Capítulo 28 - Serpentes no Paraíso

-Eu não consigo fazer isso. - Alec repetiu.

-Claro que consegue! - gritou Cain.

Ele estava gritando porque precisava gritar, visto que Alec estava a uma distância assustadora do chão. Ele olhou para baixo e sentiu uma onda de tontura. Altura nunca tinha sido seu forte.

-Merda. - Alec praguejou em silêncio de cima da viga onde ele se encontrava. No teto do complexo do esquadrão. A vários metros do chão.

-Não seja um covarde. - Cain cruzou os braços e esperou.

Alec saltou.

No entanto, em vez de colocar em prática tudo que Cain tinha ensinado sobre saltos, ele se encolheu que nem um tatu quando estava prestes a atingir o chão. Embora não fosse de fato cair, por causa dos cabos de proteção e do elástico, mas sua mente não processava o fato de que ele, tecnicamente, estava seguro.

-Não foi tão ruim. Está melhorando. - disse Cain olhando para um Alec pendurado a alguns metros do chão que nem uma marionete.

-Com isso você quer dizer que eu gritei menos dessa vez?

-Sim. - Cain sorriu quase imperceptivelmente. -Foram, pelo menos, uns dez gritos a menos.

-Ah, eu nem percebi. - Alec disse com sarcasmo. -Estava ocupado demais tentando não vomitar.

Cain estava encarregado de ensinar Alec a saltar de lugares altos, e mostrar a ele um estilo de luta mais agressivo, que tinha deixado os músculos de Alec gritando logo no primeiro dia. Seu corpo todo doía, mas ele estava começando a se acostumar com a queimação nos membros.

Treinar com Cain era diferente de treinar com os outros. Era quase terapêutico, embora por um lado, fosse um treino mais desafiador e pesado do que os outros, devido aos métodos de ensino de Cain. Em sua primeira lição de saltos, Cain simplesmente subiu com ele, e o empurrou lá de cima. Observou de um modo quase clínico, Alec despencar no ar e gritar como se estivesse sendo estripado. Ele era mais prático, do tipo que preferia ensinar na prática, do que ficar teorizando. Contudo, tirando essa parte, Cain era uma dessas pessoas que emanam calma só por você estar perto delas. Diferente da primeira impressão que teve dele.

E quanto a investigação, Alec ainda não tinha conseguido nada substancial que ligasse Cain ao suspeito. Era difícil conversar de verdade com o híbrido. Ele não era mau humorado ou rude, pelo contrário, era simpático até. Mas era, simplesmente, tão distante que Alec tinha receio em começar uma conversa com ele, pois não sabia o que dizer. Não havia nada a respeito dele que pudesse fazer Alec suspeitar ou livrá-lo de suspeitas.

Claro que eles não passavam o tempo todo no treinamento em silêncio, mas além de coisas relacionadas ao treinamento, eles basicamente falavam apenas sobre coisas extremamente triviais. Comentários despreocupados a respeito do clima ou dos outros capitães. Coisas superficiais demais para fazê-lo entender melhor quem Cain era.

Alec estava começando a ficar muito frustrado. Já tinham se passado quase duas semanas e ele não fez nenhum progresso. Pelo menos, as coisas estavam calmas. Nenhuma tentativa de invasão, e nenhum movimento do traidor.

Uma coisa que ele tentava não pensar muito, era a última visão que teve ao tocar Lynx. Desde então ficou com medo de tocar no anjo de novo. Aquela princesa... Não havia dúvidas de quem ela era. O antigo amor de Lynx, a pessoa por quem ele morreu. No entanto, pensar nisso fazia a garganta de Alec se apertar, ele achava que era ridículo se sentir assim, então bloqueava esse acontecimento. Na maior parte do tempo. Ele não conseguia entender o que ele tinha a ver com aquela princesa, e o que Azazel tinha a ver com isso tudo, já que que também tinha aparecido na visão. Era tudo muito confuso.

