudo bem. Vou passar para a... — fala rápido.
— Não, não passe para ninguém, eu preciso desligar — Volto a cortá-la. Mesmo não apreciando esse meu lado rude, eu não estou conseguindo me manter paciente. — Olha, vamos fazer o seguinte, vamos encerrar a ligação. Você fala com quem precisa aí e eu resolvo as coisas aqui, e ao invés de eu retornar ou você me ligar, peço que combine tudo com a minha secretária. Pode ser?
— Claro.
— Ótimo. Estou enviando o contato da minha secretária. Obrigado e espero resolver essa situação o mais rápido possível — falo firme, não deixando de pressionar que espero uma solução.
— Sim, senhor. Eu que agradeço o contato, tenha um bom dia.
— Igualmente. — Encerro a ligação.
Começo a andar rumo ao corredor dos quartos enquanto ligo para o número da minha secretária.
— Bom dia — falo assim que ela atende no primeiro toque.
— Bom dia, senhor Fernandes.
— Estou ligando por dois motivos. Primeiro, para avisar que vou me atrasar um pouco. Segundo, você vai receber uma ligação de uma agência de babá. Pelo menos eu espero que receba essa ligação — comento. — Por favor, combine com eles e arrume uma brecha em minha agenda o mais rápido possível? Estou precisando de uma com urgência.
— Claro. Pode deixar.
— Obrigado. — Finalizo a chamada e envio uma mensagem para o meu motorista avisando que vamos mais tarde para a empresa. Guardo o celular no bolso da calça.
Dou mais alguns passos e me aproximo da porta do quarto ao lado do meu. Com todo o cuidado, abro uma fresta e ao colocar a cabeça para dentro do espaço, encontro um bebê acordado, com atenção no móbile do berço que fica acima de sua cabeça.
— Você já acordou, Ben? — Entro no quarto e vou até ele. — E o papai longe do quarto, pensando que você estava dormindo.
Ele me encara com seus enormes olhos escuros e abre o sorriso banguelo ao se agitar e balançar os braços e pernas.
— E acordou animado, né, rapazinho? — Ele solta seus gritos e resmungos. — Vem aqui com o papai, vamos nos arrumar para começar o nosso dia.
Tiro o celular do bolso e coloco o nosso hino matinal. Deixo o aparelho em cima da cômoda, debruço em seu berço e o pego no colo.
"Bom dia
O Sol já nasceu lá na fazendinha
Acorda o bezerro e a vaquinha
Que já cocoricou dona galinha (...)"
Canto com o "Mundo Bita - Fazendinha" do começo ao fim e rodopio pelo quarto com um bebê eufórico nos braços. No auge da sua empolgação, Benjamin coloca suas mãos gordinhas em minhas bochechas e vem com a boca aberta tentando me morder. Não consigo segurar a gargalhada ao ter o rosto todo babado em meio à demonstração de carinho do meu filho. Quando ele se afasta, sorri comigo e meu peito infla de tanto amor.
— Eu te amo, sabia? — Envolvo o seu corpo em um abraço. — Agora chega de bagunça.
Desligo a música para ele não ficar mais agitado e guardo o aparelho no bolso da calça. Deposito o Benjamin no trocador em cima da cômoda e com certa habilidade adquirida após muitos erros com essa fase da paternidade separo tudo o que preciso para trocá-lo. Tiro a fralda com xixi, faço a limpeza e troco suas roupas.
— Prontinho, está lindão e cheiroso. — Volto a pegar meu filho no colo. — Agora vamos cuidar do seu tetê.
Puxo o carrinho que deixo de forma estratégica no canto do quarto e posiciono-o sentado ali, e juntos seguimos para a cozinha. Deixo o carrinho de frente para mim e começo a cuidar da alimentação do meu filho.
Ele fica em silêncio e presta atenção em meus movimentos ao preparar a sua mamadeira. Termino e direciono o carrinho para a sala, sento no sofá e o pego no colo. Assim que ele recebe a mamadeira, entramos no nosso momento de pai e filho. É engraçado falar isso, mas desde o começo, sinto uma ligação enorme quando vou dar sua mamadeira. Nossa troca de olhares, a nossa cumplicidade em segurar o seu bem mais precioso, a mão dele passando da mamadeira para meu rosto. Aproveito para conversar com ele e muitas vezes desabafar.
