Capítulo 33 - O Exame

— Me desculpe, mas o período de inscrição já se encerrou. Você devia ter chegado mais cedo — disse o cavaleiro sentado à mesa repleta de papeladas, enquanto enrolava seu bigode branco em volta do dedo.

— Por favor, o senhor precisa me deixar participar, eu vim de muito longe para isso — retruquei, apoiando minhas mãos sobre a mesa.

Eu estava suando e arfando da corrida que tinha dado até o castelo. Minha camisa estava em uma mistura de suor e sangue seco, o que não passava uma boa impressão para o cavaleiro que me olhava com certa desconfiança.

— Olha, eu não me importo se você veio de longe, ou o que tenha passado para chegar até aqui. A questão é que temos regras e elas devem ser cumpridas — respondeu o cavaleiro, com seu jeito pomposo.

— Você não entende, eu... — Comecei a tentar explicar, mas ele me interrompeu.

— Se você realmente estivesse determinado, teria chegado um pouco mais cedo. — Ele então apontou para um garoto bem alto e de longos cabelos negros. Estava de costas, indo em direção ao pátio do castelo. — Aquele garoto pegou a última vaga, sinto muito, agora peço que se retire, pois tenho muito trabalho a fazer.

O rapaz deu uma olhadela sobre os ombros em minha direção, seus olhos negros pareciam divertidos com a minha cena. Um fino sorriso de deboche surgiu sob seus lábios. Eu enrubesci de raiva. Aquilo não podia estar acontecendo, só podia ser brincadeira. Depois de tudo o que passei, eu iria perder minha chance por me atrasar.

— Escute, eu não vou embora até que você me deixe entrar — falei, batendo forte na mesa. Lancei-o um olhar de pura irritação, principalmente com aquele seu bigode asqueroso.

— Você deve reconhecer seu devido lugar, garoto insolente — falou o homem, se levantando, com um semblante de ira. — Vá embora ou serei obrigado a lhe ensinar uma lição.

— Pois bem, essa eu quero ver — provoquei, franzindo o cenho.

Ele colocou a mão sobre sua bainha, pronto para me atacar. Não podia acreditar que ele levantaria a mão sobre um civil.

— Posso saber o que está acontecendo aqui? — Ouvi uma voz vinda de trás. O semblante do cavaleiro mudou instantaneamente ao ouvir a mesma voz. Ele ficou tão branco quanto o seu bigode.

— S-s-ir Amik. — O cavaleiro bigodudo tirou a mão de sua bainha e fez uma continência. — O que faz aqui?

Me virei para trás e percebi de quem se tratava. O líder dos cavaleiros brancos, Sir Amik Crowther. Seu olhar imponente era inconfundível, me lembrando do dia em que eu o vi pela primeira vez.

— Sir Lorenk! Isso é jeito de se portar? — repreendeu-o Amik. — Ameaçando um garoto inocente assim? Se esqueceu do juramento?

— M-m-me perdoe Sir, e-eu não tinha a intenção de machucá-lo. — Sir Lorenk tinha um semblante arrependido. Ele olhava para o chão, envergonhado. — Eu só iria ensiná-lo uma lição.

— Eu ouvi toda a conversa e não vejo que lição você possa ensiná-lo — disse Amik. — Agora, faça-me o favor e deixe o moleque entrar.

— C-como assim? — Lorenk parecia inconformado. — M-m-mas as regras, elas dizem que...

— Vai desacatar uma ordem minha? — Sir Amik o interrompeu, lançando-o um olhar ameaçador, fazendo com que ele engolisse em seco.

— N-não s-s-senhor, eu não... — Lorenk gaguejava e suava frio. Eu devo dizer que estava me divertindo com aquela cena.

— Então inscreva-o logo e deixe que ele participe. — Sir Amik virou seu olhar para mim, e na mesma hora eu entendi porque o cavaleiro sentia tanto medo daquele olhar. — Afinal, se ele não estiver realmente obstinado a isto, não fará diferença para os outros, será apenas mais uma pequena pedra no sapato.

— Até mesmo a menor pedra no sapato, depois de uma longa viagem, incomoda ao ponto de acabar derrotando até o mais bravo guerreiro — respondi, devolvendo um olhar tão firme quanto o seu.

Seu olhar sério perpetuou por alguns instantes, até que ele cedeu em uma gargalhada. Ele andou até mim, em seguida, falou:

— Vamos ver então, o que essa pequena pedra pode fazer. Agora inscreva-se e vá se lavar. Afinal, você não quer causar uma má impressão com essas roupas, não é?

· · • • • ✤ • • • · ·

— Pronto, agora assine aqui — sugeriu Lorenk, me dando uma pena com a ponta molhada de tinta, apontando para o papel em cima da mesa. — Se não souber escrever, apenas rabisque algo.

— Eu sei escrever! — respondi com uma face emburrada e assinei. — Mas para que tudo isso?

— É um termo de responsabilidade para, caso você morra, a culpa não seja nossa — explicou com certa indiferença, enquanto ajuntava os restantes dos papéis. — Então seu nome é Jack, apenas isso?

— Sim... — menti sem o olhar nos olhos. Há muito tempo eu deixara de usar o sobrenome de meu pai, e nem ousaria a usá-lo.