Depois de uma última tentativa de salto - que quase foi um sucesso - Cain deu o treino por encerrado. Alec se soltava dos elásticos quando ele se aproximou e perguntou:

-Tem algo que você queira me dizer?

Os dedos de Alec se atrapalharam nas últimas travas de segurança.

-Como assim? - ele não olhava para Cain. Era óbvio que o vice capitão teria notado a forma como Alec olhava para ele, procurando uma brecha na personalidade impenetrável de Cain. E sendo quieto como era, não era surpresa alguma que Cain fosse extremamente observador, ao ponto de notar isso.

-Tem dias que eu sinto como se você quisesse falar algo. - ele deu de ombros. -Não sou como Levi e Gabriel, receptivo e amigável, mas se quiser pode falar comigo também. Sobre... Sei lá, coisas.

-Coisas? - Alec sorriu achando graça do jeito dele. Depois de se soltar, ele se sentou em um dos bancos no canto da parede, Cain o seguiu ficando de pé.

-Sim. Coisas que as pessoas dizem umas para as outras quando estão formando uma amizade. - ele ficou meio vermelho ao dizer isso, e coçou a cabeça. -Sou bem ruim nisso, mas...

Pego de surpresa, Alec não sabia o que dizer, então perguntou a coisa mais banal que veio a mente.

-Você gosta da Angela?

Foi um daqueles momentos em que se Cain estivesse bebendo algo, teria cuspido tudo ou se engasgado. Em vez disso, ele apenas ficou encarando Alec como se seu cérebro tivesse parado de funcionar.

-Só estava curioso, mas não precisa responder se não quiser. - Alec se apressou em dizer.

-Acho que minha reação já te deu a resposta que procurava, não é? - Cain se recompôs.

-Mas então, qual o problema?

-Que problema?

-Você gosta dela, mas não vai fazer nada a respeito?

-Não sei se isso é da sua conta.

-Não é. Mas e aí, por que não?

E foi assim, simplesmente do nada, que Alec passou de Não saber nada sobre Cain ou como conversar com ele para Falar sobre a vida amorosa de Cain. Era incrivelmente cômico. Sua primeira impressão de Cain tinha sido a de um cara mau encarado e grosso. Mas já tinha ficado claro que não era o caso. O que Alec não esperava, na verdade, é que ele fosse o completo oposto. Ele era reservado sim, mas não era uma pessoa de temperamento difícil.

-Não posso fazer nada. - ele respondeu por fim. -Angela sofreu demais na mão de homens. Não posso...

-Mas Angela não vive a mercê desse trauma. - Alec começou, mas escolheu melhor as palavras. -Eu com certeza não posso falar por ela, mas ela me contou o que aconteceu. Se tem receio de se aproximar dela por causa de que outros homens fizeram, é só mostrar que não é como eles. Na real, nem precisa, ela já sabe. Vi aquele dia na boate de Ric... Você emprestou sua jaqueta pra ela porque estava frio. Acho que você devia se dar um pouco mais de crédito. Mas enfim, como você disse, não é da minha conta.

Cain o encarou por um momento parecendo avaliar suas palavras.

-Tem vezes que eu até acho que ela não me detesta completamente. - Cain confessou se apoiando na parede. Alec ficou surpreso por ele continuar o assunto. -Por exemplo, algum tempo atrás, ela apareceu do nada em casa no meio da noite. Disse que só tinha vindo trazer minha jaqueta, mas parecia que queria dizer algo.

Alec se atentou as palavras dele.

-Por acaso isso aconteceu naquela noite em que o corpo foi encontrado no beco? - perguntou.

Cain ficou confuso com a pergunta, mas respondeu:

-Sim, por quê?

-Ah nada, pensei ter visto ela na rua mesmo. - ele desconversou.

Era isso, então? Angela tinha andado sorrateiramente pelas ruas a caminho da casa de Cain. Ela tinha um álibi agora. A menos que tivesse cometido o crime antes ou depois de ter ido vê-lo. Antes, concluiu Alec. Ele achou o corpo muito pouco tempo depois de ver ela. Por mais rápida e habilidosa que Angela fosse, não teria tempo de arrumar uma vítima e fazer tudo aquilo em um espaço de tempo tão curto.

