Capítulo 50

Parei diante daquela sala fechada sentindo o coração pulsando a todo a vapor. Minhas mãos e pernas tremiam, suor escorria pela minha testa e eu respirava com certa dificuldade. Até o pequeno John Paul dentro da minha barriga se mexia mais do que o normal.  Eu precisava me acalmar, mas como seria possível naquele lugar terrível?

— Está se sentindo bem, querida? Quer um pouco de água? — Fui interrogada por senhorinha de cabelos grisalhos, que se encontrava a minha frente.

— Estou bem, é só que... — Fiz uma pausa e massageei meu peito tentando aliviar a agonia ali instalada. — Não gosto nada desse lugar.

A mulher suspirou e esboçou um pequeno sorriso, como se entendesse muito bem meus sentimentos. Ela contemplou as paredes cinzas ao nosso redor e também os guardas, só esperando o momento de liberar as famílias para o horário de visita.

— É a sua primeira vez aqui? — Ela quis saber e eu, apesar de muito receosa, imaginei que conversar me ajudaria a distrair, então confirmei. — Irmão? Pai? Namorado?

Uni as sobrancelhas e levei poucos segundos até entender a questão. A mulher estava sondando provavelmente tentando entender o que, ou melhor quem, era a razão de uma jovem grávida apavorada estar ali naquele presídio.

— Marido. — Aquela palavra saiu dos meus lábios deixando um gosto amargo para trás.

Eu não queria estar ali. Meu maior desejo era manter distância de James enquanto ele pagava pelos seus erros e eu me recuperava das graves feridas causadas por minha rebeldia e dos traumas decorrentes disso. Nos meses seguintes à toda aquela confusão, vi minha vida entrando nos eixos aos poucos. Enfrentei dias bons e maus e, para falar a verdade, ainda me sentia presa em uma montanha-russa de altos e baixos, mas no geral, tudo parecia estar melhorando, até não estar mais.

Sabendo da saúde fragilizada da minha pobre sogra, eu, após combinar com Jason, me dispus a fazer visitas constantes a fim de conversar e ler a bíblia para ela, mesmo ciente que estando desacordada, ela possivelmente não me ouviria. Eu lhe fazia companhia e, apesar de ouvir os médicos repetirem que o prognóstico era negativo, com chances mínimas dela sobreviver ou despertar novamente, entreguei a causa ao Senhor. Ele não me respondeu com uma cura em si, mas me deu uma chance única.

Em uma manhã incomum, eu cheguei para vê-la e a encontrei supreendentemente acordada, lúcida e conversando, como se os dias anteriores de muita desesperança quanto a seu estado, fossem uma mera ilusão.

Foi um choque gigantesco e minha única reação ao entrar naquele quarto foi abraçá-la. Sequer tive tempo de pensar em avisar Jason, tamanha era minha felicidade. Ela também ficou muito feliz de me ver, mas logo quis saber de seus filhos, especialmente meu marido. Foi um momento delicado e eu não quis estragar tudo trazendo as más notícias para deprimi-la e a distraí contando sobre a evolução da minha gestação, o que desviou seu foco apenas por alguns minutos, pois ela voltou ao seu tópico de maior aflição.

— Amber, meu menino James, ele está muito encrencado? — sondou e minha resposta foi apenas virar a cabeça Quando voltei a encará-la logo vi seus olhos repletos de lágrimas. — Oh, James... Tanto que lhe avisei...

— Por favor, dona Joana, não pense nessas coisas. A senhora ainda está muito fragilizada e...

— A-Amber, eu quero que me prometa algo em relação ao James... — Sua voz estava tão hesitante que me partiu o coração. — P-por favor.

— Eu não sei se devo prometer nada em relação a ele, dona Joana. Seria muito difícil pra mim e...

— S-sei disso, sei disso, mas... — Ela fungou. — Não posso morrer sem antes saber que alguém cumprirá esse meu desejo.

— Oh, dona Joana, não faça isso comigo — implorei, tomada de emoção também.

— É muito simples, apenas entregue uma carta a ele — explicou em um tom de súplica e segurou minha mão com força. — E-eu a escrevi antes de ser acometida por essa doença e não sei quanto tempo tenho. Esse é meu último desejo. Será que pode realizá-lo por mim. — Ela tocou minha mão e acrescentou: — De uma mãe para outra.

Talvez sendo movida pelos hormônios ou a sensibilização com a dor daquela mulher, eu me vi obrigada a aceitar seu pedido. E realmente foi o último, pois um dia após dona Joana apresentar uma melhora súbita e ganhar tempo o bastante para dar um abraço em todos e providenciar que a carta estivesse comigo, o seu quadro piorou e ela nos deixou.

