Capítulo 6 - O duelo com a Norteana
"Zoran, levante...Zoran, levante"-uma voz falava desesperadamente.
Minha visão estava embaçada, o veneno estava destruindo-me por dentro. Ainda podia sentir as batidas aceleradas no meu peito, um sono imenso se apoderou de mim, a única parte do meu corpo que queria permanecer acordada, era o meu coração, como se não quisesse desistir do duelo. Uma alerta, um pedido de socorro, seria uma boa opção naquele instante.
"O portador do anel, não pode morrer".
Não seria a grave voz de Godah, uma vez que tinha um tom indefinível, incapaz de definir o sexo daquela voz. Contudo, pude compreender toda a frase e despertei um pouco do transe. Garoto magricela, quase sem cabelos na cabeça, mais desengonçado do que um boneco inflável, com QI baixo. Essa era minha realidade. Se morresse agora, não faria tanta diferença para as pessoas. Seria como uma lagartixa que perdeu a cauda, sempre crescerá uma nova, substituindo a que ficou no passado.
"Quem porta o anel, não morre".
A serpente via-me caído, morrendo aos poucos. Dava para sentir o prazer que ela sentia em observar-me naquele estado, uma satisfação em vencer o duelo, tendo em vista que não precisou terminar o serviço. Contemplava as minhas últimas realizações, meu último sofrimento.
Repentinamente na minha mão esquerda, senti algo queimar furiosamente o meu dedo anelar, de minha perna direita, uma dor, como se estivessem jogando sal nos ferimentos. A escuridão toma conta de tudo. Apaguei por um breve momento, tão rápido que ao acordar, estava em pé, desviando em tempo de não ser engolido pela Norteana, querendo terminar o trabalho.
O enorme salão circular, ficou "menor". Corria velozmente ao redor do lugar, com a cobra no meu encalço. A coragem se misturou com a vontade de vencer. Perdi o medo, e o desejo de batalhar surgiu novamente, acompanhado pelo calor vulcânico no meu estômago.
A parede em madeira que dava acesso às escadas, era a maior, e aproveitei que estava correndo em círculos, e fui em sua direção. A serpente, como era de se esperar, me perseguiu. Tudo ou nada, nada ou tudo, esse foi o meu lema para o momento. O barulho que ela fazia ao rastejar pelo piso em madeira, era apavorante. Inclinei a minha cabeça na direção da parede, iria colidir brutalmente com a estrutura. Até hoje não sei como fiz aquilo, mas quando faltavam mais ou menos um metro para a colisão, levantei o pescoço, olhei para ter certeza que ela ainda me perseguia, então saltei para a parede com pés duplos e dei impulso na direção contrária, fazendo um meio mortal no ar, e montando a serpente, assim como fez Godah com o gato branco. Agarrei o pescoço fino, dela. E ela começou percorrer a casa furiosamente. Passamos por um cômodo, que tinha crianças muito gordas, com chocolates na boca, mas imóveis, mexendo os olhos, como se pedissem ajuda. Em outro, um gigante caldeirão com líquido esverdeado e meloso, que borbulhava intensamente. Num terceiro, animais mortos, como morcegos secos, porcos partidos, cabeças de bodes, gatos em grandes frascos ou recipientes d'água e galinhas mortas, quase completamente sem suas cabeças. O quarto, quinto e sexto, ela passou através de colisão com a estrutura da casa, destruindo suas paredes. A força estava quase acabando, porém, retornou quando vi onde cheguei.
Estávamos no último patamar da casa, ela fez a gentileza de parar quase completamente no espaço onde não havia como segurar em algum lugar do andar. Estava sem apoio, então soltei o braço direito, e dei socos na cabeça da serpente. Pareceu que estava funcionando, por isso continuei até ela empinar, me jogando contra a parede. A escada levava para um quarto com portas amarelas, e o primeiro pensamento foi o de entrar nele. Ela veio atrás de mim, no entanto, fui mais rápido e bati com a porta na cara dela, se foi mal educação, não sei, minha mãe sempre falou que fechar uma porta mesmo se a pessoa ainda estivesse incomodando, era uma linda falta de educação. Nessa sala tinha diversas ferramentas, entre elas, martelos, machados, foices, tridentes e até pequenas espadas. Peguei duas espadas miúdas e fiquei admirando sua composição. Eram iguais, largas nas pontas, em bronze e cabos com uma esmeralda no centro.