Alec continuou:

-Mas enfim, se você tem dúvidas em relação a como ela se sente sobre você, talvez valha a pena arriscar.

Cain o encarou por um momento e então riu.

-Não acredito que no auge dos meus duzentos anos estou aqui ouvindo conselhos amorosos de um adolescente.

-Eu sou um adulto de vinte e cinco anos. - protestou Alec. -Quase vinte seis.

-Pra mim você é uma criança.

Alec revirou os olhos.

-Ok então, peço permissão para ir pra casa, vô.

-Permissão concedida, pirralho.

Alec riu e começou a se afastar.

-Obrigado, Alec. - Cain olhava para todo canto, menos em seu rosto. -E se puder, por favor...

-Relaxa. Não vou falar pra ninguém sobre sua paixão secreta.

E foi assim que Alec foi para casa sabendo um pouco melhor quem Cain era. Uma pessoa que detestava atrair atenção para si mesmo, com uma personalidade difícil de alcançar, mas extremamente fácil de conversar quando era alcançado. E alguém que tinha uma paixão secreta por sua Capitã.

A rotina de Alec estava começando a formar um padrão, o que era algo que o agradava muito. Ter todo o dia planejado e saber o que fazer, além de ter coisas para ocupar a mente. Ele treinava, perambulava pela cidade, voltava para casa, se enfiava na biblioteca. Tinha passado longas horas pesquisando nos livros sobre aquele símbolo desenhado no beco no dia em que encontrara aquele corpo. Até então suas pesquisas tinham sido infrutíferas.

Uma vez limpo e alimentado, ele foi ver Lynx. Tinha dispensado a cadeira e agora se sentava na cama, ou se deitava ao lado dele enquanto tagarelava encarando o teto. Ele entrou no quarto e acendeu a luz, então resolveu apagar. As janelas amplas sempre davam uma luz suave no quarto a noite, e Alec se sentia mais confortável falando na penumbra. Ele subiu na cama e se sentou próximo a cabeceira. Então olhou para Lynx.

Obviamente, ele era o mesmo, inalterado por fora, embora estivesse mudando um pouco por dentro. Assim como eu. Pensou Alec. Ele não era mais o mesmo cara de algum tempo atrás.

-Quando você acordar vai ter mais um casal no esquadrão. - Alec falou. -Isso mesmo. Além de Levi e Gabriel, tenho certeza de que Angela e Cain vão acabar juntos. Mas seus amigos são meio tapados quando se trata de sentimentos.

A diversão daquele relato logo desvaneceu.

-Um deles não é seu amigo. É o traidor. Ainda não sei qual deles, mas tenho uma intuição...

Alec ficou perdido em pensamentos olhando para Lynx. As linhas perfeitas de seu rosto, sua respiração forte. Sem pensar, Alec estendeu a mão e traçou os contornos dos lábios dele.

-Sinto falta do seu beijo. - ele suspirou e levantou da cama. Se afastando de Lynx e dos pensamentos sobre Lynx e sua boca. Não era um santo para não admitir que não era só o coração que sentia falta de Lynx, mas seu corpo também.

Apagando as luzes do corredor, ele entrou na biblioteca com sua xícara de café recém passado na mão. Havia, pelo menos, umas três mesas abarrotadas de livros. Nenhum deles contendo o que Alec precisava, algo sobre símbolos e linguagem demoníaca. Mas a biblioteca era imensa e ele não ia desistir, em algum lugar devia ter uma resposta.

Após algumas horas, ele começou uma nova busca pelas prateleiras mais altas, aquelas que necessitavam que ele subisse nas escadas. Ele subiu. A primeira fileira continha livros sobre ervas medicinais e venenos. A menos que ele quisesse curar ou envenenar alguém, não era muito útil. Então seus olhos caíram sobre a última prateleira. Cheia de livros tão velhos e empoeirados que as lombadas estavam apagadas.

