Capítulo 10
A quadra de uma ONG localizada no coração do morro da luz, seria o palco do desfile e escolha da mais bela garota da comunidade.
Depois do meu encontro nada agradável com o Céu, Pão foi orientado a me levar até o local onde Noah me aguardava. Sabendo anteriormente do evento, havíamos elaborado uma tática de evangelismo e nos infiltraríamos na festa afim de entregar folhetos a quantos jovens fossem possíveis.
Enquanto descia o morro na garupa da motocicleta, orava em espírito para que Deus fosse adiante de nós, nos dando tática na hora de abordarmos cada uma daquelas vidas. Que nossa boca viesse a ser canal de bênção e consolo a almas sedentas naquele lugar.
Antes mesmo que Pão estacionasse a moto, avistei Noah encostado no alambrado que cercava a quadra da ONG. Com a cara fechada e os braços cruzados, ele me observou descer do veículo e caminhar até ele.
— Quando é que você vai me dizer o que está acontecendo entre você e esse tal de Céu? — Fui surpreendida com a pergunta evasiva do meu amigo.
Engoli em seco e o encarei, tentando elaborar uma resposta que o deixasse satisfeito, mas que ao mesmo tempo não revelasse a verdade.
"Meu Deus, eu não quero mentir! Me ajude!" — pensei, sentindo-me a pior cristã do mundo.
— Ele te fez algum mal, Amber? — Noah, preocupado com meu silêncio e notando minha angústia, aproximou-se tocando em meu braço.
— Não — minha voz soou trêmula.
— Se ele fez, Amber, me fala. Vou denunciar esse canalha à polícia.
Furioso, as faces de Noah ficaram rubras. Eu nunca o tinha visto com tanta raiva daquele jeito.
— Ele não encostou em mim, Noah. Fica tranquilo. — Tentei acalmá-lo.
— Então por que ele sempre tem que te raptar para o alto do morro sempre que colocamos os pés aqui?
Suspirei pesadamente e antes que pudesse ponderar minhas palavras, comecei a falar.
— Céu é controlador. Gosta de saber de tudo que se passa no morro dele. Inclusive o que pretendemos fazer durante as nossas visitas. Tudo o que faço é passar para ele a lista do nosso trajeto. — A mentira saiu tão fácil dos meus lábios, que senti a culpa rasgando meu coração.
“Me perdoa, Senhor!” — Tudo se revirava dentro de mim.
— E por que ele faz questão que seja você? Eu poderia estar fazendo isso.
Noah estava desconfiado, mostrando não estar caindo no conto da corochinha que eu tentava o enfiar goela abaixo.
Para meu alívio, a música que tocava do lado de dentro aumentou vários decibéis, impedindo qualquer conversa naquele momento.
— Será que podemos falar sobre isso em outro momento? Temos que aproveitar que o evento ainda não começou e entregar alguns folhetos — gritei para ser ouvida.
Noah pareceu desanimado por não obter as respostas que queria, mas concordou.
Um funk de batida pungente agitou meu cérebro à medida que entrávamos na quadra. A letra feria todos os princípios existentes no universo e meninas de idade ainda tenra se esfregavam em moleques que mal haviam saído das fraldas.
Meu coração se apertou e um nó se formou em minha garganta ao ver tantas vidas indo de encontro ao precipício da perdição.
Logo, avistei um grupo de moças que aparentava ter a minha idade e sem pensar duas vezes rumei em direção a elas. As risadas cessaram quando me aproximei. Fui examinada dos pés à cabeça, provavelmente por estar vestida demais em relação a elas.
— Com licença, garotas. Posso entregar um folheto a vocês?
Estendi o panfleto e elas recuaram, como se fosse algo contagioso.
— “Qual é o objetivo da sua vida?” — uma delas leu a frase no topo do papel em voz alta.
Com um sorriso zombeteiro, outra respondeu.
— Vejamos... — Tamborilou o dedo no queixo fingindo pensar. — Ganhar o concurso de rainha do Morro.
