Capítulo 41 - A Prisão
Acordei com uma coceira incomum, pelo visto havia percevejos nos colchões de palha daquele beliche. Levei um susto ao ver o rosto animado de Sylas. Estava tão cansado que não havia percebido que Sylas dormia na cama de cima.
— Bom dia Jack, animado para mais um dia? — Sylas continuou com seu sorriso estampado, esperando uma resposta minha.
— Você sempre acorda animado desse jeito? — Me espreguicei e sai da cama o mais rápido que pude antes que os percevejos me dessem mais coceira.
— Só de pensar na aventura que nos aguarda dentro e fora desses muros brancos, não há como ficar triste!
— Você é estranho... a maioria dos nobres detesta estar aqui — falei, tirando minha camisa e sacudindo bem, verificando se não havia mais nenhum percevejo.
Sylas me lançou um olhar curioso ao ver as minhas enormes cicatrizes. Ele desceu do beliche em um pulo.
— Eu não sou como os outros nobres. Meus objetivos vão muito além do que apenas agradar ao nome da família. Títulos e nobreza para mim não significam nada. Acho que você também pensa o mesmo, não? — Sylas riu, então deu de costas e rumou até a saída do dormitório. — Eu gostei de você, Jack. Sei que vamos nos dar muito bem! — completou Sylas antes de sair.
· · • • • ✤ • • • · ·
Após a um fraco café da manhã feito de restos da sopa da noite passada, tive de me aprontar para me encontrar novamente com o cavaleiro assassino. Mal tive tempo para conversar com Gareth e Merua que encaravam seus pratos de sopa com repulsa. Não havia visto nem sinal de Gredy, aparentemente partira cedo para ter com seu cavaleiro.
Corri até o hall de entrada do castelo. Sir Wallace me esperava em frente a porta de braços cruzados. Ele não parecia irritado ao me ver, mas não saberia dizer se sua expressão serena era verdadeira. Sua mão estava totalmente enfaixada por causa das queimaduras. Me surpreendia ele já estar de volta ao trabalho depois de ser quase queimado vivo. Sir Erwin também estava ao seu lado. Ele acenou para mim e soltou um sorriso típico. Dessa vez parecia estar sobreo, mas não me arriscaria a perguntar.
— Jack! Que bom ver você novamente. — Erwin deu alguns tapinhas na minhas costas enquanto ria.
— Vamos logo, não temos tempo a perder — apressou Sir Wallace com certo desprezo por mim.
Eu segui os capitães pelos corredores do castelo até chegarmos à ala norte. A segurança ali era um pouco mais rígida pois era aonde ficavam os prisioneiros. Uma grande porta era guardada por dois cavaleiros com alabardas. Eles abriram alas para a passagem dos dois capitães, mas desceram as alabardas quando fui passar, bloqueando meu caminho.
— Deixem-no passar. O garoto está conosco — falou Erwin aos cavaleiros.
— Jack!
Olhei para trás e avistei Sylas correndo em minha direção. Ele parecia preocupado. Ficou um tempo recuperando o fôlego da corrida antes de continuar a falar.
— Quem é esse? — perguntou Sir Wallace por cima dos ombros.
— Sou um escudeiro novato, Sylas, muito prazer senhores capitães.
— O que faz aqui Sylas? A ala norte não é lugar para escudeiros, principalmente novatos — repreendeu Sir Erwin.
— Vim apenas trazer algo para o Jack. — Sylas tirou meu pingente do bolso. Provavelmente havia deixado cair quando tirei minha camisa.
— Muito obrigado Sylas!
Peguei o pingente e logo botei em volta de meu pescoço. Sir Wallace olhava com certa curiosidade para o pingente.
— Desculpe a pergunta cavaleiros, mas o que há depois dessa ala? E por que o Jack está sendo chamado aqui? Esse lugar não seria o lugar dos prisioneiros? Se o lugar não é para escudeiros, por que trazê-lo aqui? — Sylas fazia muitas perguntas com um sorriso e olhos reluzentes como o de uma criança.
— Não é da sua conta... vamos logo, garoto. — Sir Wallace deu de costas e continuou seu caminho.