Ele pegou o primeiro livro, folheou as páginas, estava escrito em uma língua que ele nunca viu antes. O próximo livro estava tão velho que as páginas eram quase transparentes. Estava prestes a terminar de checar aquela prateleira e descer da escada quando pegou o último livro. A capa era de couro preto e não havia absolutamente nada que indicasse sobre o que era. Alec folheou. Quase caiu para trás na escada, o que o fez segurar automaticamente na prateleira derrubando alguns livros, que caíram com um baque no chão. O símbolo saltou da página machucando seus olhos. Estava desenhado com tinta preta, não sangue, mas não havia dúvidas de que era o mesmo símbolo do beco. Alec desceu com o livro na mão. O único problema era que estava em outra língua. Ele pegou o celular no bolso da calça e abriu o aplicativo de tradução.

Aparentemente, aquilo era sânscrito, mas embora o aplicativo tenha identificado a língua, a tradução era precária por se tratar de uma escrita mais antiga. Alec levou quase duas horas para decifrar que se tratava de um símbolo demoníaco de comunicação. Fazia sentido, claro. O traidor provavelmente o usara para se comunicar com o Ladrão de Almas no inferno.

Era um avanço, mas não ajudava em muita coisa. Ele abriu a foto tirada por ele mesmo no celular para comparar, e era realmente o mesmo símbolo. Alec ampliou a foto e a observou, então algo que ele não tinha notado antes chamou sua atenção. Algo bem no canto da foto, caído no chão do beco... Alec arregalou os olhos. Naquele momento, foi como se tudo tivesse começado a se encaixar simultaneamente. Uma fileira de dominó onde a primeira peça foi derrubada, levando as outras consigo uma atrás da outra.

Porque, em seguida, seus olhos caíram sobre os livros que ele havia derrubado no chão.

Livros sobre ervas medicinais e venenos.

Um dos livros estava em japonês, mas Alec imediatamente reconheceu o termo Erva do Sono. Ele franziu a testa e pegou o livro. Nunca achou que agradeceria seus pais por obrigarem ele a aprender outras línguas. O coração de Alec acelerava cada vez mais conforme ele lia aquelas páginas.

De repente, ele se lembrou onde mais tinha sentido o cheiro da erva do sono...

Enquanto tentava organizar os pensamentos, ele olhou para o broche do esquadrão no próprio uniforme. E mais uma peça foi encaixada. Alec pegou o celular, os livros e saiu da mansão. Era tudo tão óbvio agora. Pelo menos, era o que parecia. Ele passou dias andando em círculos na escuridão, mas agora era como se alguém tivesse acendido um interruptor em sua cabeça.

Mas se ele estivesse errado...

Quando chegou no castelo de Luce, o lugar estava incomumente agitado. Não era uma festa. Guardas andavam de um lado para o outro gritando ordens. Ninguém prestou atenção enquanto Alec atravessava o salão e ia para a sala de reuniões. Ao abrir as portas, o clima pesado o atingiu como uma onda. Algo estava muito errado. As expressões frias e sombrias que se viraram para recepcioná-lo, deixavam isso claro. Todo círculo íntimo de Luce estava presente. Dos capitães, aos Irmãos Sombras.

-Que bom que está todo mundo aqui. - disse Alec sem rodeios. -Preciso contar algo.

Ele deliberadamente ignorou a pessoa a sua esquerda.

-Alec, encontramos o traidor. - justamente quem ele estava ignorando, foi quem falou.

-Encontraram... O traidor? - ele apenas encarou a pessoa sem expressão.

Não. Eles não tinham encontrado o traidor. Seja lá quem foi o coitado em que colocaram a culpa, não era ele, pois Alec estava olhando para o verdadeiro culpado nesse exato momento.

De repente, as portas se abriram bruscamente. Duas guardas femininas traziam um prisioneiro. Ou melhor, uma prisioneira. E o coração de Alec deu um salto, reconhecendo imediatamente o rosto a voz que protestava enquanto era arrastada para dentro da sala.