Só com o Ben eu me permito ser assim, alguém vulnerável e sincero ao extremo. Ele é a razão de me trazer leveza e sentimentos tão profundos e conflitantes que nunca imaginei ser possível sentir. Da porta para fora eu sou o Heitor Fernandes, um homem sério, profissional dedicado, um homem que não mede esforços para alcançar seus objetivos. Mas aqui dentro, sou o pai do Benjamin, um cara que se esforça ao máximo para ser um exemplo a ser seguido, alguém que move céus e terras para ser o melhor pai para seu filho.
Um barulho na porta da entrada de casa, me desperta.
— Bom dia meninos.
— Bom dia, Rosa — cumprimento a mulher que esteve conosco nos últimos meses.
Desde que me mudei para essa casa com meu filho, Rosa cuida dele para mim. A responsável por nos apresentar foi minha mãe que, na verdade, gostaria que eu fosse morar em sua casa, mas eu recusei a oferta. Voltar para casa dos pais não me parecia uma boa escolha, mesmo eles alegando que me ajudariam com o Benjamin. Após a minha recusa, minha mãe falou sobre a sua conhecida do grupo de oração da igreja e foi assim que Rosa se tornou a babá do Ben.
Agora, a sua filha está no fim da gravidez e ela quer estar com sua família nessa fase. Pediu a conta mesmo eu falando para ela tirar um tempo e voltar depois. Rosa diz que se aceitasse minha proposta, quando voltasse eu já não precisaria mais dela, Ben já estaria em escolinha e tudo. Mesmo a contragosto, tive que aceitar a sua vontade.
Hoje é o seu último dia com o Ben e saber que eu ainda não consegui uma babá para ele está me matando. Sabe a culpa? É o que sinto no momento, como se tivesse colocado outros problemas na frente das necessidades do meu filho.
— Está tudo bem? — Rosa pergunta ao voltar da cozinha. Ela sempre faz a mesma coisa quando chega, vai guardar sua bolsa e lavar as mãos antes de vir nos encontrar.
— Não muito, mas vai melhorar. — Tem que melhorar. Reforço em pensamento. — Tive um problema com aquela agência de babás que te falei. Falaram que só tinham horário vago hoje para reunião, concordei mesmo não gostando da data, mas aí eles me deixaram na mão — digo frustrado alternando meu olhar do Ben para ela.
— Mas você já está resolvendo, certo? — Concordo em um aceno. — Claro que sim, eu te conheço rapaz.
— Estou me sentindo mal com esses imprevistos — confesso.
— Não fique assim e não deixe a culpa tomar conta, acontecem imprevistos e você vai conseguir dar um jeito na situação.
— Obrigado, Rosa. Mas agora me conta, como você está? Animada?
— Muito. Já arrumei minhas coisas para o tempo que vou passar com minha filha, genro e netinho.
— Fico feliz por vocês. — Dou um sorriso sincero e ela retribui. — Agora, vou deixar o Ben com você e vou me arrumar.
Benjamin solta a mamadeira vazia e já estica os braços para Rosa, como sempre. Pego o meu celular e envio uma mensagem para o meu motorista, avisando que em alguns minutos encontro com ele. Sigo para a minha suíte e como faço todos os dias, tomo o meu banho. Ao sair, coloco meu terno sob medida, calço meus sapatos e uso o meu perfume. Relógio no pulso e cabelo alinhado, pego minha pasta e retorno a sala.
— Bebê — chamo meu filho. Ele está no colo da Rosa e de costas para mim, mas ao me ouvir, vira a cabeça em minha procura. — Papai está indo trabalhar. — Aproximo e beijo sua cabeça. — Bom dia e não bagunça muito com a Rosa, hein?
— Eu não vou concordar com isso. Hoje nós dois vamos bagunçar muito, vou "estragar" esse pequeno para quando eu não estiver por perto, ele te dar muito trabalho. — Ela brinca me fazendo rir. — Bom dia, Heitor. Até mais tarde.
— Até.
Passo pela porta e assumo o meu papel de homem de negócios sabendo que o dia será cheio, e mesmo assim só penso na hora que o dia vai acabar e eu vou conseguir voltar para casa.
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