— Isso com certeza. — A terceira concordou. — E, fisgar um bom partido.
— De preferência com muito dinheiro!
Elas jogaram a cabeça para trás e começaram a rir, enumerando uma opção atrás da outra em sua lista imaginária, ignorando totalmente minha presença.
Respirei lentamente e sorri.
— Então que Deus abençoe vocês — disse ao sair, mas elas continuaram rindo e conversando entre elas.
Avistei outro grupo, mas antes que fosse em sua direção, longos dedos agarrou o meu braço e enormes unhas postiças cravaram em minha carne.
Uma moça loira e alta, trajando um vestido vermelho de decote profundo, me puxou em direção ao banheiro feminino.
— Ei, me solta! Está me machucando! — Ignorando os meus protestos, apertou ainda mais as unhas e enxotou duas garotas que se encontrava no lavabo quando entramos.
Quando ela finalmente me soltou e me encarou, massageei o local onde se formava um hematoma.
Como as meninas anteriormente, ela esquadrinhou cada centímetro do meu corpo.
— Você não faz o tipo do James — falou após um longo silêncio.
— Quem? — Indaguei confusa.
Ela revirou os olhos impacientes.
— Céu! Você não faz o tipo dele — esbravejou dando um passo em minha direção, apontoando o dedo na minha cara. — E se você tem amor a sua vidinha insignificante, fica longe dele. Homens como ele, não são para menininhas como você.
Ela se afastou e ajeitou o decote.
Precisei olhar para cima, a fim de encarar a loira do alto de seu salto quinze.
— Não se preocupe. Homens como ele também não fazem o meu tipo — rebati, reunindo toda a coragem que havia dentro de mim.
Um sorriso sarcástico irrompeu em forma de gargalhada dos lábios da loira.
— Olha aqui, lambisgoia, não vem com esse papinho de puritana para o meu lado, não. Sou vacinada contra sonsas como você. Isso foi apenas um aviso. Se eu souber que você continua se engraçando para cima do meu namorado, você ficará como muito mais do que apenas um hematoma no braço.
A garota jogou os cabelos para trás e saiu do banheiro, me deixando sozinha e trêmula.
Apoiei-me na pia e tentei recuperar o ritmo cardíaco. De onde aquela maluca havia tirado essa ideia?
Eu nunca me envolveria com um homem como o Céu!
Um bom partido para mim teria que ter atributos que ele não possuía. Começando pelo temor a Deus.
Eu nunca, nunca, nunca, nunca me envolveria com alguém como ele.
Joguei uma água fria no rosto e sai do banheiro, pronta para continuar o meu trabalho. Porém, assim que abri a porta choquei-me com um muro de músculos.
Minhas pernas bambearam quando encarei o Céu, como as sobrancelhas unidas e um olhar perturbado em minha direção.
Ele passeou os olhos sobre mim. Aquilo já tinha virado a rotina do dia. Já estava ficando farta de todos me analisando dessa maneira. No entanto, diferente dos outros, ele parecia procurar por algo. Quando seus olhos pararam no meu braço, entendi o que era.
Ele estendeu a mão e delicadamente tocou o hematoma com as pontas dos dedos.
Senti uma eletricidade iniciar a partir do toque e percorrer todo o meu braço, alastrando-se por meu corpo como em uma corrente elétrica.
Como sempre acontecia quando estava em sua presença, travei. Sentia olhos me observando, mas eu não conseguia me mexer.
— Me desculpe por isso — sua voz soou cheia de compaixão e fúria.
Finalmente, consegui dar um passo para trás e cobrir o local em que ele tocava com minha mão.
— Se você realmente sente, deixe sua namorada longe de mim, James.
Desviei e me afastei do Céu, torcendo para que ele não viesse atrás de mim. Nunca mais.
***
É fogo no morro, produção?
Eita que essa loira chegou, chegando!
Me conta aí o que vocês acham que ela vai aprontar?
E o nosso Céu, de que lado ele vai ficar?
Eu já estou com a pipoca no colo, ansiosa pelo desenrolar da treta!
V.E.
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