40 | ESTAMOS AQUI UM PELO OUTRO


Caso você não saiba, querida, eu sou louco por você. Eu estaria mentindo se eu dissesse que eu poderia viver essa vida sem você. — Brett Young (In Case You Didn't Know).



Após voltarem no meio da noite para o casarão da chácara e aproveitarem juntos – e insaciáveis – o quarto principal e a suíte aconchegante, até mesmo a varanda com piso de madeira de frente para a piscina, os dois foram dormir somente às 5h da madrugada, quando o céu já clareava e o barulho incessante dos passarinhos os embalava. Seus corpos, apenas com peças íntimas, se encaixaram e ele a abraçou pela cintura. Adormeceram com uma facilidade absurda.

— Dormiu bem, amor? — escutou o sussurrar rouco de Arthur em seu ouvido assim que abriu os olhos. Piscou diversas vezes para ter certeza que não era um sonho, mas sabia que era real por conta de seus músculos doloridos. Virou-se e contemplou o rosto marcado dele. Até mesmo as cicatrizes adquiridas ao longo do tempo.

Ainda assim, perfeito para ela.

— Como uma pedra — murmurou com um sorriso preguiçoso e, simulando uma gatinha manhosa, se enroscou ainda mais nos braços dele. — Hm... Podemos ficar aqui para sempre.

— Eu penso nisso a cada segundo, mas... — Seu semblante expôs certa apreensão. — Eu estou ansioso para conhecer nosso filho.

— Quando ele te presentear com fraldas empanturradas talvez se arrependa — brincou.

— Se eu aturo você roncando falando de noite, acho que aguento o que for — replicou em tom de diversão. Ela fez uma careta. — Pedi ontem que Juarez providenciasse comida. Está faminta?

Ally abriu a boca para respondê-lo, porém, antes que pudesse dizer algo, seu estômago roncou. A simples menção de comida a estimulava. O barulho fez com que uma risada saísse dos lábios do ruivo.

— É, definitivamente a minha função nesse mundo é te deixar... saciada.

— Espero que em todos os sentidos, gogoboy. — Ally arquitetou um sorriso inocente e, sem conseguir mantê-lo por muito tempo, tornou-o mais malicioso, riu e se movimentou, de maneira que se descobriu do lençol, exibindo sua lingerie ainda com etiqueta que comprou na viagem que fizeram ao Havaí. Teria a usado se não tivesse sido sequestrada.

Arthur retribuiu a fisionomia sugestiva e a colocou sobre seu corpo ao agarrá-la pelas nádegas, e antes que pudesse se controlar, enroscou seus dedos no cabelo dela e empurrou o rosto feminino contra o dele. Suas bocas se chocaram e, antes que previssem, emaranhavam-se fervorosamente em meio à travesseiros e cobertas. A garota percebeu o volume que começava a pressioná-la sob sua pelve e, com fome, soltou-o e pulou da cama antes que se esquecessem novamente de comer.

— Vou precisar de um tempo para me recuperar — Arthur anunciou ainda com seus lábios e a região debaixo inchados. — Mas avise a funcionária de Ravi que por esses dias ela irá fazer hora extra...

— E a Helena? — Ally o desafiou. — Ela vai ficar colada com você até enjoar.

Ele fez uma expressão pensativa e, astuto, logo replicou:

— E se eu pagar a professora dela para passar uma quantidade a mais de dever de casa?

Ally revirou os olhos e, em seguida, gargalhou.

— Vamos, tarado, a falta de calorias está te fazendo delirar! — Ally o chamou enquanto debochava da feição judiada dele. Foi até Arthur e o arrastou do colchão para que se vestissem.

No café da manhã, que pelo horário estava mais para almoço, a dupla desceu para a copa conjugada à cozinha. A aparência combinava com o restante do lugar, com um aspecto rústico, mas mesclado ao moderno. Ally avistou um fogão à lenha e outro elétrico de mesa entre armários longos e com detalhes em madeira junto a uma geladeira de inox de duas portas. Um balcão separava os eletrodomésticos e a pia da mesa extensa repleta de bolos, biscoitos, omelete, café e jarras de suco. 

O teto comportava lustres e, em frente à mesa, e em uma das paredes laterais, existiam portas de correr e de vidro já abertas que expunham não somente a paisagem da chácara, mas dos pequenos montinhos de vegetação vistos ao longe. Uma parte da visão era preenchida pelo mar azul do litoral.