Os dias sombrios de luto vieram e se foram. Eu tinha uma missão a cumprir e mesmo com toda a mágoa dentro de mim, sabia que James não deveria ser privado de ter acesso às últimas palavras de sua mãe, mas ainda assim posterguei essa tarefa ao máximo até que não tive mais como fugir. Jason, após se casar, foi passar a lua de mel em outro estado, comunicando a mim a necessidade de levar alguns itens imprescindíveis para o meu marido em seu lugar.

E depois de muita relutância, lá estava eu, aguardando para entrar no pátio onde, depois de meses, eu reencontraria meu marido.

Fiquei alguns minutos conversando com a senhora, que me deu algumas dicas e cerca de cinco minutos depois, recebemos autorização de ir ao encontro dos nossos presos.

Minhas mãos suavam e eu demorei muito em criar coragem de acompanhar o grande grupo. Várias perguntas rondaram minha mente e eu temia me expor ao perigo de novo. E se James machucasse a mim, ou pior, ao meu filho? E se eu não conseguisse mais sair dali? Eu estava apavorada.

— Vai ficar parada aí, dona? — perguntou o agente penitenciário que controlava quem entrava e só então percebi que só restava eu ali.

Sem opções, segurei firme a sacola com os artigos requisitados por James e dei o primeiro passo seguido lentamente por outros até me ver do outro lado do portão de ferro. Foi inevitável olhar para trás ao ouvir o barulho da trinca sendo passada, deixando claro de que só me restava um caminho pela frente.

 Prossegui mais alguns metros através de um corredor comprido e logo cheguei a entrada do tal pátio. Estar naquele lugar era muito estranho para mim. Eu não fazia a menor ideia do que me esperaria, mas, pedindo graça a Deus, não recuei.

Para mim, seria difícil encontrar James imaginando quantos homens certamente deveriam haver por ali, mas, contrariando minhas expectativas, nem precisei procurar muito, pois assim que entrei o vi parado apenas a alguns pés de distância da entrada.

Senti o coração acelerar quando nossos olhos se encontraram. Mas isso nada tinha a ver com a paixão outrora sentida por mim, em minha tolice. Estar diante daquele homem era como encarar de frente ao pecado pelo qual fui enredada. O amargor tomou novamente espaço em minha boca e eu não conseguia pensar em nada além de “como pude ser tão tola? Como pude não enxergar a verdade? Como pude pensar que Deus o converteria só porque eu queria?”.

O que me restava agora era encarar aquela situação, fazer o que deveria ser feito e partir o quanto antes.

Foi ele quem se aproximou e logo pude perceber no seu semblante uma alegria que emanava através dos seus olhos e sorriso. Ao mesmo tempo ele também parecia bem chocado e desacreditado. Já eu não consegui expressar nada além de um longo suspirar e não me sentia nada confortável. Havia uma agonia e agitação dentro do meu ser que não passariam até que eu estivesse segura no carro do meu pai, aguardando por mim do lado de fora.

Antes que eu pudesse pensar ou reagir, James em um movimento rápido tirou a sacola das minhas mãos e me abraçou com força.

— Oh, meu amor, minha Amber! Olhe só para você! Está linda! Como sua barriga cresceu! Ah! Eu sabia que você viria e...

Não o deixei terminar e num ímpeto de força, eu o empurrei, pulando para longe dele.

— Não encoste em mim — falei entredentes e o vi erguer as sobrancelhas.

A tensão entre nós se tornou quase palpável e por algum tempo ficamos em um silêncio nada confortável. Eu olhei para baixo, evitando encará-lo e esperei quieta até ouvi-lo sugerir que nós fôssemos nos sentar em um local próximo e assim fizemos.

Havia um turbilhão de pensamentos se passando em minha mente por segundo. Nada era mais como antes entre James e eu. Tudo agora se resumia a mágoa da traição, da mentira e engano. Meu coração ainda estava muito machucado e não se curaria facilmente.

— Você está bem? — ele perguntou com muita cautela e dessa vez tomou o devido cuidado em ficar a uma distância razoável de mim.

— Tão bem quanto uma mulher visitando seu marido na cadeia deveria estar — respondi baixo.

— Certo. — James cruzou os braços e coçou a nuca. — Tenho a impressão de que não gostaria de ter vindo, mas fiquei muito feliz que tenha feito isso por mim.

— Fiz pela sua mãe, Céu — declarei com sinceridade. Talvez estivesse sendo dura demais, mas não queria vê-lo supor que, minha presença ali de alguma forma, estaria relacionada comigo cedendo e concordando com suas atitudes. — Antes de partir ela me pediu para te entregar isso... — Eu então tirei da sacola o envelope branco contendo o nome dele em letras garrafais e lhe dei. — Não pude recusar seu último pedido.

— Entendi. — Ele segurou o papel e o encarou fixamente. — Nem pude me despedir dela.

