Abril de 1995

Naquela tarde Julia e Lucas retornaram ao consultório do doutor Fernando para mais uma consulta. A gravidez já estava com seus quatro meses completos e os dois estavam curiosos para saber qual seria o sexo da criança.

Depois de conversarem alguns minutos com o doutor...

— Vamos fazer outro ultrassom hoje para ver se está tudo bem com o bebê e também vamos ver se desta vez conseguimos saber qual é o sexo dele ou dela — disse o doutor e logo em seguida ela se preparou para o exame.

Lucas ficou receoso de que o ultrassom fosse realizado daquela mesma maneira, mas ficou aliviado quando viu o doutor deslizando o aparelho sobre o ventre de Julia.

Quando a imagem começou a aparecer no monitor Julia olhou para a tela na esperança de ver algo que fosse possível de identificar, mas era impossível decifrar alguma coisa. Ela não conseguia entender como é que os médicos tinham tanta facilidade em ver tantas coisas naquela imagem cinza e cheia de imperfeições.

— Está tudo bem com você e com a criança. Agora vamos ver se é possível identificar o sexo — disse ele aproximando um pouco mais a imagem.

O doutor passou o aparelho deslizando sobre a pele até que se concentrou em determinado ponto.

— Olhem isso aqui.

— Os dois fixaram o olhar na tela do aparelho.

— Se fosse um menino poderíamos ver perfeitamente o órgão sexual, mas como a imagem não é clara posso dizer que vocês terão uma menina. Recomendo que esperem pelo menos a realização de outro ultrassom, mas tudo indica para uma menina.

— Tem certeza doutor? — perguntou Lucas.

— Não posso afirmar, por isso preciso de mais algum tempo para dar a palavra final. A menos que isso não seja tão importante para vocês.

— É sim, precisamos fazer o enxoval — respondeu Julia com o olhar de quem já se via decorando um quarto com as paredes cor de rosa e um monte de coisas de menina.

— Certo. Então da próxima vez eu vou ver se consigo dar uma resposta definitiva.

— Tudo bem doutor — disse Julia.

Então eles se despediram e deixaram o consultório.

— Você está feliz por ser uma menina? — perguntou Julia.

— Claro meu amor. Sei que a maioria dos homens fala que o primeiro filho tem que ser homem, mas para mim isso não faz diferença. O importante é a criança ter saúde. Isso sim é muito importante.

— Ainda bem. Fiquei com medo que você ficasse triste por ser uma menina. E o doutor ainda não confirmou o sexo.

— Jamais eu ficaria triste por isso. Rezo apenas para que seja uma criança saudável. Se realmente for uma menina quem sabe da próxima vez vem um menino e se não vier também não tem problema — disse ele dando um beijo no rosto de Julia antes de entrarem no carro.

Meses depois...

Os meses se passaram e a confirmação do sexo do bebê veio apenas aos seis meses de gestação. Realmente era uma menina e então Julia começou a fazer o enxoval conforme havia planejado. A confirmação do sexo demorou mais do que ela esperava, mas ainda dava tempo de fazer muita coisa e decorar o quarto conforme ela queria.

***************

Naqueles dias os dois foram visitar os pais de Lucas.

— Olá mamãe!

— Como vai meu filho?

— Nossa Julia! Como a sua barriga está enorme.

— Sim. Afinal já são seis meses de gestação. Já estou tendo até dificuldades para dormir com toda essa barriga.

— Vamos entrar e sentar. Seu pai foi ao supermercado e chega daqui a pouco.

— Então será menina mesmo?

— Sim. O médico confirmou o sexo — respondeu Lucas.

— Ótimo. Assim já posso comprar umas roupinhas lindas para ela. Vocês já sabem qual será o nome?

— Não. Ainda não falamos sobre isso. Ainda temos algum tempo para pensar no assunto, mas não quero colocar um nome muito estranho. Depois as pessoas nem sabem como pronunciar direito — respondeu Julia.

— Ainda bem. Os nomes mais simples estão na moda mesmo e, além disso, são muito mais bonitos.

— E como está o seu regime? — perguntou Lucas a sua mãe.

— Estou tentando reduzir o açúcar na minha alimentação, até emagreci um pouco, mas minha glicemia sempre está acima do normal. Tenho o aparelho para medir a taxa de açúcar no sangue aqui em casa mesmo. Rezem para nunca terem esta doença terrível. Você não pode comer quase nada. Doces tem que cortar tudo. Frutas têm que comer com cautela e algumas nem ao menos pode comer. Arroz duas colheres apenas, carne vermelha é melhor evitar. Não sei se alguém conseguiria parar em pé se seguisse à risca o que o doutor me passou. Eu adorava cozinhar e fazer coisas gostosas e agora não posso mais fazer quase nada do que gosto. Bem que poderiam descobrir a cura para o diabetes, assim eu poderia comer tudo o que gosto novamente e ainda continuar bem de saúde.

— Entendo que é difícil para a senhora, mas o que fazer se não existe outra maneira além de fazer regime e aplicar doses de insulina diariamente. Quem sabe ainda descubram um remédio que cure o diabetes, mas até que este dia chegue a senhora não tem outra escolha.

— O doutor disse que eu posso entrar em coma ou morrer se a minha diabetes ficar muito alterada.

— Por mais que seja difícil conviver com essa doença eu acredito que é melhor seguir as orientações do médico e continuar viva do que comer de tudo e morrer logo. Quantos anos a vó tinha quando faleceu? — perguntou Lucas.

— Sua vó tinha apenas sessenta anos.

— Então, tenho certeza que a senhora ainda quer viver por muitos anos e ver seus netos crescerem. Então se cuide.

Neste momento Carlos seu pai chegou.

— Olá filho. Tudo bem?

— E você Julia?

— Tudo bem — responderam.

— Mamãe disse que está fazendo regime. Isso é verdade?

— Sim. Posso dizer que ela está tentando, mas não posso vigiá-la a todo o momento. Portanto, eu acredito na palavra dela e também evito comprar tudo o que ela não pode comer. Eu sei que se eu comprar ela vai comer também, por isso eu muitas vezes deixo de comprar algo que eu gostaria. Mas de vez em quando a gente sabe que exagera. É impossível evitar tudo, principalmente quando somos convidados para almoçar na casa de alguém, sempre tem algo diferente e sua mãe não resiste, sempre acaba exagerando. Ela diz que é falta de educação não comer o que os outros oferecem e depois acaba passando mal.

— Isso é verdade. É preciso renunciar muita coisa e dizer não muitas vezes se quiser seguir a dieta, mesmo assim é melhor exagerar vez ou outra do que cometer extravagâncias todos os dias — disse Lucas.