— Entendo a sua curiosidade, Sylas, mas não há nada com o que se preocupar, logo devolveremos seu amigo — respondeu Sir Erwin de forma bem mais carinhosa que Sir Wallace.
Deixamos Sylas para trás. Ao cruzarmos a grande porta, para a minha surpresa, mais corredores. Dessa vez, com portas diferentes do restante do castelo. Portas de ferro rústico e aparência pesada. Era realmente uma prisão. Até mesmo as paredes brancas de tijolos polidos davam lugar a paredes acinzentadas e sujas. Também não havia escudeiros ali, apenas cavaleiros fortemente armados em suas rondas.
— Por que estamos aqui? — perguntei aos capitães que não me responderam.
Descemos vários lances de escadas, e, cada vez mais, o cenário ficava obscuro. Não só a iluminação, como o ar ao redor era mais sombrio. Nós paramos em frente a uma grande porta, mas não como a primeira, essa era de um metal escuro e aparentemente era bem grossa.
Eu imaginava encontrar uma sala atrás daquela porta, mas um longo corredor de escadarias se revelou. O lugar era sombrio, com poucas tochas iluminando os degraus, fazendo com que tivéssemos de ter atenção dobrada sobre onde estávamos pisando.
Por fim, chegamos até o final das escadarias e novamente nos deparamos com outra porta. Dessa vez, uma porta bem mais rígida do que a anterior. Feita totalmente de algum tipo de metal escuro. Parecia ser do mesmo material da flecha que Sir Wallace havia usado naquela mulher. A porta estava sendo guardada por mais dois cavaleiros, que tiveram de abri-la juntos, de tão pesada que era.
Eu torcia para não ter mais escadas atrás daquela porta, mas achava difícil, já que tínhamos descido o bastante. Meu alívio foi momentâneo ao ver um corredor. Eu digo isso, porque era um corredor bastante macabro. Um verdadeiro breu e com várias portas de grade de ferro negro nas paredes.
Passamos todos em silêncio por aquele corredor. Erwin carregava uma tocha, iluminando o caminho. Não havia guardas naquele lugar, mas eu podia ouvir algumas vozes. Alguns resmungos por detrás daquelas portas. Eu tentava olhar, mas não conseguia ver devido a escuridão daquele corredor. Nós andamos até o final, onde paramos em frente a última porta. Erwin retirou uma chave do bolso e começou a abrir a pesada porta de metal negro.
— Jack, peço perdão por ser tão repentino e trazê-lo até este lugar horrível, mas era a minha única opção — disse Erwin. — A mulher que você e Sir Wallace prenderam naquele dia recusou a nos contar qualquer coisa que perguntássemos a ela, e temo que ficamos sem escolhas. Até que ela disse que falaria com você. — Erwin então acenou para que eu entrasse. — Você vai ficar o tempo todo ao meu lado — completou Erwin, eu assenti e entrei na cela.
Eu já sabia o que me esperava ao entrar naquela cela. Mesmo assim, me assustei quando a tocha iluminou o fundo daquela prisão. A mesma mulher de antes estava recostada na suja parede, presa por pesadas correntes. Ela estava toda surrada e seu cabelo curto, como se tivesse sido cortado com uma espada. Seu rosto também estava repleto de hematomas.
— Você... — respondeu a mulher, com um olhar de ódio. — Finalmente o trouxeram aqui...
— Eu... — Eu sentia pena dela. Não sabia o que dizer, apenas queria tirá-la de lá. — Eles atenderam seu pedido. Me disseram que você queria falar comigo.
Ela acenou para que eu me aproximasse, com certa dificuldade, devido as suas mãos estarem amarradas. Eu cheguei mais perto.
— Eu sinto muito. Não queria que as coisas acabassem assim — continuei.
— Mesmo assim, aqui estou eu e aí está você. Eu devia saber desde o começo que você era um deles. Eu devia ter te matado naquele beco. — Ela falava com certa dificuldade, parecia ter dificuldades para respirar naquele lugar fechado.
— Mas não o fez — respondi.