Uni os lábios e notando sua tristeza, não pude evitar sentir pena.

— Sinto muito. — Expirei, mas ainda me mantive distante. — Apesar de tudo, ela te amava.

Ele fez que sim com a cabeça e me olhou com os olhos úmidos.

— E quanto a você? Ainda me ama, Amber? — Ele foi ousado e segurou minha mão e não me deixou soltá-la.

Não gostei nada daquela atitude e uma raiva crescente foi se alastrando em mim e eu recolhi meu braço.

— Não quero falar disso! — declarei com aspereza, almejando pôr um fim em qualquer tópico relacionado a nossa vida a dois.

James forçou uma risada escarnecedora e pareceu ter perdido um pouco da compostura.

— Há gente muito pior do que eu aqui. — Ele bateu no próprio peito. — Homens cruéis com uma longa lista de crimes e eles sempre recebem visitas de suas mulheres, mas, e quanto a mim? Há meses recebo notícias suas por terceiros e agora quando enfim posso estar ao seu lado, sou tratado com essa frieza! Se você esqueceu, faço questão de te lembrar, você é minha esposa! E não acredito que seu amor por mim tenha sumido do dia para a noite.

Minhas bochechas começaram a esquentar e eu fechei punho, sentindo muita vontade acertar um soco muito bem dado na cara dele.

— Ah, pelo amor de Deus James! Você acha mesmo que depois de tudo o que me fez eu viria cheia de amores e beijos como as mulheres dos seus amiguinhos criminosos? — questionei elevando a voz. — Se não percebeu, faço questão de esclarecer, acabou, James, Céu, ou seja lá como te chamam aqui. Não vou viver aceitando suas atitudes e muito menos passando pano para seus erros, acreditando numa mudança que se depender da sua força de vontade, jamais acontecerá!

Não planejei aquela briga, mas percebi que mexi com fogo quando o vi levantar e andar de um lado para o outro, bagunçando seus próprios cabelos. Ele demorou alguns segundos, mas logo estava parado diante de mim apontando seu dedo indicador para o meu rosto.

— Você está assim porque arrumou outro homem? — acusou-me tendo seu ciúmes inflamado. — Diga agora, quem é? Eu não vou aceitar...

— James! Qual o seu problema? — Bufei. — A última coisa que eu quero agora é me envolver com um homem, e isso inclui você. Estou focada no meu filho...

— Nosso filho. — Ele corrigiu cheio de irritação. — É meu filho também!

— Tudo bem, nosso filho. Acredite, ele é o único motivo de eu estar bem — ressaltei. — Você me feriu muito, me magoou, mentiu para mim repetidas vezes, traiu da pior forma possível e humilhou a mim e a esse bebê a quem você quer tanto reivindicar, mas não pensou nele por um segundo sequer antes de invadir e assaltar aquela droga de joalheria, sabe-se Deus porquê! — explodi e tentando voltar a razão, fechei os olhos por alguns segundos e disse: — Mas, apesar de tudo isso estou aqui porque quero dar um fim a toda essa mágoa. Quero perdoar e tentar seguir em frente, vivendo um dia de cada vez, na graça de Deus.

— Seguir em frente? Pois se acha que eu vou entregar o divórcio, está muitíssimo enganada — decretou. — Eu posso ser um idiota e ter estragado tudo, mas eu ainda quero você e nosso filho. Não vou aceitar esse fim.

Divórcio...

Seria mentira alegar que não considerei aquele tal fim para nós dois. Eu teria total apoio dos meus pais, da igreja e certamente de um juiz. O pastor que estava me aconselhando e ajudando, havia me dado essa opção. Acontece que eu não queria me preocupar com o assunto naquele momento. Eu já tinha todas as atenções voltadas para o meu bebê e sabendo que seu pai não sairia da vida de reclusão por um bom tempo, resolvi me poupar de passar por um estresse antecipadamente.

— Há! Faça-me o favor, James. Você não está em posição de me fazer exigência alguma! — Eu o medi de cima a baixo. — Olhe onde está! Veja as besteiras que fez. Dizia que me amava, mas corria para os braços daquela prostituta do morro e...

— Isso é mentira! — interrompeu-me. — Não te traí com ela.

Nessa hora eu me levantei, sentindo todo o meu corpo tremendo

— E eu devo acreditar em você, que não passa de um homem inocente e injustiçado, não é mesmo? — ironizei e avancei na direção dele. — Olhe nos meus olhos e assuma que foi fiel enquanto estivemos juntos. De corpo e mente.

Ele engoliu em seco, mas se manteve me encarando.

— Não te traí — sussurrou, sem muita convicção. — Mas... — Ele umedeceu os lábios e então virou a cabeça para o lado direito. — Confesso que pensei nisso várias vezes quando você me provocava. Eu quis sim, assumo, principalmente quando você agia como uma garota mimada e tinha suas crises. Nessas horas eu desejava e me imaginava correndo para os braços de outras mulheres.

