Capítulo 4 - Nara
Nick voou longe, caindo de cara na lama. Por um momento, fiquei sem entender o que acontecera. Gordon e Rarold olhavam com olhos esbugalhados. Correram para ajudar o amigo caído, que parecia uma barata tonta tentando se levantar. Eu olhei para o lado e lá estava quem o fizera voar em direção ao chão.
Nara! — gritei.
— Então, quem vai ser o próximo? Hoje eu estou afim de quebrar alguns braços, então podem vir para cima os três de uma vez. Vou ter o prazer de acabar com a raça de vocês, principalmente do focinho de porco, Nicholas. — disse a garota com sua expressão forte.
Nick se levantou com a ajuda de seus companheiros, meio desnorteado. Seu rosto estava coberto por lama e sua bochecha aparentemente estava inchada. Não é para menos, depois de um chute daqueles, me surpreende que ele não tinha perdido alguns dentes.
— Sua órfã desgraçada, você vai pagar caro por isso. Eu... eu... você vai ver, você e esse imbecil — disse Nicholas com uma voz de choro, apontando o dedo para Nara.
Ela lançou um olhar ameaçador e começou a andar na direção deles estalando os dedos. O olhar de pânico dos garotos foi notável. Harold e Gordon saíram correndo primeiro. Nicholas engoliu suas palavras e seu choro, então saiu correndo em disparada, gritando para que os outros dois garotos o esperassem.
— Hahaha! Corram seus covardes, e não se esqueçam de contar para as suas mães que apanharam de uma garota — disse Nara acenando para eles com um sorriso no rosto. Sua expressão mudara de séria para uma mais divertida.
Nara era uma menina incrível. Seu rosto delicado, repleto de sardas, lábios finos e longos cabelos loiros acompanhados de lindos olhos azuis, era de uma beleza estonteante. Mas não era sua beleza que mais me encantava, e sim sua força. Ela era inabalável. Nara passara por maus bocados em sua vida, perdera seus pais na guerra, mesmo assim, eu nunca a vi chorando ou entristecida, pelo contrário, ela sempre tinha o mesmo sorriso estampado em seu rosto. Apesar de gostar de sua companhia, ficar perto dela sempre me trazia problemas. Aquela garota, sempre me metia em confusões, ela era o tipo de pessoa que não se importava muito com consequências.
— Eu não precisava de sua ajuda. Eu podia ter me virado sozinho... — falei, enquanto enxugava a lama do meu rosto.
— Fala sério Jack, você estava em apuros. Se eu não tivesse aparecido agora, teria apanhado ainda mais. Quem diria que você não conseguiria dar contar de três garotos ranhetas — disse Nara com um tom de deboche.
— Minha mãe me proibiu de entrar em confusão, então eu preferi não reagir. Aliás, aonde é que você estava esse tempo todo? Não te vejo há um bom tempo.
Nara se abaixou e pegou meu pingente caído no chão, ignorando minha pergunta. Ela sabia o quanto o pingente era importante para mim.
— Você deixou isso cair. — Devolveu o pingente em minhas mãos, que antes reluzia e agora não passava de uma pedra suja por lama.
— Obrigado... — Eu não tinha o costume de agradecer, por isso virei o rosto ao falar. Nara assentiu, sabendo que aquilo foi de certa forma um agradecimento sincero.
— Vem cá — disse Nara, pegando em minhas mãos e me trazendo para perto dela. — Nossa isso vai ficar roxo, ele te acertou uma bem no olho. Com certeza não vai ficar pior do que o roxo que eu deixei nele, mas esse também é preocupante. Não se mexa.
Nara tirou do bolso um potinho com um tipo de pasta dentro, feita de algumas ervas medicinais. Não me impressionava o fato de ela ter aquilo, visto o quanto ela se metia em encrencas. Ela colocou um pouco da pasta no dedo indicador e passou em meu rosto. Aquilo doeu um pouco, fiz um chiado de dor, mas em seguida senti um certo alívio. A pasta era de certa forma refrescante. Meu olhar então se encontrou ao dela. Quando percebi que ela estava perto demais, corei de vergonha e dei uns passos para trás. Ela deu um risinho e guardou a pasta no bolso da calça.
Nara usava roupas diferentes da maioria das meninas. Não usava vestidos longos, mas sim, calças e camisas de menino. Lembro-me que uma vez, minha mãe tentara dar um de seus vestidos a ela, mas Nara recusara. Ela dissera que vestidos longos atrapalhavam a se movimentar, por razão disso, sempre preferiu a praticidade das calças.
— Obrigado... — voltei a agradecer, ainda com um pouco de vergonha. — Pela ajuda com os garotos e pela pasta...
— Ah Jack, o que seria de você sem mim... — disse Nara, soltando um risinho sarcástico e colocando a mão sobre o peito. — Agora pare com esse martírio e vem comigo, Jack, preciso de sua ajuda. — Ela então pegou novamente em minhas mãos, nos levando em direção à cidade.