Crack
Um som veio da parede que estava ao lado da porta. Não dei muita importância.
Bum
Outra vez, com mais intensidade.
Cabum
Dessa vez não teve como fingir que nada estava acontecendo. A serpente colocou a a estrutura abaixo. Abriu um espaço quase redondo na parede. Pensei em sair pela porta, que fiquei sem entender porque a cobra não quebrou-a em vez da parede, que diferente das outras, era de blocos.
Ela iria me atacar, não iria ficar esperando a morte. Posicionei as duas espadas abaixo da minha cintura, com as pontas viradas para trás e comecei correr na direção da maligna serpente, a mesma recuou quando viu o que levava nas mãos. Parei quando vi onde estava. Não tinha escadas, era o meio do último andar, se pulasse para atacá-la, seria suicídio. Muitas vezes no passado, pensei que seria burrice arriscar a vida por um objetivo, no entanto percebi que entre ser burro e matar o que te faz medo, a segunda opção era a melhor. Superar essa dificuldade não seria muito fácil, mas o desejo de ultrapassá-la, era maior do que qualquer medo. Olhei para o andar térreo, que estava minúsculo, observado de onde minha pessoa estava.
O tempo pareceu novamente ficar em câmera lenta. A serpente olhava para mim, e via todas as curvas do seu rosto fino. De repente ela mais uma vez lançou sangue nas minhas roupas. Observando-a, tive uma ideia.
-Você pode me entender, sei que pode-falei para a cobra que emitiu um som maligno-Quando contar três, nos atacamos, sem trapaça-continuei.
Apesar do desejo de atacar antes do "3" fosse atrativo, não seria covarde, pois covardes não são dignos de vitória.
-Um...-iniciei a contagem-Dois-olhei fixamente para os aqueles olhos cruéis-Trê...
A inteligência dela foi rápida, saltou de um lado para o outro antes de terminar a contagem, ato de trapaça. No entanto, me preparei para se ocorresse essa ocasião, e também pulei na direção dela.
Lá estávamos nós, a serpente e eu, prestes a colidirmos, como um asteroide que vai ao encontro de um planeta. Não havia solo, era o centro do último andar, o espaço que permitia enxergar o andar térreo. Ergui as duas espadas, e mais uma vez tudo ficou lento. Pude observar a crueldade nos olhos da Norteana. Em dois segundos aconteceria o encontro, ela já estava abrindo a boca para me engolir...
Crack
Cravei as duas espadas nos seus olhos, antes que ela fizesse alguma ação, e vi um líquido esverdeado espirrar deles. A serpente ficou paralisada, mas não soltei o cabo das lâminas. De toda forma, morreria, então segui o que Godah me disse, o rato que nem mesmo desconfiei que falasse, e não sabia quem ele realmente era.
Estávamos caindo na direção do andar térreo, de cabeça para baixo (de ponta, como dizem), girando em uma velocidade tão rápida, que via-se somente vislumbres borrados de outros andares. Eram tantos, que jamais havia passado pela minha limitada imaginação. Meu coração estava pulsando com um curto intervalo de tempo, nunca imaginei morrer assim, se era um sonho, estava sendo muito real. "Alguém por favor me acorde", essa frase passava pela minha cabeça. Senti saudades do meu pai, mesmo sendo rígido e bruto, ainda amava-o, um arrependimento por tê-lo gritado, apertou o meu peito. Continuávamos caindo, e o solo estava cada vez mais próximo. A serpente dura como pedra, não dava sinal de vida. Sim, minha morte seria tão rápida, que nem sentiria dor. Um clarão tomou conta de minha visão, a colisão seria agora, fechei as pálpebras. Das coisas que aconteceram em minha vida, agora tinha uma certeza. Nunca tive amor pelos heróis dos quadrinhos, mas morreria como um.
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