Um calafrio passou por minha nuca, meu estomago se embrulhou e meus olhos se encheram de lágrimas. Ouvi-lo admitir aquilo sem nenhum rubor, foi como levar um soco. Havia uma linha muito tênue entre cobiçar e concretizar seu desejo. Quem podia me garantir que James não a havia cruzado?

— Isso só me faz enxergar que o seu suposto amor nem mesmo era o bastante para garantir sua fidelidade a mim. — Ele abriu a boca para contestar, mas eu logo emendei: — S-se conhecesse e amasse a Lei de Deus saberia que aquele que olha para uma mulher com intenção impura, já adulterou com ela no coração. Mas você não ama a Deus. Nunca amou e... — fiz uma pausa para secar as lágrimas escorrendo pelo meu rosto copiosamente — ainda continua afundado no lamaçal do pecado. E se você não tem temor a lei e não é fiel ao Senhor, jamais terei garantia que será fiel a mim. E-e sei disso porque se você tivesse um pingo de consideração por quem Ele é, jamais colocaria a culpa das suas traições, ainda que mentais, sob minha responsabilidade. — Suspirei, tentando conter minhas emoções fora de controle e o encarei. — Esse foi meu maior erro, James. Não entender que um homem que não ama a Deus, rejeita sua Lei e é incapaz de cumpri-la.

— Sei que errei muito e peço desculpas, mas, na maioria das vezes, tudo que fiz foi por amor, Amber. Eu queria dar uma vida digna a nossa família, porém, nada saiu como planejado. Contudo, por favor, não duvide do meu amor! Você e nosso filho são tudo o que me restou e...

— Se você quer perdão, de verdade, quero dizer que está perdoado. Tenho orado e pedido a Deus graça sobre isso, porque confesso que não foi fácil conseguir chegar a esse ponto de garantir a você que te perdoo, apesar de tudo — declarei e ele sorriu por um segundo antes de eu quebrar suas expectativas. — Porém, saiba que apenas Deus pode dar uma vida digna e é a Ele a quem vou dedicar todo o meu amor e afeições daqui para frente. Meu perdão não significa aceitação sobre sua conduta ou te da motivo para ter esperanças de que eu vou estar aqui fazendo papel de esposa amorosa e complacente, porque eu não vou. Eu jamais estaria aqui se não tivesse com meu coração no lugar certo.

Nós ficamos em silêncio. Ele mordeu os lábios me observando e apenas meneou a cabeça compreendendo minhas palavras, embora eu não tenha certeza de que ele aceitaria facilmente a perda.

— Posso te pedir ao menos uma coisa, Amber? Em consideração ao que vivemos e ao sentimento que tenho por você? — ele indagou e de repente eu consegui enxergar no homem a minha frente um ser humano carente de amor e de perdão, não o meu, mas de Deus. — Sei que não mereço, mas, confesso que é horrível estar aqui sem notícias do mundo exterior. Pão e Pipoqueiro parecem ser o únicos que ainda se lembram de mim e escrevem de vez em quando, mas eles não podem por os pés aqui. Eu fico, a cada dia de visita, observando os caras aqui dentro recebendo alguém e me dói saber que não tenho ninguém por mim...

Apertei os lábios compreendendo que devia ser difícil. Embora James merecesse a punição por seus erros, ele ainda era uma pessoa, um indivíduo provido de sentimentos.

— Por favor, venha me ver e me dê notícias suas, do nosso filho. Eu prometo tentar me comportar e não esperar de você nada do que eu anseio. Mas, por favor, não me deixe aqui abandonado — pediu e vi que seus olhos brilhavam com uma emoção contida.

— Não vou prometer — disse. — Confesso que odeio estar aqui. Mas, vou pensar.

Tentando mudar o clima, entreguei a ele a sacola com os suprimentos e ele agradeceu, principalmente a comida que minha mãe, misericordiosa com a situação, tinha enviado junto para ele. Conversamos um pouco mais, eu contei sobre a gravidez, embora tenha omitido o nome que havia escolhido para nosso filho, e apesar da distância e frieza que mantive entre nós, no fim, eu percebi que aquilo tinha sido essencial para mim.

Não era sobre James ou nosso casamento, ou sobre meus sentimentos amorosos. Mas era sobre eu estar recomeçando a minha vida com a graça de Deus. E encarar meu maior problema de frente havia sido essencial, como se um peso estivesse saindo dos meus ombros.

E assim me despedi, agradecendo a Deus por ver que mesmo a despeito das minhas dores, o Senhor estava me ajudando.

...

Olá, leitores!
Estamos chegando ao final dessa trama.
O que vocês esperam para a conclusão?

C.H.S

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