— Estranho... — Lorenk me lançou um olhar de dúvida, enquanto enrolava seu bigode. — Você sabe escrever e não é um nobre, isso é raro.

— Já posso ir, ou vai me fazer mais perguntas?

— S-sim, sim, pode ir — redarguiu Lorenk, fazendo sinal com a mão para que eu fosse embora.

Usei a água de um poço próximo para tirar, ou pelo menos disfarçar ao máximo o sangue em minhas roupas. Corri até à porta que dava acesso ao pátio. Lorenk deu sinal para que o cavaleiro de guarda a abrisse. Minha visão se ofuscou momentaneamente com a luz que vinha do pátio enquanto a pesada porta se abria, fazendo com que eu ficasse ainda mais apreensivo para saber o que me aguardava.

Havia muitas pessoas naquele lugar, mais do que eu poderia contar. Talvez alguns tivessem motivos nobres para estarem lá, outros muito menos. Mas todos com um mesmo objetivo; se tornar um cavaleiro branco.

Por ser o último a entrar, todos os olhares se voltaram a mim. Olhares intimidadores, como se estivessem me analisando. Afinal, eram meus oponentes naquele momento, e eu sabia que deveria passar por todos eles para conseguir o que almejava.

Eu ouvia burburinhos por todo o canto, será que era de mim que estavam cochichando? E se fosse, o que estavam falando? Minhas pernas tremiam, não conseguia disfarçar o nervosismo.

Eu fechei os olhos, cerrei os punhos, mordi os lábios e, por um momento, lembrei de todo o meu esforço para chegar ali. Lembrei de Sarah e de todo o tempo que ela perdeu me treinando. Eu não deixaria aquelas pessoas me intimidarem.

— Olha por onde anda, imbecil. — Acabei trombando em uma muralha, olhei para cima para ver quem havia me xingado e senti meu sangue ferver ao ver que era o mesmo garoto alto de antes. Algo nele me irritava profundamente. — Estou falando com você, baixinho — completou o rapaz.

— Da próxima vez, não fique na minha frente — repliquei, encarando seus olhos negros.

— Quem você pensa que é? — O rapaz me suspendeu pela camisa, com uma facilidade desconfortante.

Segurei forte nos punhos dele e apertei com toda a minha força, fazendo com que ele me soltasse. Me surpreendi com o quanto ele era forte. Eu tinha apertado bem nas articulações e, mesmo assim, demorou para me soltar.

— Sou alguém que se tornará um cavaleiro — respondi ao cair em pé no chão, encarando a face daquele garoto alto. Levei meu olhar a todos em volta daquele pátio.

O rapaz tinha um olhar furioso, mas não só ele. Os olhares daquelas pessoas se tornaram mais ameaçadores ainda, e os murmúrios aumentaram de tom. Eu tinha cutucado a colmeia e eles eram como abelhas furiosas, prontas para me aferroar.

— Olha só, finalmente te achei, primo!

Um garoto envolveu o braço em volta de meu pescoço, enquanto falava de forma animada, com um sorriso brilhoso. Todos ficaram sem entender muito bem o que acontecia, eu estava mais confuso do que eles.

— O quê? Primo? — Olhei bem para o rosto dele. Um garoto de rosto fino, olhos verdes gritantes e um cabelo loiro bem curto. Com certeza eu não o conhecia e não era um primo meu.

— Ei pessoal, peço desculpas. — Ele falava de um jeito extrovertido, de forma que parecia convincente a todos. — É que meu primo está bastante nervoso e as vezes fala sem pensar. Não é mesmo, primo? — Ele piscou para mim.

— Ah... claro, é isso mesmo... — respondi, sem jeito.

Os olhares ameaçadores se cessaram, e pouco a pouco foram perdendo interesse em mim. Eu não era mais o centro das atenções. O rapaz alto parecia mais calmo e apenas nos encarava, com um semblante confuso.

— A propósito, meu nome é Sylas Bromonth. Terceiro filho da família Bromonth. — Ele me cortou, antes que eu começasse a discutir e estendeu a mão para mim, soltando novamente um sorriso largo.

— O meu é Jack. — Suspirei, me acalmando um pouco, então apertei a mão dele de volta.

— Há! Isso é mesmo tocante — disse o rapaz alto. — É uma pena que, até o final do exame, estarão um contra o outro.

— E você é? — inquiriu Sylas continuando com seu sorriso. Ele parecia tentar ser amigável com todos. Era bem diferente da maioria dos nobres que eu conhecia.

— Meu nome não te interessa — reagiu com indiferença a Sylas. Então apontou para mim e disse em voz alta: — Quero mesmo ver se você é tudo o que diz ser! — Todos novamente voltaram a atenção para nós. Um silêncio desconfortante perpetuou por todo o pátio.

— Se você pensa que... — Eu já ia começar a falar, quando algo tomou toda a nossa atenção.

— Muito bem, seus imprestáveis! — Uma mulher gritoude uma varanda acima do pátio. Usava a armadura dos cavaleiros brancos eapoiava suas duas mãos sobre sua espada. — O exame começará agora! Todos em fila.

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