-A traidora é Rebeca. - disse Lilith parecendo muito triste. -Eu a peguei na cena do crime, desenhando de novo aquele símbolo estranho.

Claro que pegou. Alec controlou a expressão, e a raiva brotando em seu peito.

-Ela está mentindo, Alec! - gritou Rebeca. -Eu... Eu não sei como fui parar lá, mas não foi eu. Eu não consigo me lembrar...

Ele olhou com pena para a amiga, e então voltou a encarar os capitães que olhavam para ele do mesmo modo. Com pena. Por estar descobrindo que sua amiga era uma traidora e que certamente seria executada.

-O traidor é um demônio, Rebeca é humana. - Alec se ouviu falar, como se estivesse longe da própria voz.

-Sim, mas... - Gabriel se aproximou lentamente de Alec, sempre o mais gentil, tentando diminuir os estragos de uma situação delicada. -Ela foi pega em flagrante, Alec. Talvez as informações de Ric estivessem erradas...

Alec fechou os olhos e respirou fundo. Quando os abriu, encarou cada um dos rostos na sala.

-Não foi Rebeca, ela não é a traidora.

-Alec... - Lilith também se aproximou, ele deu um passo para trás.

-Não foi Rebeca. - repetiu com firmeza. Uma clareza que ele nunca sentiu antes o invadiu, afiando sua mente e sua determinação. -Mas obrigado por me dar certeza de que estou certo, Lilith.

-Do que você está falando? - perguntou Lilith franzindo a testa.

-Estou falando que é conveniente pra você culpar Rebeca, não é?

Todos eles olhavam atentamente para Alec, seus rostos confusos, mas cautelosos, e dispostos a ouvir.

-Por favor, elabore, Alec. - pediu Luce, soava mais como uma ordem.

-O que estou querendo dizer é - começou ele. - que Cadu descobriu que Lilith é a traidora, e por isso ela o envenenou. Cadu não ficou doente do nada.

-Envenenou? - a voz de Angela soou estridente. -Alec, Lilith nunca faria isso. E sua acusação é muito grave, Lilith é do alto escalão.

-Mas ela fez. - Alec rebateu, sem se encolher diante do olhar intimidador da primeira capitã. -Com uma planta que sozinha em pequenas quantidades é usada para insônia, mas em grandes quantidades misturada com outras ervas, pode causar alucinações, febre e até coma. - Alec então encarou Lilith, olhando em seus olhos. -É o cheiro que senti em você quando apareceu na minha casa no dia daquela reunião. Depois no treinamento, achei que o cheiro tinha vindo de Angela, mas foi apenas por causa da direção do vento. Você colocou a mistura de ervas nos bolos de amendoim que deu para Rebeca porque sabia que ela é alérgica, mas Cadu não é. Ele comeu e ficou doente.

Ele não tinha identificado o cheiro do bolo naquele dia e simplesmente achou que estava apenas estragado, mas agora sabia. Aquele cheiro picante era o cheiro da erva do sono. Só era surpreendente que o próprio Cadu não tivesse notado.

-Isso é ridículo! Por que eu faria isso, Alec? - Lilith tinha lágrimas nos olhos. -Tudo bem, eu entendo. Rebeca é sua amiga, mas...

-Eu ainda não acabei. - Alec cortou suas palavras com frieza.

-Continue. - ordenou Luce. Sua voz agora era tão fria quanto a de Alec.

-Gabriel, - Alec se virou para o braço direito de Luce. - foi você quem fez todos os broches do esquadrão, certo? Poderia examinar o de Lilith?

Um pouco confuso, Gabriel se aproximou dela, Lilith deu um passo para trás batendo a lombar na mesa. Gabriel a encarou impassível, e depois seus olhos desceram para o broche em seu peito. Primeiro, o rosto do guerreiro empalideceu, depois foi tomado por uma raiva cheia de incompreensão.

