Capítulo 25

— Não acredito que você me convenceu a sair de casa, Hanna — murmurei ajustando meus óculos de sol no rosto. — Poderia estar lendo meus livros perfeitos onde os homens são lindos e cavalheiros, diferente do mundo real.

— Como vai conhecer homens cavalheiros se só fica enfurnada no quarto? Pelo amor, né, Amber? — Ela riu para mim. — Ainda existem bons homens segundo a concepção de Deus, eu creio.

— Sim, nos meus livros, eles existem — lamentei. — Apenas lá estão os finais felizes.

— Oh, minha irmã, deixe disso! Veja essas árvores, as flores e esse dia de sol feito por Deus! — Ela encheu os pulmões de ar. — Você precisa sair desse mar de tristeza e se alegrar. Que tal se a gente cantar uma música?

Suspirei e deixei cair os ombros. Mal aguentava o peso do meu corpo e minha irmã alegre além de me forçar a caminhar no parque próximo de casa ainda queria que eu cantasse? Se existia tortura maior, eu desconhecia.

— Ele é o Leão da tribo de Judá, Jesus tomou nossas cadeias e nos libertou, Ele é a Rocha da nossa vitória! — Ela fez uma pausa na cantoria e me cutucou incentivando a continuar. — Sua vez, Amber!

Só podia ser brincadeira.

Eu a encarei por sobre o óculos e cruzei os braços. Ela não ia desistir fácil e ainda ameaçou me expor a vergonha pública quando começou a bater palmas. Sem opções, eu entonei baixo e desafinado:

— A nossa força em tempos de fraqueza, uma Torre em tempo de guerras, ó esperança de Israel!

— Essa é a minha garota! Estou com saudades da Amber alegre. Você tem Jesus, menina! Com essa cara de velório está até parecendo aquela personagem daquele ridículo filme adolescente de vampiros que me obrigou a ver semana passada. Põe um sorriso nesse rosto, mulher. — Ela deu algumas batidinhas em meus ombros e esticou minhas bochechas até ver um sorriso falso sendo formado ali. — Muito bem.

— Podemos voltar pra casa agora? Se a mamãe ver a bagunça que deixei em nosso quarto, vai me deserdar. O que não precisa muito, afinal ela te ama muito mais — reclamei e notei o olhar inquisitivo no rosto de Hanna. — O que foi? Estou mentindo?

— Não diga bobagens, Amber. — ela contestou. — A mamãe nos ama igual.

— Há! Tá bom! Certamente, Jacó dizia isso para os seus dez filhos e olha no que deu. O pobre José foi vendido igual a um cabrito! — dramatizei.— Sempre há um filho preferido e perfeito, você está aí pra provar minha teoria.

— E você perde tempo demais pensando em coisas bobas, Amber. — Ela balançou a cabeça e me abraçou, levando tudo aquilo na brincadeira. — Além do mais, não sou perfeita. Tenho minhas lutas, dores e motivos de choro. Mas, ao contrário de você, que fica choramingando aos quatro cantos e não desabafa com ninguém, eu engulo o choro e quando estou com problemas procuro auxílio.

Ergui as sobrancelhas, sentindo sua indireta e dei uma risadinha.

— Não é pra tanto, Hanna. Se bem me lembro, você ficou bem arrasada quando fomos levar o Noah na rodoviária. Eu até te ouvi chorando baixinho durante a noite — declarei e a vi revirar os olhos. — Não sabia que era tão próxima dele.

— Muito observadora, irmã. — Ela forçou um riso e pareceu meio incerta quanto à algo. — Só chorei porque na verdade, eu... — Soltou o ar de modo pesaroso e em seguida, como se mudasse o rumo de seus pensamentos, abriu um largo sorriso. — Deixa pra lá. Sabe o que vai deixar seu dia melhor? Sorvete de flocos! Vi uma loja aqui perto. Vamos lá?

— Você pode ir por mim? Preciso descansar um pouco. Meu corpo sedentário ja está me cobrando por esses minutinhos de caminhada. — Alonguei meu pescoço e fui me sentar no banquinho de madeira mais próximo. Hanna não demorou muito a concordar, ela, em um comportamento estranho, me pediu para espera-la e saiu andando rápido.

