Eu não sabia o que tinha acontecido com Glime. Muito provavelmente, estava morta. Nanda saiu me arrastando pelos túneis, seguindo a bolinha de fogo enquanto Peter vinha na retaguarda. Ao longe, conseguíamos escutar passos pesados e apressados, além de grunhidos de animais assustadores.

   _ Precisamos despistar eles! - Nanda sussurrou, mas o túnel projetou sua voz. Percebendo que falar só mostraria nossa localização, ela pediu meu elástico de cabelo que Glime havia me dado junto com as roupas. Senti meu cabelo cair em meus ombros e rosto, atrapalhando um pouco minha visão.

   Nanda nos guiou pela direita, depois pela esquerda e parou na frente de uma encruzilhada. Ela colocou o dedo sob os lábios e se aproximou da entrada do meio, pendurando meu elástico em uma espécie de arame colado na parede. Então ela gritou para o túnel:

   _ VAMOS PELO MEIO!

   No entanto, ela desviou pro túnel da direita, atrás do Nukuri. Andamos pelo o que pareceu ser duas horas e o túnel começou a ficar mais úmido e gelado. Fizemos uma pausa rápida para descansar as pernas e repor as energias com as barras de cereais que haviam sobrado da Califórnia. Embora o barulho dos passos pesados tivessem parado, ninguém arriscou abrir a boca nem que fosse pra tossir. Até mesmo o Nukuri estava silencioso, produzindo apenas um ronronar baixo que me lembrava um gatinho.

   Eu estava no meio da minha segunda barrinha quando escutei um estalo alto. Parecia vir de todos os lados, mas muito provavelmente era o efeito do eco. Eu, Peter e Nanda nos entreolhamos assustados. Os olhos de Peter automaticamente ficaram de um lilás forte que parecia ainda mais brilhante com a pouca iluminação. Ficamos em pé e ajeitamos a bolsa, tentando ao máximo não fazer ruídos, mas a cada amassar da embalagem, meu coração pulava dentro do peito. Um outro estalo, dessa vez acompanhado de um grunhido.

   _ Corre! Corre!

   Obedeci aos gritos de Peter. Saí em disparada atrás do Nukuri, sendo seguida por Peter e Nanda. Peter estava com uma espada de dois gumes na mão e eu não fazia ideia de onde aquilo havia saído, mas minha preocupação era outra. O chão começou a tremer e eu tive a impressão de que o que quer que estivesse nos perseguindo, não eram mais os guardas de Brand. Era algo pior e maior.

   Uma figura surgiu no meio da escuridão. Com a iluminação do Nukuri, pude ter um breve vislumbre de uma criatura que quase batia no teto do túnel e era troncuda, coberta por pelos brancos. Nos Estados Unidos, poderia facilmente ser assimilado com um Homem das Neves. De supetão, o túnel ficou ainda mais frio, como se tivéssemos entrado em um freezer, mas a sensação era de ter mergulhado nas águas geladas do Polo Norte. Gelo subia pelas paredes do túnel e o chão ficou ainda mais escorregadio, dificultando a corrida. O Nukuri também não parecia bem, como se sua chama estivesse acabando, ficando cada vez mais fraca e menor.

   _ Ah, não! - Nanda lamentou com a respiração pesada - O Nukuris de Ternes perdem a força com o frio. Eles se apagam...

   As últimas palavras de Nanda foram sumindo junto com a iluminação do túnel. O Nukuri havia se apagado por completo, despencando no chão. Peguei ele enquanto continuava correndo, embora não soubesse mais para onde ir ou no que estava pisando. Vez ou outra me esbarrava em Nanda e morria de medo de Peter acabar me espetando com a espada. O chão tremeu violentamente e eu caí de cara no chão, o Nukuri voando pra longe do meu alcance e tendo meu corpo sendo esmagado pelo de Nanda. Mais um grunhido alto que fez minha espinha gelar. O cheiro de podridão ardeu em minhas narinas e embrulho meu estômago. Nanda saiu de cima de mim em silêncio e eu senti sua mão me puxando para o canto, ambas fomos nos arrastando e apoiamos na parede. Quase gritei ao sentir algo roçando em meu braço, mas me acalmei ao perceber que era Peter.

   Os estrondos foram ficando mais fortes e constantes. A fera estava bem perto. Droga, esse cheiro é dela?

   _ É um Ogro Branco. - Peter sussurrou - Eles são cegos, mas possuem ótimo olfato e audição.

