Belo Horizonte
- Você conhece alguma coisa por aqui? - Mirela questionou, ela e Diego caminhando por entre ruas que pareciam embaralhar-se, já que a baixista não conhecia praticamente nada da capital mineira.
- Se perder a gente não vai. - Ele deu de ombros, ajeitando a alça da capa do violão nas costas. - Ou já tá querendo ir pro hotel?
Poderia dizer que explorar as capitais, por onde faziam show, tornou-se um hábito para aqueles dois. Ou pelo menos a parte em que Mirela ajudava o frontman da Storm Riders a escapar às escondidas da casa de shows. Como ela conhecia aquelas entradas ele nunca iria saber.
- Você quem disse que ia pro hotel, levar esse violão de volta - ela pontuou, apontando para o instrumento nas costas do guitarrista. - Sei que você quer passar despercebido, mas é meio difícil com isso... Não dava pra deixar levar com as outras coisas?
Diego torceu o nariz.
- Roubaram meu violão quando viemos de São Paulo. - A baixista ergueu as sobrancelhas com a revelação, enquanto o ruivo permanecia sério.
- Não fiquei sabendo que furtaram nada...
Os dois pararam em um semáforo e uma multidão de carros acelerou. Mais alguns outros fizeram o mesmo que eles. Apesar do horário, as ruas do centro de Belo Horizonte estavam bem cheias. Efeito sexta-feira.
- Porque recuperaram logo - disse sucinto e atravessaram a rua.
- Então, esse violão é especial pra você? - ela questionou e logo avistaram uma praça, que parecia levar ao centro de tudo. Comércios, bares, restaurantes, todos acesos e carregados de vida. Exceto pelo meio daquilo, a Praça Sete de Setembro.
- Foi um presente de uma pessoa querida - ele disse e Mirela percebeu a forma com que os dedos finos do guitarrista percorreram a alça preta em seu ombro.
A baixista constatou para si que era melhor não insistir. Os dois pararam numa praça, ao lado de uma estrutura com um obelisco ao centro e poucas árvores não muito distantes. Havia apenas um grupo de jovens um tanto ao longe, rindo alto.
- E pra onde você vai hoje? Disse que não conhece aqui. - Mudou de assunto, vendo Diego sentar-se à beira de concreto do monumento.
- Sei lá - ele respondeu, estendendo as pernas de forma relaxada. - Só queria um pouco de ar. - Deu de ombros, retirando o instrumento das costas e colocando-o ao seu lado.
Mirela sentou-se próxima, deixando que o violão ficasse entre eles.
- Isso deve ser sufocante, né? - Ela olhou para o céu, vendo a noite estrelada sobre suas cabeças. Era a mesma em toda cidade que passavam.
- Isso o que?
- Você sabe do que eu tô falando - ela devolveu, voltando os olhos castanhos para Diego, percebendo que as íris tempestade já estavam nela há certo tempo. O guitarrista desviou o rosto, concentrando-se em colocar o instrumento no colo.
- As pessoas dão mais valor a você do que à sua música - respondeu seco, retirando o violão de dentro da capa.
- Por isso que eu não quero ficar famosa - Mirela confessou com um suspiro.
Ainda com os olhos fixos no guitarrista, a moça percebeu que ele volveu o rosto para ela no mesmo instante de sua fala. Em um segundo, voltou a olhar para o instrumento.
- Nem eu queria... - A resposta foi quase um sussurro, que Mirela não ouviria se não estivesse tão perto. Ou talvez ela tivesse ouvido errado, com o barulho da cidade embaralhando sua audição.
De forma distraída, Diego começou a dedilhar as cordas do violão. Os sentidos da baixista se apuraram.
- Eu conheço essa música! - ela exclamou, no que apenas viu Diego sorrir de canto. Ele devia sorrir mais, pontuou para si.
- Tell me somethin' girl, are you happy in this modern world? Or do you need more? - O guitarrista começou a cantar os primeiros versos da canção com sua voz rouca, no que a baixista apenas riu. - Is there somethin' else you're searchin' for?