Após se surpreender mais uma vez com aquele cenário, a interiorana salivou de imediato e partiu para atacar todo o rastro de alimento. O rapaz sorriu diante do apetite dela e, tranquilo, pegou algumas fatias de bolo para si.

— Terminei! — Ally exclamou contente enquanto acariciava o próprio abdômen. Ali o ruivo notou que uma mulher alimentada era uma mulher feliz. — Vamos para casa? Eu deixei leite para o Ravi, mas acho que ele já deve estar sentindo a minha falta, pois nunca ficou tanto tempo longe — disse e, de repente, apesar de tentar disfarçar, o ruivo reparou no olhar inquieto dela. — Prometi também a Helena que a ajudaria a escolher uma fantasia hoje para a festa a fantasia que terá na escola na semana que vêm, tenho que agendar a próxima consulta ao pediatra e....

— Ei! — Arthur aproximou-se de Ally e tocou-a na cintura, trazendo-a para perto e a calou. Beijou delicadamente a testa, a área da bochecha e os lábios femininos. — Não se preocupe, estou aqui agora, iremos dividir tudo, ok?

— Ok — Ally assentiu à medida que relaxava seus ombros. — Parceiros?

— Mais que isso... — Arthur declarou com a voz um pouco receosa, mas sua íris brilhava. — Namorados?

— Mas nós sempre fomos, não é? — estranhou, apesar de seu coração acelerar como um piloto de fórmula 1.

— Para mim você sempre foi, mas nunca conversamos sobre e... e agora eu estou implorando que você diga sim. Quero experimentar todas as etapas com você. Eu nunca namorei, nunca tive alguém comigo de verdade e... talvez eu esteja fazendo da forma errada, mas...

E então, antes que ela pudesse codificar todas as ações inesperadas do rapaz, assistiu-o retirar do bolso de sua jaqueta preta uma caixinha minúscula azulada. Ele a abriu e Ally deparou-se com um anel fino e dourado, que trazia apenas uma pedrinha de diamante delicada. Lindo.

— Eu pensei em me ajoelhar porque soaria mais romântico e piegas, mas ainda tenho dificuldades — ele caçoou tentando amenizar sua própria ansiedade.

Os traços atônitos e desconcertados dela se desfizeram conforme nascia um indício de sorriso nos lábios femininos.

— Se eu disser sim, você promete não se meter mais em encrenca?

Arthur riu.

— Tentarei...

— Promete que vai continuar tirar muitas fotos minhas? Na realidade, nossas? — continuou com uma das sobrancelhas arqueadas. — Que não irá deixar de me trazer batatas fritas?

— Prometo tudo isso e um pouco mais. E esse pouco mais inclui te aturar até... — Suspirou e a esquadrinhou com o olhar. — Até o fim.

— Então sim — correspondeu entusiasmada. — Gosto da ideia de um namorado ruivo só para mim.

— E eu gosto da ideia de ter você, pedaço do céu — ele murmurou e a abraçou, beijando-a nos lábios em meio àquela cozinha de paredes claras e banquetas de madeira clara. A luz projetada dos lustres, bem como os raios solares que ultrapassavam as portas abertas, davam ênfase à dupla oficialmente de namorados.

Ele desceu as investidas até a pele do pescoço de Ally e, por reflexo, a jovem inclinou a cabeça. Arthur a apertou no quadril, porém, assim que, sem querer, sua atenção foi desviada para os jornais sobre o balcão por de trás da interiorana, viu logo na capa uma foto enorme de sua avó, a palavra ''luto'' gigante e uma imagem menor de Fabrício e Helena.

Ele a soltou e, intrigado, se deslocou até o noticiário. Sally não entendeu de início a mudança repentina de humor do namorado e o fato dele se afastar repentinamente. Mas assim que girou o corpo e seu olhar mirou o jornal nas mãos dele, o assombro a golpeou.

— O quê? — A voz masculina falhou enquanto sua mente tentava entender o óbvio naquela matéria. Seus olhos encharcavam-se em lágrimas abruptamente e suas mãos tremiam enquanto lia os parágrafos sobre a morte de Silvia, de maneira que os papéis acabaram caindo sobre seus pés. — Minha avó... minha avó, Sally. Aqui está dizendo que ela morreu. Me diz que isso é mentira, por favor.