   Olfato e audição. Era quase impossível passarmos despercebidos. Como se ouvisse meus pensamentos, senti Nanda sendo arrancada do meu lado. Seus gritos preencheram todo o túnel, sobressaindo o rugido do ogro. Uma luz esverdeada surgiu na mão de Nanda, iluminando o rosto da fera por breves segundos. Não tinha olhos e a boca possuía diversos dentes afiados e... Cobertos de sangue. Porém a luz nas mãos de Nanda não eram para iluminar, é como se fosse um efeito dos galhos que brotavam de sua mão e contornavam o rosto do ogro, como se fossem uma cobra faminta. Mas o ogro balançou Nanda, a destabilizando, e a jogou longe. O túnel mergulhou na escuridão novamente. Ouvi o som abafado de Nanda batendo no chão e da luta do ogro para se livrar dos galhos. Peter praguejou e senti a movimentação no meu lado.

   _ Ache um jeito de fazer aquela bolinha funcionar, nem que seja na base da raiva! - ordenou e o ouvi correr em direção ao ogro.

   Era burrice lutar com um ogro às cegas, mas Peter nunca foi muito inteligente. Tateei o chão desesperada para achar o Nukuri e saber onde Nanda estava. Meus dedos tocaram algo peludo e soube na hora o que era, então o agarrei e mexi com o indicador no topo, como Glime havia feito. O Nukuri acendia e apagava, parecia uma lâmpada com defeito.

   _ Vamos, por favor - implorei. Fechei os olhos e repeti o processo, até que o Nukuri se iluminou por completo.

   Ouvi Peter festejar e no momento seguinte praguejar ao ser lançado contra a parede. Torci para Nanda estar bem e corri em direção ao ogro, distraindo a atenção dele de Peter. Peter aproveitou a oportunidade e pulou nas costas do ogro, fincando a espada em um dos ombros. O ogro urrou de dor e começou a se debater, fazendo Peter se esforçar mais para permanecer lá em cima.

   _ Acerte o olho! - gritou.

   _ O quê? - gritei de volta - Não sei se não percebeu ou apenas possui um péssimo senso humorístico, mas esse troço não tem olho!

   _ Muito engraçadinha, Elle. - replicou. Mesmo em cima de uma fera fedorenta como aquela, ele não perdia a acidez - Debaixo do pelo, bem no centro!

   Tentei ignorar todo o barulho e me concentrar em criar uma estalactite, porém tudo o que eu criava se desfazia em neve. Eu podia sentir a adrenalina pulsando em minhas veias e a ansiedade em um nível muito mais elevado que o normal. Peter gritava irritado para eu me apressar, ele estava quase caindo. Então, com uma última gota de esperança, a estalactite se formou em minha mão, pontuda e afiada o suficiente. Olhei vitoriosa para Peter, mas ele apenas rolou os olhos e contorceu a cara em dor.

   _ Elle, agora! - gritou. Preparei a mira, mas Peter estava muito perto e o ogro muito instável - Elle!

   _ Eu posso te machucar! - expliquei.

   _ Elle, AGORA!

   Meu corpo reagiu e tomou conta da situação. Meus pés se moveram agilmente sobre o chão escorregadio, eu me aproximava cada vez mais do ogro. Quando estava perto o bastante, impulsionei um pé na parede e pulei em cima da fera, fincando a estalactite no ponto exato que Peter havia falado. Um líquido quente espirrou em meu rosto. O ogro gritou uma última vez, um último assustador grito antes de sumir em uma nuvem de flocos de neve. Eu e Peter caímos de barriga no chão. Meu queixo bateu com força e a pancada na barriga me fez perder o ar. Todo o meu corpo doía, mas isso não me impediu de me jogar em cima de Peter em um ataque de euforia.

   _ Viu o que eu fiz? - gritei animada. Peter resmungou de dor embaixo de mim, me fazendo afastar e encarar seu rosto. Ele sorria.

   _ Você foi uma verdadeira guerreira.

   Um resmungo baixo veio de um local mais afastado. Era Nanda. Reuni o resto das minhas forças e corri em direção ao som, congelando ao ver a cena. Ali, bem perto do corpo jogado de Nanda, encostados na parede, a razão do cheiro de podridão: os pedaços dos guardas de Brand estavam por todos os lados. Literalmente.

Estalactites, para quem não sabe, são gelo em forma de cones pontudos que, geralmente, crescem no teto das cavernas.

Gostaram do capítulo? Nossa Elle está virando um ótima guerreira, não é mesmo?
Tenham uma ótima semana e uma quarentena divertida hehe.
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Vocês são incríveis!