Chegamos em frente à barraca de vendas do senhor Olaf. Eu já presumi que ela me colocaria em confusão novamente. Eu sabia que de alguma forma quem sofreria as consequências no fim seria eu.
— Ah não, eu já sei o que você quer fazer. Você pretende roubar as maçãs da barraca e, deixar eu adivinhar, vai querer que eu distraia o dono da venda para você roubar as maçãs, não é!? — falei em um tom repreensivo, parando-a no meio do caminho.
— Hehe — respondeu Nara, soltando um sorriso. — Claro que não bobinho, vou apenas pegar as maçãs e sair correndo com você!
Antes que eu pudesse esboçar alguma reação, Nara surrupiou duas maçãs da barraca e saiu correndo. Eu, por impulso, corri atrás dela. O velho Olaf percebeu o que tinha ocorrido e tentou me agarrar, mas fui mais rápido e consegui desviar e correr atrás de Nara.
— Ei Nara, volte aqui sua ladra. Devolva minhas maçãs! E você, Jack. Eu vou falar para a Anna que você está andando com essa ladra de maçãs! — Gritou o velho Olaf, enquanto tentava correr atrás de nós.
Corremos até perdermos o velho de vista e chegarmos em nosso "refúgio secreto". Era assim que nós chamávamos o lugar em que sempre nos encontrávamos para conversar. Logo embaixo de um carvalho bem grande que ficava em uma parte alta e isolada do vilarejo. A vista daquele lugar era incrível, dava para ver todo o vilarejo e todo o restante das campinas que se entendiam até Fronteira Real, e quase ninguém ia até lá. Era o único lugar em que eu podia refrescar as ideias quando estava bravo ou triste com algo. Aquele era o lugar onde eu encontrara Nara pela primeira vez.
Lembro-me claramente daquele dia. Ela chorava, recostada no canto da árvore. Suas roupas sujas e rasgadas, sua face desamparada e perdida, me fizera estender a mão. Eu a levei para casa e minha mãe aceitou acolhê-la. Cuidamos dela até que seu sorriso finalmente voltasse. De uma menina chorosa e quieta, Nara se tornou uma garota forte e sorridente. Nara ficou um bom tempo morando com a gente, até resolver ir viver por conta própria. Desde então, eu só a via quando ela queria aparecer. E, geralmente, era sempre no mesmo lugar, em frente à grande árvore.
— Vamos Jack, coma, tenho certeza de que está uma delícia — falou Nara, dando aquele seu sorriso típico.
Por um momento, eu tentei parecer estar bravo com ela, mas seu sorriso me fez ceder. Ela continuou com a mão estendida segurando a maçã para mim. Não tive escolha senão aceitar.
— Nara, quantas vezes eu já te falei que roubar é errado? — Eu a repreendia com a boca cheia de maçã, obviamente, minhas palavras não condiziam com minhas ações. Terminei de engolir o pedaço que mastigava para continuar minha frase. — Se estiver passando fome é só você me pedir e eu dou um jeito de te arrumar algo para comer. Sempre que precisar, pode contar com minha ajuda, você sabe disso.
— Como se eu fosse precisar mendigar a sua ajuda, e pare de sermão, você está adorando a maçã — disse Nara, dando mais uma mordida em sua maçã.
Olhei para Nara, e percebi que ela parecia um tanto distante. Ela vinha agindo muito estranhamente depois que saíra de casa. Muitas vezes, ela simplesmente sumia por meses e voltava com diversos machucados. Eu já a questionara várias vezes, mas ela sempre se evadia de minhas perguntas.
— Nara, posso te fazer uma pergunta? — Tentei novamente, esperando a sorte de obter alguma resposta.
— Claro, Jack — ela respondeu, juntando os joelhos com as mãos, enquanto olhava o horizonte, de costas para o carvalho. Seu cabelo esvoaçava ao vento.
— Para onde você tem ido nesses últimos meses?
— Nenhum lugar especial — ela respondeu com certa indiferença.
— Nara, você sabe que eu me preocupo com você. Ultimamente você vem agindo de maneira estranha, e tem aparecido com esses machucados... achou que eu não notaria? — falei, recebendo seu silêncio em troca. Ela apenas encarava o horizonte com um olhar distante. Folhas verdes caíam do carvalho, sendo levadas pelo vento, juntamente com minhas palavras.
Aquele silêncio começou a se estender. Tentei pensar em algum assunto, mas não vinha nada à cabeça naquele momento. Eu realmente não devia ter tocado naquele assunto, mas precisava saber o que estava acontecendo.
— Jack... — disse Nara, finalmente quebrando aquele silêncio desconcertante, se virando para mim, novamente com o seu lindo sorriso. — Quer ir ao festival de primavera comigo?
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