Ally percorreu a distância até ele desesperadamente e o abraçou forte. A jovem o apertou e deixou que o homem desabasse e berrasse em meio a dor enquanto permanecia a envolvê-lo firmemente, silenciosa. Ela não conseguiu segurar seu próprio choro ao vê-lo tão atormentado. A filha de Fátima sentiu como se estivesse recebendo a notícia pela primeira vez.

— Não era para você descobrir assim... Pretendíamos te contar com mais calma — ela cochichou com o rosto colado no peito masculino. O coração dele parecia descoordenado e todo seu corpo sofria espasmos. — Eu estou aqui. Você não está sozinho, eu prometo.

Os dois ficaram naquela situação por mais de três horas. Juarez em determinado momento ultrapassou a porta que integrava o ambiente externo à cozinha, no entanto, ao vê-los tão desolados, desistiu de interrompê-los e retornou para sua casa.

— Preciso vê-la — ele declarou de repente quando finalmente reagiu. Seu rosto estava avermelhado. — Preciso de um momento com ela. Preciso... — Um soluço irrompeu sua garganta. — Preciso agradecê-la por ter salvado a minha filha, mesmo que isso tenha custado sua vida.

— Está bem — respondeu à medida que se embebedava de ar. Levou seus dedos até os dele e os entrelaçou. — Eu vou com você. Prometo que fico quietinha.

Arthur assentiu.

Submersos por uma atmosfera melancólica, a dupla se despediu do caseiro e sua família e, em seguida, entraram no jeep. Sally dirigiu em direção ao cemitério em que sua antiga chefe foi enterrada e, pela visão periférica, percebeu o estado dormente e pensativo do pai de seus filhos.

Queria ter poder para diminuir a dor dele, porém, sabia que só o tempo poderia amenizá-la. O máximo que conseguiria fazer era estar ao lado do homem que amava.

Assim que os dois alcançaram a lápide da executiva, que contava com a data de seu nascimento e morte, e que estava ao lado da de Lourenço, Arthur não conseguiu resistir e ajoelhou-se aos plantos de frente ao túmulo de sua avó, mesmo que seus músculos doessem. Abaixou a cabeça e, por de trás dele, Ally mirou os ombros largos masculinos moverem-se para frente, como se houvesse mais uma enxurrada de lágrimas que começavam a sufocá-lo.

Arthur fez uma força sobre-humana para erguer o rosto e olhar para cima. O céu azul claro e sem nuvens parecia fazer piada com seus sentimentos tempestuosos. Seus pensamentos se enfureciam e as palavras pareciam se formar e implorar para serem despejadas, talvez por isso, tenha fitado novamente a lápide da grisalha.

— Oi, Dona Silvia, desculpa ter demorado para vir. — Tocou a superfície do túmulo e pousou a mão ali. Interrompeu a própria respiração e tentou soltá-la à medida que sua visão turva sumia. — Eu... eu... — travou.

— Está tudo bem. Só... desabafe. — Sally tocou-o no ombro, incentivando-o. — Se quiser que eu te dê privacidade é só pedir.

— Não, Ally, pode ficar — ele sussurrou. — Eu só preciso... de coragem.

Arthur voltou a atenção para frente e fechou os olhos, como se retornasse às memórias em que Silvia esteve presente.

— Vó... Eu achei que nada mais de ruim pudesse acontecer. Sinto muito... sinto muito por tudo. Sinto muito por eu ter sido uma criança difícil. Por ter sido um maldito adolescente. Sinto muito pelas reuniões que você teve que perder para me acudir, pelas noites que te deixei preocupada quando não voltava para casa cedo e, principalmente, por ter falhado em te mostrar o quão importante a senhora era e ainda é para mim. Obrigado por tudo. Tudo. Pelas vezes que me repreendeu por conta das confusões do colégio. Pelos momentos que cuidou dos meus machucados e que segurou minha mão, até mesmo quando eu estava errado. E também por aqueles instantes que, ao me notar triste, comprou minhas comidas favoritas e alugou filmes de ação para assistirmos juntos só para me ver sorrir novamente. Por sempre ter aceitado os animais de rua que eu trazia para casa, porque, de certa forma, eu era como um deles, um filhote maltratado que você gentilmente levou para seu lar.

As árvores nos arredores oscilaram devido a uma ventania intensa, porém, nem mesmo o farfalhar insistente das folhas se sobrepôs às palavras do neto da mulher enterrada. Uma leve camada de poeira sobrevoou os gramados extensos e, a alguns metros, após o vento diminuir, as partículas minúsculas despencaram sobre a terra, retornando à origem.