-Não fui eu que fiz esse broche. - disse entre dentes, como se lhe doesse dizer aquelas palavras. -Não é o tom certo, e nem o tipo de tinta que eu uso. Esse tipo sai com facilidade.

-No meu primeiro dia de treinamento com Angela e Lilith, depois do treino ela me acompanhou até o centro da cidade. - contou Alec. Ele expunha os fatos sem enrolação, só queria acabar logo com aquilo. -Ela entrou em uma loja de materiais de arte e comprou tintas, as mesmas cores desse broche, mas aparentemente, não são as cores exatas. Só um artista saberia identificar os tons certos de sua obra, e como vocês podem ver... Gabriel disse que esse trabalho não é dele. Suponho que você tenha comprado as tintas para fazer um retoque, caso a tinta começasse a descascar. Coincidentemente, isso foi no mesmo dia em que descobri sobre a planta que você usava, embora ainda não soubesse que você não usava a para insônia.

-Todo esse trabalho para proteger sua amiga não muda o fato de que ela é uma traidora! Eu vi! - Lilith agora não parecia tão calma e controlada. Seus olhos lilases brilhavam de ódio, e o peito descia e subia rapidamente. -Você...

-Será que você pode me deixar terminar, Lilith? - Alec nunca tinha usado um tom tão cortante. -Embora esse não seja seu nome, porque você não é a verdadeira Lilith. Você roubou a identidade dela. E fez isso durante o tal sequestro de um ano atrás, aposto que foi tudo orquestrado. Ou melhor, vocês realmente usaram isso para pegar a verdadeira Lilith, mas quem voltou no lugar dela foi você. Um demônio.

-Você está errado! Eu uso a planta por que tenho insônia, e comprei as tintas porque também gosto de...

-Cale-se, Lilith. - a voz de Luce se elevou, com uma frieza capaz de congelar o ambiente.

-Caso nada do que eu tenha dito até agora seja prova o suficiente, tenho algo que vai ser meio difícil você contestar. - Alec estava se divertindo um pouco agora. Estava claro que Lilith estava em maus lençóis. Todos olhavam para ela com raiva e desconfiança. Mas também dor, seja lá quem fosse ela, não era a Lilith que eles conheceram nas últimas décadas. Aquela coisa havia roubado o lugar da verdadeira amiga deles.

-É mesmo? - Lilith mudou de comportamento, soltou as palavras através da mandíbula travada de raiva, mas parou de gritar e derramar lágrimas fingidas.

-Sim, querida. - Alec Sorriu. -Pode por favor nos mostrar a barra da sua capa?

Quando Lilith não se mexeu, Angela foi até ela e ergueu a capa bruscamente. Um pedaço da barra estava faltando, como se tivesse sido rasgada.

-Aqui. - Alec colocou o celular com a foto ampliada em cima da mesa. Quando todos se aproximaram viram o mesmo que ele, um pedaço da capa de Lilith estava jogada no canto do beco. -Esse material é meio vagabundo, não acha? Para ser rasgado tão facilmente. Tem marcas de sangue no tecido, sangue da vítima. Quando a equipe chegou para examinar o local do crime, o tecido não estava mais lá, você deve ter pegado no meio tempo em que fui chamar Luce. Mas por sorte tirei uma foto antes.

Alec tinha que agradecer a Castiel depois pela câmera incrível do celular, sem isso, a foto não ficaria tão nítida e ele jamais enxergaria um detalhe desse. Os capitães estavam um pouco chocados, tentando processar tudo aquilo. Alec jogou os livros que tinha trazido em cima da mesa. As provas. Um deles caiu aberto em uma página que continha o mesmo símbolo pintado no chão do beco.

-Pesquisei na biblioteca, encontrei esse livro antigo. - ele relatou. -É um símbolo demoníaco de comunicação, mas precisa de uma espécie de amuleto para funcionar. Se vocês revistarem Lilith, provavelmente vão achar o amuleto nela...