— Você quer respostas, assim como eles... — Ela me olhou fundo nos olhos. — Você ainda quer saber sobre o Zjarr? — A ruiva soltou um sorriso dificultoso entre dentes sujos de sangue seco.
Erwin apenas escutava em silêncio logo atrás de mim.
— Sim! Eu preciso saber o que aconteceu naquela noite, eu preciso saber quem são eles — falei em tom de sussurro para que Erwin não ouvisse, o que seria inútil.
— Tire-me daqui e eu lhe contarei tudo o que sei sobre eles. — Ela levou a boca até meus ouvidos e sussurrou. — Eu e você temos um objetivo em comum. Ambos odiamos Zjarr. Basta apenas me libertar e te darei o que procura.
— Mesmo que eu tivesse o poder para te soltar, eu não faria isso. Não sem saber o que você pretendia fazer nessa cidade e com eles — Apontei para os cavaleiros.
— O que você acha que irei fazer? — Ela soltou um sorriso, que eu reconhecia muito bem. — Irei matar todos, transformarei este castelo em cinzas. Depois irei atrás do meu objetivo, mas não se preocupe pois pouparei você e te levarei até Zjarr.
— Nesse caso... — Dei de costas e andei até a porta. — Não temos mais o que conversar.
— Se recusar, nunca saberá quem eles são! — A mulher gritou de forma desesperada. Ela sabia que aquela era sua única chance de sair de lá.
Eu não a respondi, apenas saí da cela. Por mais que eu procurasse respostas, o preço era alto demais. Eu não podia cogitar em colocar pessoas em risco por uma barganha, além de que seria impossível tirá-la de uma prisão tão fortemente guardada.
— Parece que você também não conseguiu tirar nada dela, não é!? — perguntou Sir Wallace. Meneei com a cabeça. Sir Erwin suspirou de forma decepcionada, mas não falou nada sobre nossa conversa. — Pois bem, vamos voltar.
— O tempo está acabando para vocês cavaleiros. — Uma voz grossa soou de dentro de uma das celas mais à frente. Uma voz de um barítono claro de um grave imponente. Nem mesmo parecia ser a de um prisioneiro. — Em breve a escuridão também os alcançará, e estes muros brancos serão tingidos de negro e vermelho. A escuridão engolirá até mesmo a luz, afinal, o equilíbrio foi desfeito.
Senti um arrepio ao ouvir o final daquela frase. Eram as mesmas palavras da criatura, mas o que elas queriam dizer?
— É por isso que te chamam de profeta? — Caçoou Erwin de forma irônica. — Guarde isso para você e apodreça em sua maldita cela!
O prisioneiro não respondeu. Então apenas seguimos em silêncio para fora daquele lugar bizarro.
— Gostaria de pedir desculpas por hoje, temo que eu estava sem opções — disse Erwin. — Ela resistiu até mesmo as mais duras interrogações. Não sabemos o motivo de uma bruxa do fogo ainda existir nos dias atuais e nem o motivo de tentar matar Sir Wallace. Acatar o pedido dela foi uma medida desesperada, mas era a única coisa que eu podia fazer. Peço perdão por levá-lo até aquele lugar horrível. Os calabouços do castelo não são bons lugares para se conhecer.
— Zjarr... — Eu me sentia relutante em falar sobre aquele assunto, mesmo assim, aquilo saiu de mim. — Você já ouviu esse nome antes?
— Um nome bastante estranho, não parece ser deste reino. Definitivamente nunca ouvi falar. — Erwin parecia dizer a verdade. — O que você sabe sobre esse nome? Parecia importante para ela também.
— Nada... Eu apenas... — Tentei desviar a conversa, arrependido de ter dito aquele nome ao cavaleiro. Sir Wallace continuava em silêncio e com um olhar desconfiado.
— Que seja, conversaremos mais tarde. Por enquanto, siga para o pátio e vá se reunir com os outros escudeiros. Eu e Sir Wallace temos outras coisas importantes a tratar — me cortou Sir Erwin voltando a demonstrar seu sorriso típico. Wallace acenou positivamente com a cabeça, me liberando para seguir com os treinos.
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