Sem entender nada, eu fiquei observando-a de longe e quando me cansei, retirei meu óculos e passei a contemplar a paisagem enquanto pensava com muita dor em todos os meus problemas a serem resolvidos.

Hanna podia ter sido benevolente em querer me ajudar, arrumando um jeito de me distrair, mas nem toda a beleza e sorvete do mundo seriam capazes de aplacar a dor da rejeição em meu peito. Eu não entendia meus próprios sentimentos e gostaria sim de ter um pouco mais de amor próprio, mas eu seria mentirosa se alegasse não estar sentindo a ausência de um certo homem turrão. Além de se afastar, aquele, cujo nome eu não queria sequer mencionar, também me deixou longe das missões.

Aquilo podia ser um sinal de Deus. Talvez fosse hora de desistir do Morro da Luz, do Céu, do Amendoim, do Pipoqueiro, do Pão e todas aquelas almas perdidas. Talvez servir em outro lugar tal como Noah, fosse o melhor pra mim e...

— Amber? — Tomei um susto ao ouvir aquela voz masculina rompendo meus pensamentos e em seguida notei a figura de um rapaz se aproximando sorridente. Um rapaz conhecido. — Que bênção de Deus encontrá-la por aqui.

— Jason! — Engoli em seco sem acreditar naquela coincidência. Eu estava mesmo diante do irmão mais novo do Céu? — O-o que faz aqui?

Ele riu um pouco constrangido.

— O hospital onde minha mãe está se tratando é aqui perto e eu resolvi dar uma volta nesse parque enquanto espero o médico chegar. — Ele umedeceu os lábios. — Posso me sentar aqui com você?

Assenti e me arrastei para o lado dando espaço ao rapaz.

— Como está a dona Joana? — sondei curiosa e de repente uma culpa tomou conta do meu coração. Apesar das minhas promessas, acabei deixando as visitas a mãe de James de lado. Na verdade, eu não me sentia confortável, uma vez que minha relação com Céu estava cada vez mais estreita. — Sinto muito não ter ido mais fazer visitas, Jason.

— Minha mãe teimosa está bem, na medida do possível. E não vou mentir, tanto eu quanto ela ficamos te esperando com grandes expectativas. — ele comentou e me encarou com um pouco mais de seriedade. — Mas imaginei que acabaria desistindo.

— Por que? — Franzi o cenho. — Se quer saber, eu gostei muito das conversas com sua mãe, mas...

— Meu irmão estragou tudo — ele me interrompeu e percebeu como me alarmei com sua perspicácia.— Conheço James há muito tempo e desconfiei de seu comportamento quando apareceu todo pomposo ao lado de uma moça aparentemente cristã para conhecer nossa mãe. E não me interprete mal, mas gostei muito de você. Fiquei até admirado ao te ver tomando a decisão certa, se afastando dele.

Senti minhas entranhas se revirando.

— Foi ele quem se afastou de mim — confessei envergonhada. — Seu irmão inclusive me impediu de subir o morro para as missões.

Jason uniu as sobrancelhas parecendo confuso com minha declaração.

— Isso é novidade. — Ele, ainda pensativo, voltou-se para mim. — Então obedeça e fique longe, James é perigoso.

De repente uma raiva se apossou de mim. Eu estava cansada de todos aqueles julgamentos. Por que julgar? Por que não amar como Cristo manda?

Eu não sei o que me deu. Talvez fosse toda a chateação acumulada, mas não me segurei.

— Por que você o odeia tanto? Por que nunca pregou o evangelho a ele? Nem teve misericórdia? — exclamei com raiva. Certamente, Jason era um dos responsáveis pelo coração de Céu ser tão fechado ao evangelho. — Vocês são irmãos, Jason! Como um cristão, seu papel é amar James e não ficar acusando-o de ser um traficante imundo!

— Eu nunca fiz isso! — ele rebateu se exaltando um pouco. — Meu maior desejo é ver meu irmão salvo, mas não posso tomar o lugar do Senhor. Ele é quem decide sobre a salvação e não eu! — Apontou para o próprio peito. — Você não tem noção do quanto tenho orado pela vida daquela criatura. O coração de James é duro como uma rocha e ele não quer sair do seu pecado! Somente Cristo é capaz de libertá-lo.