Nesse momento, Lilith tentou correr. Foi em direção as portas, mas as guardas que seguravam Rebeca, soltaram ela, e em vez disso agarraram Lilith. Ela começou a se sacudir no aperto das híbridas, então Alec notou que ela ria. Ela estava gargalhando.

-Que sorte a de vocês Alec ter aparecido na cidade, não é mesmo? - ela gritou em meio a risos. -Vocês são tão burros, que se não fosse ele, nunca teriam descoberto...

-Lilith... - Angela parecia arrasada enquanto encarava ela.

-Não sou Lilith. - rosnou a traidora expondo os dentes. -E finalmente posso parar com esse teatro, não aguento mais. - ela disse. Totalmente diferente daquela menina meiga. Ela pareciam selvagem e cruel. -Não aguento mais fingir que eu os suporto. Sinto nojo de vocês, com todo esse papo de família e amizade.

Luce então, começou a se aproximar, lentamente.

-O que você fez com a Lilith?

A Lilith de mentira inclinou a cabeça como um animal selvagem, e a encarou de volta.

-Você sabe como demônios roubam a aparência das pessoas? - perguntou com um sorriso largo e assustador. -Eles comem sua carne. Eu a comi. Todinha. Ela era realmente deliciosa. E gritou bastante até morrer.

A ira inflamou no rosto de Luce. O momento seguinte, chocou Alec, apesar de tudo. Luce ergueu bruscamente uma das mãos e arrancou um dos olhos de Lilith. O sangue escorreu por seus dedos, que agora pareciam garras pontudas mergulhadas em um balde de tinta escarlate. Lilith berrou de dor, mas em seguida estava sorrindo novamente.

-Podem me destruir! Meu mestre me trará de volta! - berrou enlouquecida.

-Considerando que seu disfarce foi descoberto, duvido que seu mestre será tão benevolente. - escarneceu Alec.

-Ele vai matar todos vocês. Ele está chegando. E você... - ela olhou para Alec com seu olho restante cheio de ódio. -Você vai pagar por isso.

Então Luce arrancou seu outro olho também. Com as duas mãos pingando sangue, ela se virou para Cain.

-Interrogue ela e descubra tudo que ela deixou vazar, ela não precisa de olhos para falar.

-Quando eu começar com ela, vai ter desejado que você tivesse lhe cortado a língua. - Cain sorriu e estalou os dedos, se aproximou de Lilith que ainda ria histericamente. -Vamos nos divertir bastante.

-Ah... eu acho que não. - disse Lilith com um sorriso estranho. -Kaius! Kevin! AGORA!

Alec não teve tempo de pensar quem eram Kaius e Kevin. De repente, a sala explodiu em sombras, tentáculos que nublavam a visão e escurecia o ambiente, mas foi então que ele percebeu quem eram.

Os Irmãos Sombras.

Os gêmeos tinham ficado transparentes e dobrado de tamanho, se misturando as sombras no chão e nas paredes, os tentáculos vinham deles. Ao comando de Lilith eles revelaram sua verdadeira forma, e então avançaram, envolvendo Lilith com seus tentáculos. As guardas que seguravam ela, pularam para o lado instintivamente. Lilith ria triunfante de dentro da parede de sombras criadas pelos irmãos.

-Sentimos muito, Luce. - disseram os irmãos em meio ao redemoinho de sombras. -Somos gratos por tudo que fez por nós, mas não queremos ficar do lado perdedor quando a guerra chegar. Você nos permitiu viver, mas ele permitirá que continuemos vivos.

E então rápido como tinha acontecido, aquela cena atordoante acabou. As sombras simplesmente sumiram assim como Lilith e os irmãos a quem elas pertenciam.

-Os nomes deles era Kaius e Kevin? - perguntou Levi incrédulo.

-Sério que é com isso que você está preocupado? - Angela rebateu a pergunta dele com mais incredulidade ainda.