Ele ergueu o olhar para ela, vendo o sorriso da moça tomar forma. Era diferente do que vira nos lábios dela nas noites anteriores. Não era irônico, nem ácido, nem...
- Da onde você conhece essa música? - ela questionou entre risos. Diego sorriu de canto, naquele seu típico hábito. Mirela estava começando a memorizá-lo.
- Meio difícil não ouvir, com o tanto de vezes que toca por aí - respondeu com sarcasmo, no que a baixista apenas ergueu as sobrancelhas. Ele soltou o ar pela boca, disfarçando uma risada. - Já vi o filme, tá feliz?
- Tá brincando?! - ela disse entre risos. Vendo Diego sério, parecendo não gostar muito, já que desviou o rosto enquanto ainda tocava o mesmo riff. De repente, parou. - Não te imagino vendo esse tipo de coisa.
- Nas noites de insônia a gente vê qualquer coisa que tá passando na TV - disse no que parecia um desabafo escondido em sarcasmo. A expressão de Mirela se contraiu e, antes que qualquer frase saísse, Diego resolveu voltar a cantar, prevendo o que viria a seguir. - I'm falling, in all the good times I find myself. - Umedeceu os lábios antes de continuar. - Longin' for change, and in the bad times I fear myself. - Deixou a nota no ar por poucos segundos, esvanecendo conforme seus dedos se afastavam das cordas do instrumento.
- Tell me something boy, aren't you tired tryin' to fill that void? - Mirela continuou a parte feminina, mesmo que Diego tivesse parado de tocar. - Or do you need more? Ain't it hard keeping it so hardcore?
- E depois fala de mim - Diego retrucou surpreso. A baixista apenas riu.
- Lady Gaga é minha diva. - O guitarrista ergueu as sobrancelhas, no que ela voltou a cantar, ignorando a surpresa visível no rosto dele. - I'm falling, in all the good times I find myself. - Diego passou a tocar o mesmo riff, fazendo com que ela parasse de cantar acapella. - Longing for change, and in the bad times I fear myself.
O guitarrista continuou, porém, Mirela parou, apenas encarando-o.
- Vai, Lady Gaga - ele provocou rindo, no que Mirela fez aquela expressão que o intrigava. Ela não revirava os olhos.
- Vai você, que é cantor! - Ela cruzou os braços, fingindo-se de ofendida. - Eu sou só backing vocal.
- Pelo menos é afinada. - Diego deu de ombros, e Mirela franziu as sobrancelhas, levemente indignada por ser chamada apenas de "afinada". Novamente aquela expressão, Diego percebeu e sorriu. - In the shallow, shallow. - Ele pulou para o refrão, para a surpresa da moça.
- In the shallow, shallow - ela continuou, fazendo-o sorrir de canto.
- In the shallow, shallow. - Os dois cantaram o verso juntos, encarando-se. Mirela poderia dizer que os olhos dele pareciam mais escuros naquela meia luz. Talvez mais como o céu de tempestade. - We're far from the shallow now. - Eles finalizaram ao mesmo tempo, em uníssono.
Mesmo quando a nota havia se esvanecido por completo, eles permaneciam se encarando. O silêncio reinaria, se não fosse os sons da cidade. E ambos aproveitavam para observar-se sem pudor. Diego ainda tinha aquela vontade louca de contar todas as sardas do rosto dela.
- Juntos e shallow now - Mirela brincou, tentando dissipar aquele clima que pairava no ar, e viu que Diego encarou-a com as sobrancelhas franzidas. A baixista gargalhou. - Vai dizer que essa você não conhece?
- Deveria? - ele retrucou.
- Deixa pra lá, vai. - Ela abanou a mão, sentando mais para trás no concreto aos pés do obelisco e esticando as pernas. Paravam a um palmo de distância dos pés de Diego. - Qual mais você sabe tocar?
No meio do coração pulsante da vida noturna da capital mineira, os dois músicos se envolveram na paixão que tinham em comum. E não era a única.
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