CAPÍTULO DOIS
Bati mais uma vez na porta antes de usar a chave reserva que Stan havia me dado.
Ele raramente parava em casa. Estava sempre fora devido a complexidade do seu trabalho e me dava carta branca para acessar seu lugar de descanso quando eu bem quisesse. Liguei uma vez para me certificar de que ele realmente não estava e só então entrei.
Apesar de confiar em mim, Stan odiava quando eu invadia sua casa quando ele estava. Nunca entendi seu incômodo em relação aquilo, a sensação que eu tinha era de que ele escondia algo que não queria que ninguém visse, nem mesmo as pessoas que ele considerava mais próximas dele ── mesmo que o próximo fosse por uma questão de obrigação.
Depois que entrei e fechei a porta fui colocando meu capacete em cima da cômoda que ficava perto da porta e deixando minha mochila no chão. Passei pela sala indo em direção até a cozinha. A casa de Stan não era muito grande, era bem organizada e possuia um segundo andar que levava aos quartos e a um segundo banheiro que só ele usava. Ela também tinha um porão, mas eu nunca havia descido lá por razões óbvias; Aquela área era proibida para qualquer um, assim como seu quarto.
Ao me aproximar da cozinha ouvi um barulho e parei atrás da parede, perto da entrada. Parecia que alguém estava fazendo alguma coisa, as panelas batiam e a água caia dentro da pia. Espiei sorrateiramente e vi um garoto de costas. Ele estava usando uma regata branca e uma bermuda jeans marrom claro, mas o que mais me chamou não era sua aparência ── cabelos brancos que iam até o ombro e uma pele clara como a neve ── mas sim o corpo pequeno, magro e os vários ferimentos espalhados pelos seus braços e pernas. Cortes que aparentavam serem profundos, hematomas que não apresentavam uma boa aparência e algumas outras marcas.
Entrei no cômodo silenciosamente e fiquei parado atrás da mesa, olhando para ele por mais alguns minutos. Antes que pudesse dizer algo esbarrei sem querer em uma das cadeiras, causando um barulho que fez com que ele se virasse em minha direção bruscamente. Suas costas bateram na quina da pia de mármore e ele soltou um grunhido que mais parecia um choro de dor.
── Desculpa. Não queria te assustar. ── falei, levantando minhas mãos em sinal de calma.
Ele estava agitado. Parecia nervoso e seu pequeno corpo tremia.
── Eu sou um amigo do Stan. Ele está?
Eu sabia que ele não estava, mas queria manter algum assunto com aquele garoto. Aquelas marcas estavam me incomodando. Ele não me respondeu, apenas balançou a cabeça em sinal de negação. Dei um passo para frente e o vi recuar um para trás mesmo que não tivesse mais para onde ir.
── Esses ferimentos ── apontei para meus braços e ele olhou para os dele. ── Eles podem infeccionar se você não cuidar. Eu posso?
Ficamos nos encarando por alguns minutos. Aos poucos eu ia me aproximando mais dele, sempre trocando olhares para saber se estava tudo bem eu me aproximar.
Estava tudo bem, não é?
Quando finalmente consegui ficar perto dele ergui minha mão e segurei com cuidado um dos seus braços, analisando os ferimentos. Eu não era nenhum médico nem tinha entendimento sobre primeiros socorros, mas sabia identificar quando um machucado estava ruim, e aqueles estavam péssimos. Além de alguns não serem superficiais como eu imaginei, grande parte deles estavam sujos. Algo que eu sabia bem o que era estava crescendo dentro de mim.
Não era compaixão.
Não era pena.
Era raiva. A raiva que eu havia sentindo uma única vez na minha vida e que tinha acabado com ela.
── Eu posso cuidar disso? ── perguntei, erguendo um pouco o braço dele. Ele me encarou, e então acenou que sim, timidamente.
A primeira coisa que fiz depois de pegar álcool e alguns pedaços de pano foi lavar aqueles ferimentos na pia do banheiro com água e sabão. Eu sabia que estava doendo pois ele fez uma cara de morte para mim. Uma segunda coisa me chamou a atenção quando ele abriu a boca para gemer em reclamação; Seus dentes eram extremamente pontudos. Nunca havia visto alguém com uma arcada dentária daquele jeito e tinha achado diferente, talvez um pouco atraente.
Ele se sentou em cima da mesa e eu comecei a secar e enfaixar os machucados como podia. Estava um perfeito silêncio, até que ele decidiu perguntar algo.
── Qual o seu nome?
A pergunta saiu baixa, suave e calma. Sua voz transmitia inocência.
── Call. Nathan. ── me corrigi, sorrindo.
Silêncio novamente, e então outra pergunta. Ele estava começando a ficar falante, e eu gostei daquilo.
── Você e o Stan... São amigos?
Terminei com o último ferimento e comecei a guardar as coisas. Coloquei elas no lugar onde as encontrei e me sentei ao lado dele.
── Somos e não somos. ── cruzei meus braços. ── Eu trabalho com ele. Stan me ajudou com uma coisa no passado e agora eu o ajudo de volta. É uma troca, entende? Somos próximos na medida do possível.
Ele abaixou a cabeça, unindo suas mãos sobre suas pernas.
── Entendo.
── Mas e você. ── ele me olhou. ── Tem um nome?
── Tom!
Tom se encolheu do meu lado assim que ouviu a voz grave de Stan vir da entrada de casa. Stan parou na entrada da cozinha e nos encarou assim que nos viu próximos um do outro.
── O que está fazendo aqui?
── Se esqueceu? Foi você mesmo quem pediu para eu viu te entregar aquela coisa.
── Não falei com você. ── grosso. ── Falei com ele.
Stan apontou para Tom, lançando-lhe um olhar duro. Tentei entender o que estava acontecendo através daquela troca de olhares deles, mas Stan apenas balançou sua cabeça em direção a saída da cozinha e Tom saiu de perto de mim. Ao passar por Stan ele abaixou a cabeça, nos deixando a sós.
── Por que falar assim com o garoto?
── Não é da sua conta. O que estavam fazendo?
Não respondi.
Levantei da mesa e caminhei até a geladeira. Peguei uma garrafa de água, um copo de cima da pia e então me servi um pouco da água. Me escorei na pia e olhei para ele.
── Eu cheguei, vi o garoto aqui e começamos a conversar. ── respondi, levando o copo até minha boca.
Stan andou até mim e antes do copo tocar meus lábios ele agarrou meu pulso.
── Estava parecendo que vocês estavam sendo super amigos já.
── Ele estava ferido. Eu só o ajudei, se é o que quer saber. ── encarei ele.
Stan sorriu.
── Que amável da sua parte, Callum. ── sua expressão voltou a ser fria e o modo como mencionou meu nome me irritou. Desgraçado. ── Fique longe dele, entendeu? E sai da minha casa também.
Sorri de volta.
── Com o maior prazer.
Antes de ir embora joguei em cima da mesa de centro os papéis com as informações de uma garota que seria um alvo fácil para Stan.
Depois de todas aquelas perguntas eu já sabia quem havia causado aqueles ferimentos em Tom, e sabia que ele e Stan tinha alguma coisa. Só aquelas duas coisas deveriam ser o bastante para que eu mativesse minha mente e pensamentos longe de Tom, mas eu poderia gostar da sensação de bater de frente com o perigo. Minhas boas ações não haviam me levado a lugar algum. Talvez fosse a hora de jogar tudo para o alto.
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