— O coração dele não seria tão fechado ao evangelho se você tivesse paciência e compreendesse a dor da alma dele! — respondi ainda irritada. — Como James vai confiar em um cristão que lhe acerta um soco na cara? Ele precisa de amor.

Jason soltou o ar devagar e deixou seus ombros caíram.

— Eu pequei por ter me excedido naquele dia e me arrependi — confessou devagar e parou para pensar durante alguns instantes. — Mas você não o conhece como eu.

Eu respirei fundo algumas vezes até me acalmar completamente. O irmão de Céu ameaçou levantar-se, mas segurei uma de suas mãos.

— James está mudando, eu prometo a você, Jason — declarei cheia de convicção. — Pode ser trabalho de formiga, mas aos poucos as mudanças vão acontecendo. Conversão é um processo, não é?

Ele repousou sua mão sobre a minha e a apertou.

— Um processo que não depende de nós e sim do Espírito Santo — corrigiu e olhou para os lados. — Preciso ir agora, Amber. Peço desculpas por passado dos limites, minha cabeça tem andado muito cheia ultimamente.

— Não precisa se desculpar. Eu também deveria ter me controlado — declarei e ambos ficamos quietos.

— Vá visitar minha mãe quando tudo isso passar — ele declarou e eu sorri, assentindo para ele. — Até mais, Amber. Não posso deixar dona Joana esperando.

Sem ter mais o que dizer, eu o vi levantar-se e após pedir licença, voltou pelo caminho de onde veio. Nisso, quase que no minuto seguinte, Hanna apareceu segurando dois potinhos com sorvete em suas mãos.

— Quem era aquele conversando com você?

Apressada, eu me ergui, sentindo o coração sendo comovido dentro de mim.

— Era um amigo. Ele veio me trazer notícias de sua mãe que está internada em um hospital aqui perto — respondi evasiva enquanto ainda observava Jason caminhando entre as pessoas no parque. — E eu... — Fiz uma pausa tentando organizar meus pensamentos.

— Você? — Ergueu as sobrancelhas.

— Hanna, avise aos nossos pais que vou visitar essa senhora e volto mais tarde — declarei e antes que ela pudesse se opor, corri apressada em direção ao rapaz não muito distante de onde estávamos.

Fui veloz o bastante para alcança-lo quando ele parou diante de um semáforo fechado.

— Deixe-me ir com você? — pedi assustando-o com minha presença repentina.

— Amber...

— Por favor, eu só quero pedir desculpas a dona Joana pessoalmente e vou embora em seguida — declarei ofegante, me esforçando para recuperar a respiração em ritmo normal.

Ele relutou um pouco, mas acabou acatando.

— Certo.

Nós dois seguimos andando em silêncio até entrarmos no hospital. Após conseguir uma autorização, meu acompanhante e eu fomos de elevador até o andar onde dona Joana estava internada a fim receber tratamento específico de sua doença.

Passamos no posto de enfermagem, Jason conversou algo com um enfermeiro e eu prestava atenção até notar no fim do corredor a razão dos meus problemas se materializando.

— James — sussurrei em choque enquanto tentava entender os motivos da pressa dele.

Sem nem se ater a minha presença, ele parou diante do enfermeiro e o segurou pelo colarinho do uniforme azul, assustando o pobre rapaz.

— Por favor! Vá ver minha mãe não está passando bem! — ele exclamou com toda a autoridade possível e não levou muito para que tanto o profissional quanto seu irmão saíssem correndo em direção ao quarto.

Senti o corpo todo tremer e até quis seguir os outros dois, mas uma mão envolvendo meu braço me impediu.

Meus olhos encontraram os de James e notei com espanto a completa agonia e até lágrimas nos olhos dele. Sem pensar suas vezes, ele veio em minha direção e me abraçou com força.

— Ainda bem que você está aqui.

Resisti um pouco no começo, mas logo o abracei de volta e soube naquele instante que não poderia desistir da minha missão especial.

*******

E agora? Será que Amber da Silva vai conseguir cumprir sua missão?

C.H.S

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