Ally imaginou em como a vida era frágil. Um sopro, exatamente como aquela brisa. Esfregou as mãos no rosto e acompanhou seu namorado continuar:

— Você sempre lutou por mim, vó, sempre me manteve por perto, bancou até mesmo a detetive, porque acreditava na minha inocência. Sempre acreditou, não é? Seu apoio incondicional é a razão pela qual posso estar aqui, hoje, ao lado da mulher que amo, com filhos incríveis, mesmo que eu ainda não conheça um deles, mas irei poder acompanhá-lo crescer por sua causa. E com irmãos que não são de sangue, mas os considero. Uma família de verdade.

Ele respirou fundo.

— Se eu pudesse voltar ao passado, eu faria uma estátua de cera com você usando seu blusão preferido, aquele para dormir, de colarinho branco e com estampa do Mickey, que inclusive você me fez prometer nunca contar para ninguém. Agora a Sally sabe, mas farei ela guardar esse nosso segredo também. Eu tentaria ter sido mais tranquilo e mais amável, mas acho que isso não importaria, não é? — Riu baixinho em meio às lágrimas. — Porque a senhora me amou e me protegeu quando ninguém dava nada por mim. A senhora foi a minha avó, minha mãe e meu pai. Foi a bisavó mais incrível para a minha filha. Eu prometo que a partir de agora eu vou honrar seus ensinamentos e o seu legado. Eu vou cuidar da nossa família. Eu te amo, Dona Silvia, fique em paz.

E então, como se finalmente entendesse que a mulher sempre seria uma parte de si, uma parte honesta e nobre, ele esforçou-se para levantar e conseguiu ao receber o apoio de Sally. Os dois deram as mãos e trocaram um olhar intenso e um sorriso, como se dissessem que um novo capítulo estava prestes a ser escrito.

E de fato estava.

Não era o fim de suas vidas, pelo contrário, era apenas o começo.

De repente o celular de Sally apitou, assustando-a. Pegou-o e pensou em ignorar a mensagem, mas ao visualizar o nome de Helena, preferiu lê-la.



Arthur riu ao ler as palavras dramáticas de Helena e, somado a isso, a forma íntima e natural com que ela havia adotado Sally como mãe o fez se sentir melhor de imediato. Uma coisa era ouvir sobre isso, outra coisa era ter a prova diante de seus olhos.

— Esfomeada igual a alguém que conheço — Arthur implicou. Seu semblante estava mais leve. Os dois deixavam para trás o portão de ferro da casa dos mortos e retornaram ao carro, dessa vez com o clima mais calmo. Passaram na lanchonete que vendia o lanche preferido de Helena e seguiram até o condomínio residencial da casa que, antes, era de Silvia, mas agora seria daquela família que finalmente estava completa.

— Tem certeza que está bem? — Sally perguntou assim que estacionou próximo à calçada do casarão Ferraz. Encostou a mão na perna de Arthur e o mirou.

— Sim — ele a retrucou com sinceridade. Seus olhos âmbar pareciam ainda mais intensos. — É difícil ter que lidar com as novidades e com a ausência de Silvia, mas sei que com vocês ao meu lado tudo ficará mais fácil.

— É isso... — Sally suspirou assim que puxou o freio de mão e desligou o veículo. — Nós nunca mais seremos os mesmos, e talvez nem tenhamos ficado mais fortes ou mais resistentes, mas o que importa é que não nos perdemos no meio do caminho, ainda estamos aqui um pelo outro. — Sorriu para o homem que amava e, de imediato, ele segurou a mão feminina com o anel e a beijou.

— Vocês chegaram!!!!! — Escutaram o grito repentino de Helena, que saía da casa às pressas descalça e com uma as mãos sujas de caneta colorida. Ela havia visto o carro da varanda de seu quarto. Era possível o casal acompanhá-la pelo retrovisor, de maneira que notaram os traços infantis ansiosos e esperançosos.

Arthur abriu a porta e direcionou-se à garotinha. Seu peito inflou, bombardeado com o peso da saudade e da felicidade de poder tocar novamente nos fios alaranjados e ondulados dela, bem como encarar seus olhões pretos buliçosos. Ele foi de encontro a ela e a beijou na testa insistentemente. Abraçaram-se com tanta força e sentimento que Ally preferiu continuar no banco do motorista.

O momento era deles.

Mas em breve ela sairia, pois os burritos da menina estavam em seu colo.



Sim... tá acabando! ): 

Bjs <3 

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top