Todos pareciam completamente estupefatos. Como se tivessem visto algo que não conseguissem acreditar mesmo tendo presenciado, o que era o caso. Não havia apenas um traidor, e sim três. Fora um golpe e tanto. Nenhum deles esperava por isso, e jamais teriam previsto. O mar de rostos em choque deixava bem claro. O rosto de Luce logo se transformou, indo de perplexidade a uma fúria silenciosa e fervente. Ela falava pouco nesses momentos, e certamente era porque não havia palavras que pudessem expressar toda sua raiva.

Saindo do choque, as engrenagens no cérebro de Alec começaram a funcionar. Era por isso que os Irmãos Sombras nunca tinham feito nenhum avanço em encontrar o traidor. Porque trabalhavam junto com ela, com Lilith. Mas diferente de Lilith, eles não eram impostores, apenas tinham mudado de lado. Cuspido na mão que os alimentou. E o fato de que eram os únicos que conseguiam entrar no inferno devia ser uma mentira, eles apenas tinham acesso livre porque trabalhavam para o Ladrão de Almas, outro motivo pelo qual não estavam tendo sucesso em abrir os portais para lá. No entanto, o poder deles não devia ser ilimitado, se fosse, já tinham trazido um exército para dentro da cidade.

-Bom trabalho, Alec. - parabenizou Luce se recompondo rapidamente, depois do baque. -Você desmascarou a traidora.

-Bom trabalho? - Alec se sentiu amargo e incompetente. -Teria sido um bom trabalho se eu tivesse descoberto os gêmeos também! Eu...

-Se dê um pouco de crédito, menino. - Luce virou para ele, examinando o sangue nas próprias mãos. -Para alguém sem experiência nenhuma, fazer o que você fez em tão pouco tempo, foi um grande feito. E sobre os gêmeos, nem mesmo nós poderíamos ter previsto. Confiávamos plenamente neles...

-Concordo. - Gabriel se aproximou com uma expressão de derrota. Levi e Angela estavam ao seu lado. -Você fez bem, Alec. Ninguém poderia ter pensado que os gêmeos...

-Eu notei que havia algo diferente em Lilith, mas achei que era o trauma do sequestro de um ano atrás. - Angela estava balançando a cabeça, sua expressão era um misto de fúria e tristeza. Levi não dizia nada, mas tinha uma expressão parecida com a dela. -Mas os gêmeos? Logo eles... Não entendo. E Lilith... Eu era próxima dela, como não notei? Eu...

-Angela, não. - Alec se aproximou, e colocou uma mão no ombro dela. -Você não tem culpa, nenhum de vocês tem. Vocês acreditavam que ela era outra pessoa, confiavam nela. Confiavam neles.

-Alec tem razão. - Gabriel disse. -E de qualquer forma, não adianta ficarmos nos martirizando agora. Está feito. Precisamos nos preocupar com os Irmãos, eles sabem muito a respeito da nossa cidade.

-Vou bloquear a entrada deles, - disse Luce de um jeito meio robótico. - se ousarem passar pela barreira, saberemos. Eu vou saber.

Havia determinação movida a ódio na expressão dela, mas mais do que isso. Culpa. Por não ter notado quem Lilith era. O que ela era. Culpa por ter confiado nos gêmeos. E preocupação, ao imaginar que eles sabiam coisas demais sobre a cidade. Coisas que agora o Ladrão de Almas também sabia.

-Luce, apesar de toda essa desgraça, precisamos focar, ainda temos coisas a fazer. - Levi finalmente falou, ele estava meio pálido. -Vou reagrupar minha divisão e dar uma olhada em como estão as coisas na barreira.

-O que está havendo? - Alec perguntou sentindo que algo ainda estava por vir. -Todo esse movimento lá fora...

-Houve um ataque nas barreiras. - Levi respondeu com um tom estranho. -Conseguiram fazer uma rachadura.

-E eu não estou conseguindo consertar. - disse Luce, sua voz era raiva e impotência combinadas. -Não sei que tipo de poder eles usaram, mas a última vez que as barreiras foram rachadas... Houve uma guerra.

Luce se virou para Alec, sua expressão era uma máscara de determinação.

-Se prepare, Alec. - disse. -Eles estão chegando.

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